COMUNICAÇÃO

ENTREVISTA – No mês da mulher, Firmiane Venâncio fala sobre a violência contra elas durante o Carnaval 2018

01/03/2018 17:06 | Por Lucas Fernandes - DRT/BA 4922 e Ingrid Carmo - DRT/BA 2499 | Foto: Tiago Lima (estagiário)

"É equivocado pensar que quando uma mulher leva a cabo uma denúncia de violência doméstica, ela quer a segregação do agressor. Ao contrário, ela quer fazer cessar a violência sofrida e que se agrava a cada dia" - Firmiane Venâncio, defensora pública

Março é o mês da mulher e traz temas que necessitam de dedicada atenção. O balanço do Plantão do Carnaval 2018 da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA mostrou números, em relação à violência contra elas, que não podem ser ignorados. Durante os sete dias do Plantão da Defensoria, embora tenha sido registrada uma diminuição dos casos de flagrantes de violência doméstica, o número de medidas protetivas ajuizadas pela Instituição cresceu, junto com as denúncias de estupro. Os casos são apurados através do Núcleo de Prisão em Flagrante – NPF –, do Tribunal de Justiça da Bahia.

Nesta entrevista, a coordenadora-geral do Plantão do Carnaval 2018 da Defensoria, defensora pública e diretora da Escola Superior da Defensoria – Esdep, Firmiane Venâncio do Carmo Souza, que também é Mestra e Doutoranda pelo Programa de Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Mulheres e Feminismos da Universidade Federal da Bahia – PPGNEIM, dá mais detalhes sobre estes dados registrados durante o período carnavalesco.

 

 

1) Com os dados do Núcleo de Prisão em Flagrante – NPF –, o balanço do Plantão da Defensoria neste Carnaval 2018 apontou que as denúncias de violência doméstica diminuíram em relação ao ano passado. A que isso pode ser atribuído?

De fato, houve uma redução em torno de 50% no número de flagrantes por violência doméstica. Isso nos desafia se promovermos a comparação, por exemplo, com o número de mulheres que procuraram a Defensoria Pública para ajuizamento de medidas protetivas: de 2017 para 2018, a quantidade dobrou e, ao todo, foram seis medidas requeridas no Plantão do Carnaval da Defensoria Pública este ano. Com isso, percebemos que, embora não tenham resultado em lavratura de flagrante, seis outros casos de violência doméstica obtiveram a intervenção dos serviços da Rede de Proteção.

 

2) No entanto, os flagrantes de casos de estupro aumentaram em 2018. Nesse aspecto, o que as Redes de Enfrentamento à Violência contra a Mulher podem fazer para tentar diminuir, ainda mais, este número no próximo carnaval?

Além da lavratura dos três flagrantes de estupro, houve a entrada na Rede de outros oito casos não-flagrantes de crime sexual cometido contra mulheres no período do carnaval, atendidos pelo Hospital da Mulher (a imprensa noticiou o atendimento de 11 delas).

Isso reflete a compreensão por parte das mulheres de que não apenas a conjunção carnal forçada ou mediante ameaça é enquadrado como estupro, mas que a prática de ato libidinoso não consentido também atenta contra a sua liberdade sexual.

Aliado a isso, a existência de serviços especializados no acolhimento de mulheres em situação de violência sexual, além de necessários, têm a sua qualidade reconhecida quando as vítimas os procuram, com a consciência de que terão acompanhamentos médico e jurídico adequados.

A Rede de Proteção à Mulher funcionou durante todo o carnaval numa interlocução constante, eu diria quase instantânea, e essa resolutividade implica credibilidade dos espaços de denúncia. Não vejo, sinceramente, os números como derrota, e sim como resultado das intensas campanhas de enfrentamento à violência contra a mulher antes e durante o carnaval, bem como da articulação dos serviços da rede de proteção no acolhimento das mulheres e na lavratura dos flagrantes.

 

3) Em relação às medidas protetivas para as vítimas de violência doméstica como foi a atuação do Plantão da Defensoria?

A Defensoria Pública ajuizou seis medidas protetivas durante o Plantão do Carnaval, tendo obtido liminares em todas elas. Em 2017, tivemos a busca de três mulheres pleiteando medidas protetivas durante o período momesco. Este ano, as situações foram mais complexas do ponto de vista da efetividade. No entanto, o sistema de Justiça começou a lançar mão de instrumentos capazes de substituir a segregação de acusados pela prática de violência doméstica e, a um só tempo, garantidores da efetividade das medidas protetivas, a citar os dois casos de aplicação de tornozeleiras eletrônicas durante o carnaval.

 

4) Como a senhora avalia o uso de tornozeleira eletrônica pelos custodiados nos casos de descumprimento de medida protetiva e violência contra a mulher? É uma medida justa ou é branda com o agressor?

A aplicação do uso da tornozeleira eletrônica nos casos de violência doméstica em que o acusado é recalcitrante na manutenção da distância e proibição do contato pode e deve ser considerado um instrumento útil tanto para efetivação das medidas protetivas quanto para o que elas representam: a tentativa de evitar que o ciclo da violência culmine com um feminicídio.

É equivocado pensar que quando uma mulher leva a cabo uma denúncia de violência doméstica, ela quer a segregação do agressor. Ao contrário, ela quer fazer cessar a violência sofrida e que se agrava a cada dia.

E, muito embora, falemos do caráter delituoso da violência doméstica, a abordagem desse tipo de conflito tanto para vítima como para réus merece uma análise muito mais complexa que envolve temas como dependência econômica, afetiva e valores patriarcais sedimentados na nossa sociedade. Portanto, precisamos lançar mão de instrumentos que possam permitir que o sistema protetivo à mulher atue em toda a complexidade do conflito, sobretudo resguardando a vida das mulheres.

 

5) Ano passado, um dos grupos mais beneficiados durante o Plantão da Defensoria no Carnaval foi o de mulheres em situação de violência. Já em 2018, outros grupos em vulnerabilidade, como população de rua e crianças e adolescentes, aparecem como os mais necessitados. Para a Defensoria Pública do Estado da Bahia e a Rede de Proteção à Mulher esse é um ponto positivo ou negativo?

Os números devem ser analisados com muita parcimônia. O carnaval revela ou potencializa todas as vulnerabilidades, de modo que não há superposição de um sobre a outra, mas uma diversidade revelada, tanto na quantidade quanto na complexidade, como desafiadora para os membros da Defensoria Pública.

Ao longo dos anos temos buscado qualificar nossa atuação, sobretudo através de um trabalho itinerante, que é reconhecido por onde passamos com nossas equipes. Nenhuma entrega de folheto a um ambulante ou boné a uma pessoa em situação de rua é um simples trabalho de divulgação da instituição. Nela vem expressa a presença de uma instituição de Estado que é garantidora e afiançadora de seus direitos.

As pessoas se sentem à vontade para ir aos postos da Defensoria Pública ou dialogar com as equipes de itinerância sobre os mais diversos tipos de problemas. A situação de mulheres trabalhando nas ruas é um deles, o das mulheres em situação de violência outro. Em todos os casos, a Defensoria Pública buscou atuar de maneira transversal e levando em consideração as questões de gênero, raça, classe e os desdobramentos que levam a tantas vulnerabilidades. Este é o balanço que faço, com muito orgulho, tanto da equipe de defensores(as) públicos(as), como dos(as) nossos(as) servidores(as) e parceiros(as) das mais diversas Redes, que souberam compreender o nosso papel durante o carnaval. Seguimos perseguindo o objetivo por um carnaval com menos violações e igualdade de direitos para todos(as) que queiram se divertir ou que precisem trabalhar.