COMUNICAÇÃO

Cota para ingresso de mulheres em carreiras militares é questionada em audiência pública da Defensoria

07/02/2020 13:26 | Por Lucas Cunha - DRT/BA 2944

Concursos em trâmite na Bahia delimitam 10% das vagas para o público feminino

O auditório da Escola Superior da Defensoria (Esdep) recebeu nesta quinta-feira, 6, uma audiência pública sobre o percentual de vagas destinado a mulheres nos concursos públicos tanto na Polícia Militar (PM-BA) quanto nos Bombeiros (CMB-BA) do estado da Bahia. A audiência foi convocada a partir de dois editais para concursos lançados em 2019, um com 88 vagas e outro mil vagas, os quais previam apenas 10% das oportunidades para o sexo feminino.

Para discutir o tema, estiveram presentes para compor a mesa da audiência a tenente-coronel do CBM-BA Ana Fausta de Assis Araújo, a major da PM-BA Cláudia Mara, a pedagoga Anucha Cardoso, as defensoras públicas Camila Angélica Canário e Firmiane Venâncio, além do juiz federal e professor de direito constitucional Dirley da Cunha Junior.

De acordo com a defensora Camila Canário, titular de Auditoria Militar da DPE/BA, a Defensoria buscará tomar providências administrativas alternativas de resolução junto às instituições envolvidas nos editais, pedindo a ampla concorrência sem distinção de gênero para as vagas. Caso nos próximos 30 dias não sejam tomadas ações efetivas sobre o tema, então a DPE/BA pretende judicializar o assunto.

“Da forma como estes editais foram postos não pode continuar. A Bahia é pioneira em diversas discussões e não é justo, nem constitucional que o estado permaneça diferente da atuação de outras unidades da Federação, que até já utilizam da ampla concorrência sem distinção de gênero. O comando da Polícia Militar do Distrito Federal Federal já foi ocupado por uma mulher. Quando veremos isso na Bahia?”, questionou a defensora Camila Canário.

Inconstitucionalidade

Especialista em direito constitucional, com diversos livros publicados sobre o tema, o juiz federal e professor Dirley da Cunha Junior afirmou que, apesar dos tribunais superiores nunca terem sido provocados a se manifestarem sobre a legalidade ou não de cotas para mulheres nos concursos de carreiras policiais e militares, não há nada na Constituição brasileira que preveja esta limitação para o sexo feminino.

“A lei tem que se ajustar à declaração de direitos prevista na Constituição, do direito da mulher concorrer à acessibilidade aos cargos em todas carreiras públicas, para que ela possa conquistar seu espaço, sem qualquer intervenção legal. Qualquer intervenção seria lesiva a esse direito. E, sem sombra de dúvida, qualquer vedação nesse sentido viola à Constituição”, afirmou Dirley da Cunha Junior.

Exemplos

Uma das convidadas para a audiência pública promovida pela Defensoria foi a tenente-coronel do CBM-BA Ana Fausta de Assis Araújo, primeira mulher a ocupar tal posto na história do Corpo de Bombeiros da Bahia. Tanto Ana Fausta como a major da PM-BA Cláudia Mara, também presente ao debate, fizeram parte da primeira turma de mulheres que ingressaram na PM-BA e CBM-BA, em 1989. 

Ambas falaram sobre as dificuldades que enfrentaram e ainda passam dentro das corporações. Ana Fausta trouxe em sua fala o machismo que teve de enfrentar à medida que ia subindo de posto na corporação, tanto por homens quanto por mulheres.

“Comecei a notar olhares diferentes para mim. Quando era promovida, deixava de ser capitã competente que ajudava o major e o tenente-coronel a cuidar da unidade que estava trabalhando e passava a ser uma concorrente. Mas o machismo também está presente nas mulheres. Já vi muitas preferirem ser comandadas por um homem incompetente, bruto e mal-educado do que por uma mulher”, declarou a tenente-coronel Ana Fausta.

Histórico

Já a major Cláudia Mara trouxe em sua fala uma apresentação de como está a participação da mulher atualmente dentro da Polícia Militar baiana. Segundo a major Cláudia, a entrada das mulheres nos quadros da PM-BA e CBM-BA ocorreu por provocação de Yolanda Pires, esposa do então governador do estado Waldir Pires, que durante suas viagens via mulheres nas polícias de outros estados.

Assim, Yolanda Pires sempre questionava ao então comandante-geral da PM-BA quando a polícia baiana teria em seus quadros também a inclusão de mulheres, o que começou a ocorrer a partir de um concurso com vagas para o sexo feminino em 1989.

Integrante da primeira turma de mulheres que adentraram na PM-BA, a hoje major Cláudia Mara comentou sobre o desafio que foi e ainda é a inserção delas nos quadros da instituição. Como exemplo, citou que das 58 unidades da Polícia Militar em Salvador e Região Metropolitana, apenas quatro são comandadas por mulheres.

“Tivemos uma formação inicial muito dura. A pergunta sempre era: ‘onde vamos empregar essas mulheres?’ Temos sempre que provar o nosso trabalho, tanto para o público interno quanto para o externo”, disse a major Cláudia Mara.