COMUNICAÇÃO
2º Dia de Encontro de DH discute direitos LGBTT, atuação policial e sistema Interamericano
O 2º dia do II Encontro Baiano de defensores públicos em Direitos Humanos aconteceu na última sexta-feira (10), e reuniu temas como Direito à Diversidade – garantia dos direitos da população LGBTT, Atuação Policial em situação de conflitos e Atuação da Defensoria Pública e Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Após recepcionar os participantes, palestrantes, debatedores e relatores do dia, a subcoordenadora da Especializada de Direitos Humanos, Bethânia Ferreira, deu continuidade aos trabalhos do Encontro. Ela convidou a coordenadora do Núcleo LGBT da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do estado, Paulette Furacão, a fazer um breve relato da sua trajetória até ocupar o cargo na SJCDH.
“Ao usar um vestido, soltar o cabelo, montar uma maquiagem e sair na rua, estamos preparadas para a vida e para a morte”, revelou a ativista da comunidade LGBTT. Segundo Paulette, em 2004, no auge da homofobia uma de suas amigas foi morta ao sair de uma boate frequentada por pessoas da LGBTs. “A ideia predominante era de que se devia ‘matar um viado por dia’ naquela época”, revela.
A transexual disse ainda que embora nunca tenha sido vítima de agressões físicas, sentiu na pele o peso da homofobia, por meio da violência psicológica. “Não escolhemos ser transexual. Aliás, isso não é um tipo de opção, como quem escolhe o sabor de um chá, a preferência por um doce a outro, por exemplo. O que esperamos é apenas o direito de cada um de ser o que é”, pontuou.
DIREITOS LGBTT
Bethânia Ferreira explicou que os problemas enfrentados pela comunidade LGBTT são diversos e que a Defensoria Pública entendeu que não apenas um procedimento jurídico daria conta das necessidades do grupo. Por isso cada caso que chega à Instituição é visto de forma individualizada e particular.
Ela aproveitou a oportunidade para apresentar aos defensores públicos o trabalho que vem sendo desenvolvido pela Defensoria Pública conforme as demandas LGBTT- a garantia aos travestis, transexuais e transgêneros de identificação com o nome social nos sistemas de informação da instituição, bem como a adoção de enunciados ligados ao tema e aprovados na Semana da Defensoria Pública. Bethânia Ferreira falou também do convênio a ser firmado entre DPE, MP e SSP, que deverá garantir que denúncias de violência contra esse grupo sejam encaminhadas em até 24h às instituições mencionadas, como acontece nos casos de flagrantes.
O trabalho em parceria com a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado – SEAP, para a implantação da Resolução conjunta nº 01/2014 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e do Conselho Criminal de Combate à Discriminação, que prevê parâmetros de acolhimento de LGBTs em privação de liberdade no Brasil também foi destacado. A partir de um acordo firmado entre as instituições, inicialmente, duas unidades prisionais – a Cadeia Pública, no Complexo da Mata Escura, e o Presídio de Feira de Santana, no interior, servirão como piloto para a adequação à Resolução do CNPCP. Estados como Paraíba, Pará, Rio Grande do Sul e Minas Gerais já implantaram a Resolução.
Um dos debatedores do dia, o defensor público Felipe Noya reconheceu avanços no que diz respeito à promoção dos direitos LGBTs, mas chamou atenção para situações de claro preconceito e discriminação ao grupo, como as recentes declarações do candidato a presidência Levi Fidelix. O candidato disse durante um debate que o crescimento dos casamentos gays pode reduzir o tamanho da população brasileira e sugeriu que homossexuais precisam de “ajuda psicológica”.
Segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, foram registrados 428 casos de violência contra a população LBGT, embora autoridades confirmem ser maiores os números, em virtude da subnotificação.
ATUAÇÃO POLICIAL
Convidado para falar sobre a atuação policial em situações de conflitos, o defensor público Carlos Weis explicou inicialmente como funciona o núcleo de direitos humanos da Defensoria Pública de São Paulo. Diferente da Defensoria baiana, os coordenadores são eleitos e não nomeados, possuindo mandato de dois anos. Segundo ele, a medida é fundamental para garantir a independência dos defensores públicos em entrar com proposições na Justiça contra a atuação policial sem a necessidade da chancela do defensor público geral, por exemplo.
Carlos Weis explicou que os casos de violência policial no estado, muitas vezes, são registrados diretamente na Defensoria paulista, sem sequer passar pela Ouvidoria da Polícia. Isso por que, segundo ele, as pessoas sentem-se intimidadas com o ambiente hostil da unidade policial. ” O comportamento da Polícia sempre foi muito violento no Brasil. Essas práticas são anteriores à ditadura militar e foram sendo introduzidas na corporação nesse período da história brasileira”, afirmou.
Para ele, as práticas de violência e tortura contra a população só reproduzem a forma como os próprios policiais convivem internamente nos seus batalhões. Um padrão de comportamento baseado numa disciplina rígida, onde aqueles que estão no topo da hierarquia agem de forma autoritária e vexatória sobre os demais. “A violência da Polícia faz parte da cultura interna, a exemplo de batalhões conhecidos nacionalmente pela maneira como conduzem suas abordagens, como a ROTA, em São Paulo, ou o BOPE, no Rio”, sentenciou.
Segundo Weis, as estimativas apontam que cinco pessoas são assassinadas por dia, vítimas da violência policial. “Atualmente atuamos em mais de 300 casos ligados à violência policial. Casos, na maioria das vezes, mal apurados pelas respectivas Corregedorias”. O defensor afirmou ainda que, em alguns destes processos, a Defensoria paulista chegou a atuar como assistente de acusação.
Na Bahia, o caso Geovane ficou conhecido como mais um exemplo da violência policial. Em agosto desse ano, depois de uma abordagem policial no bairro da Calçada, o corpo de Geovane Mascarenhas de Santana foi encontrado decapitado. O pai dele, Jurandy Silva de Santana, procurou a ajuda da Defensoria para garantir que fosse feito o exame genético para comprovação do DNA do filho no corpo encontrado.
SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS
O defensor público Antônio Maffezoli, também de São Paulo, explicou como funcionam a Corte e a Comissão dentro do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. De acordo com Mafezzoli, os Estados das Américas, no âmbito da OEA adotaram uma série de instrumentos internacionais que se converteram na base de um sistema regional de promoção e proteção dos direitos humanos, conhecido como o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Tal sistema reconhece e define os direitos previstos nestes instrumentos e estabelece obrigações para a sua promoção e proteção. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos são dois órgãos destinados a garantir a observância desses direitos.
Signatário do conhecido Pacto de São José da Costa Rica, o Brasil é um dos países comprometidos a garantir a observância de um extenso rol de liberdades e direitos, entre os quais o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica; direito à vida; direito à integridade pessoal; proibição da escravidão e da servidão; direito à liberdade pessoa, entre outros.
Mafezzoli explicou que existe um convênio para atuação dos defensores públicos Interamericanos em determinadas causas em tramitação na CIDH, cujas vítimas não possuam patrocínio de advogado. No caso da Corte, desde 2009, a Associação Interamericana de Defensorias Públicas – AIDEF também mantém convênio com a Corte Interamericana de Direitos Humanos e, desde o ano passado, os defensores públicos Interamericanos – um grupo de 20 defensores de todo o continente, incluindo o próprio Mafezzoli, passou a atuar.
Durante o encontro, o defensor chamou a atenção para o fato de que a Defensoria Pública como Instituição essencial do sistema de Justiça deve utilizar, tanto interna quanto externamente, dos instrumentos e órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Atualmente a CIDH recebe denúncias, as filtra, envia equipes ao Estado onde a suposta violação aconteceu, verifica se o país em questão é signatário do Tratado da Corte Interamericana e, após criteriosa apuração, emite informe de admissibilidade da denúncia, fazendo recomendações ao Estado.
Debatedora da mesa, a defensora pública Fabiana Miranda endossou a necessidade de trabalho dos defensores públicos interamericanos com os movimentos sociais, de fortalecer as defensorias públicas do país, e de dar visibilidade às violações identificadas pelos defensores estaduais.
Ao final do encontro, Bethânia Ferreira apresentou a proposta de criação de um conjunto de protocolos que deverão nortear a atuação dos defensores públicos na garantia de direitos às pessoas em situação de rua; comunidade LGBT; enfrentamento ao racismo/intolerância religiosa; violência policial e tortura, pessoa com deficiência; direito à moradia; saúde mental, álcool e outras drogas. Os protocolos deverão ser apresentados à comunidade defensorial no final de novembro. A proposta foi acolhida por unanimidade pelos presentes.