COMUNICAÇÃO

Defensores participam do 20º Seminário Internacional de Ciências Criminais em São Paulo

23/09/2014 16:22 | Por

Defensores públicos baianos participaram do 20º Seminário Internacional de Ciências Criminais, realizado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), em São Paulo. O evento anual aconteceu de 26 a 29 de agosto. Durante os quatro dias, os debates se concentraram em temas atuais, com a participação de penalistas e criminologistas nacionais e estrangeiros. Também foram realizadas audiências públicas e a premiação do tradicional concurso anual de monografias promovido pelo Instituto. O diretor da Escola Superior da Defensoria Pública da Bahia (ESDEP), Daniel Nicory do Prado, foi o único palestrante representando as regiões Norte de Nordeste.

Todos os anos o evento reúne cerca de mil participantes procedentes dos mais diversos pontos do país e do mundo. Seu principal objetivo é difundir conhecimentos interdisciplinares em matéria criminal, proporcionando discussão de temas relevantes para um público composto por advogados, defensores públicos, promotores de justiça, magistrados, delegados de polícia, sociólogos, psicólogos, assistentes sociais, estudantes e demais profissionais do Direito e áreas correlatas.

As palestras de abertura foram "A reconstrução do delito no Processo Penal", proferida pelo italiano Giulio Ubertis, e "Execução penal e novo capitalismo: uma convivência impossível?", por Anabela Miranda Rodrigues, de Portugal. Outras palestras se seguiram durante os quatro dias do evento, assim como os diversos painéis que enfocaram temas variados das ciências Criminais.

Para os defensores públicos participantes, Alexandra Soares da Silva, da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, e Juarez Angelin Martins, da Especializada Criminal e Execução Penal, a realização do seminário, em sua 20ª edição, traz uma expressiva contribuição para os operadores do Direito, principalmente no que diz respeito às discussões de temas importantes para a atuação desses profissionais.

"Para nós, da Defensoria Pública, é uma oportunidade excelente de conhecer o trabalho que é desenvolvido por outras áreas do Direito e das Ciências Criminais. Podemos confrontar as teorias com as nossas práticas cotidianas e aperfeiçoá-las, a partir de novos entendimentos e direções que são apontadas aqui. É uma experiência que em muitos nos enriquece, além de tomar contato com a realidade de outros países", avalia o então subcoordenador da Especializada Criminal e Execução Penal, hoje coordenador das Especializadas da Capital, Alan Roque de Araújo.

Para o coordenador, a palestra de encerramento "Habeas Corpus: função e papel no processo penal brasileiro, chamou sua atenção de forma especial. Segundo Alan, a fala do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Guilherme de Souza Nucci, destacou a importância e o reconhecimento do papel desempenhado pela Defensoria Pública no sistema de justiça brasileiro.

O desembargador afirmou que o habeas corpus é o único instrumento que o advogado ou o réu tem para chegar aos tribunais superiores. Ele criticou a posição do TJ-SP em relação às súmulas, afirmando que são necessárias a humildade e a consciência de reconhecer que as decisões do plenário do STF são certas, "gostemos ou não".

O desembargador também avaliou a atuação da corte paulista. Nucci disse que o Tribunal de Justiça de São Paulo é um dos mais conservadores do Brasil, no mau sentido. Delitos como roubo e tráfico sempre têm pena de regime fechado. Em sua opinião, a Lei das Cautelares ainda não chegou não chegou àquela instituição.

Painelista - O diretor da ESDEP, Daniel Nicory do Prado, apresentou o estudo "Aplicação de Lei de Drogas: comparação de pesquisas empíricas sobre encarceramento", no Painel "Política de Drogas", durante o último dia do evento. Sua abordagem comparou o acompanhamento realizado pelo Observatório das Práticas Penais (OPP-ESDEP), em Salvador, com os dados resultantes do estudo do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), no estado de São Paulo.

Os quadros demonstrativos trouxeram dados estatísticos sobre a realidade da população carcerária nos dois territórios, começando pelo país, que possuía, em dezembro de 2012, 548 mil presos, segundo o Ministério da Justiça. Guardadas as proporções, a Bahia, no mesmo período, tinha 13.105 presos e São Paulo 196.695.

A análise está voltada para as pessoas presas por envolvimento com drogas. Como a lei não determina a diferença, em termos de quantidade do porte da substância, a maioria dos flagrantes é de tráfico. Neste momento, por esta lacuna, cabe aos policiais definir o destino de cada preso.

Na apresentação dos tópicos alguns fatos são bem semelhantes nos dois contextos, apesar de suas peculiaridades. Poder-se-ia dizer que a realidade do mundo das drogas impõe uma certa lógica de operação. Pelos números pode-se deduzir que os presos por drogas têm, basicamente, um mesmo perfil. São jovens, de 18 a 24 anos, quase 90% homens, presos em via pública e pela Polícia Militar. Mais: cerca de 60% não têm antecedentes criminais, são primários.

A análise dos dados, se mais aprofundada, poderia, pelo cruzamento de informações e pesquisas dirigidas e detalhadas, chegar a outras conclusões. Como, por exemplo, que o mercado das drogas, em sua extensão e capilaridade, necessita desse tipo de força de trabalho, alijada dos processos formais de inserção no mundo do trabalho. Trata-se, antes de mais nada, para esses "trabalhadores" de uma relação econômica de subsistência, já que não se apropriam do lucro obtido com a venda das mercadorias.

Assim, fica mais fácil compreender-se os números revelados pelos estudos de acompanhamento. Como também os procedimentos legais adotados para este tipo de delito e suas implicações. Basta perceber que o encarceramento é a política mais efetiva de tratamento da questão.

Na Bahia, o percentual de presos por tráfico correspondia a 26,25% do total, enquanto que em São Paulo era um pouco maior, 29,19%. Com relação a quantidade de droga apreendida, no caso da maconha, Em Salvador, 12,10% foram presos com até 10 g, 25% com quantidades que variavam de 10,01 a 50 g. A mesma correspondência tem números aproximados em São Paulo, respectivamente, 15,34% e 32,42%.

No caso da cocaína (incluindo o crack) os percentuais para Salvador são de 44,95% (até 10g) e 31,19% (de 10,01 até 50g). Em São Paulo, 21,58% para o primeiro caso, e 39,13%. Como a cocaína é uma droga mais cara, embora o crack seja bem mais barato, os números podem apontar para o poder aquisitivo dos consumidores em cada região.

Com relação aos procedimentos jurídicos adotados e aos prazos processuais e às penas, os dados revelam que a justiça paulista mantem-se bem mais ortodoxa em alguns aspectos. No quesito "Dias corridos entre a audiência e a sentença", em Salvador, 23,53% tiveram zero dia, enquanto 76,47%, mais de 10 dias. Em São Paulo, foram 57,14% (zero dia) e 33,65% (mais de 10 dias).

É na persecução penal, no entanto, que a diferença entre os percentuais é bastante significativa. Em São Paulo, 91% dos casos foram de condenação, 6% de desclassificação e apenas 3% de absolvição. Já em Salvador, os números são mais próximos: 60% de condenações, 25% de desclassificações e 15% de absolvição. Caberia, então, uma das possíveis indagações a ser feitas: a polícia baiana era mais no flagrante que a paulista? Ou tudo depende da decisão do juiz?

Com relação à duração da pena aplicada, 36,83% são de manos de 20 meses e 26,98% são de 60 a 84 meses, em São Paulo. Em Salvador, o maior percentual, 58,33%, encontra-se na faixa de 36 a 60 meses. Um dado importante refere-se à substituição por penas restritivas de direitos. Em São Paulo 94,76% não têm substituição, enquanto na capital baiana são 58,33%. Condenados recorrendo em liberdade são 70% em Salvador contra 3% em São Paulo.

Para Daniel Nicory, que vem acompanhando essas questões desde quando atuava na Especializada Criminal e Execução Penal, o quadro mostra, de forma inconteste, que os "traficantes", em sua grande maioria, são presos perto de sua residência, desarmados, são jovens, majoritariamente negros, na faixa etária de 18 1 24 anos, sem antecedentes criminais.

As conclusões do trabalho apresentado no painel são as seguintes:

"O perfil dos presos e os percentuais de absolvições e desclassificações em Salvador apontam para um percentual maior de usuários presos em flagrante como traficantes, sugerindo uma ação menos criteriosa da polícia baiana;

A diferença entre o percentual de condenações em Salvador (menor) e São Paulo (maior) é bem mais acentuada do que a diferença entre os perfis dos presos em cada cidade, o que aponta para uma maior probabilidade de condenações de usuários como traficantes em São Paulo, sugerindo uma atuação menos criteriosa da justiça paulista;

Os baixíssimos percentuais de substituição da prisão por penas restritivas de direitos e de concessão do direito de recorrer em liberdade aos condenados, na capital paulista, coincidem com o crescimento mais acelerado e a maior representação proporcional dos presos por tráfico de drogas na população carcerária do Estado de São Paulo, sugerindo uma atuação excessivamente rigorosa da justiça paulista, tanto na imposição da prisão preventiva como na imposição da prisão pena.

Apesar dos índices satisfatórios de substituição da prisão e de concessão do direito de recorrer em liberdade aos condenados, em Salvador, o percentual de presos por tráfico de drogas no Estado da Bahia também cresceu significativamente, o que pode ser explicado por um excesso no emprego da prisão preventiva pela justiça baiana, antes de julgamento em primeira instância, que não foi objeto do presente estudo comparativo."