COMUNICAÇÃO
A ameaça do Natal: prometer o reino aos pobres (2022)
Adaptação do texto de autoria do defensor-geral da Bahia, publicado no Correio, em 2021, e narrado no Especial de Natal do Levante 129, em 2022
Mais uma vez estamos no período do ano em que todos os brasileiros, de qualquer religião ou de nenhuma delas, unem-se na vontade de realizar atos de bondade. Independente da fé e apesar dos que a distorcem, a mensagem do principal aniversariante de dezembro é de proteção aos oprimidos.
O tema da festa, portanto, devia ser respeito, autonomia, liberdade, prioridade aos mais vulneráveis e o empoderamento deles. Chamo a atenção de todos esses aspectos para evitar que um apelo tão forte quanto o sentimento que vem à tona em dezembro se resuma a simplesmente uma caridade casual.
O principal aniversariante foi alguém que enfrentou os fariseus, foi acusado, preso, julgado e condenado à pena máxima injustamente, sem ter como recorrer a ninguém. Certamente foi chamado de bandido e marginal.
Muitos dos que se consideravam “cidadãos de bem” exigiram punição exemplar para ele. Ninguém enfrentaria os fariseus e tamanha repressão apenas por desejar que as pessoas fizessem uma ou outra doação no fim do ano. Os poderosos não se indignariam tanto só por alguém defender que os ricos dessem esmolas de vez em quando.
Claro, as esmolas são inofensivas. Mas o que indigna os poderosos é o oprimido ter voz para dizer “não aceito”, “não me contento”. O que indigna é que ele se mexa para combater opressões tão enraizadas que se transformam em tradições. E que são vistas como direitos pelos que oprimem.
O que indigna os poderosos é a cidadania, é o combate à desigualdade, é a transformação social. Curioso que a generosidade só incomoda quando possibilita libertação. Aí incomoda muito. Era assim no ano 1. É assim em 2022.
Sabe qual a verdadeira ameaça do Natal para os poderosos? O medo da promessa de que o reino será dos pobres. “Quem ele pensa que é? Quem esse pobre pensa que é para ir na justiça exigir saúde, educação ou alimentos? Quem essa mulher pensa que é para não aceitar obedecer ao marido? Quem esse negro pensa que é para querer estar nas universidades, ter sua religião e ter orgulho da sua cor? Quem esse homossexual pensa que é para querer amar e ter família?”. O amor ameaça…
Agora… Alguém imagina Jesus falando em “porrada nos vagabundos”? Defendendo tortura, sendo que ele foi cruelmente torturado? Alguém imagina Jesus, tão preocupado com o próximo, tripudiando de doentes? Defendendo que os pobres tenham serviços de qualidade inferior, porque são pobres? Alguém imagina Jesus atacando terreiros de candomblé? Alguém imagina Jesus indiferente à fome?
Ninguém morreu para que somente fôssemos rezar. O Cristianismo diz que Jesus foi crucificado para salvar. Mas a sua história e os valores que passou mostram que isso não vale somente para a espiritualidade, para quem acredita. A sua morte também significa a luta para que os oprimidos tivessem seus direitos respeitados como direitos deles e não como favores ou benevolências dos outros.
O verdadeiro espírito natalino está no combate à desigualdade e aos preconceitos, está na luta pelo amor, pela tolerância, pelo respeito. Então, é Natal… E o que você fez para transformar essa vontade de realizar atos de bondade em algo concreto e permanente?