“No início ele me chamava de você ou de Fátima. Um dia estava na cozinha fazendo o almoço aí ele gritou ‘mamãe’ e até hoje eu não sei descrever exatamente o que senti nesse momento. Nunca o obriguei a me chamar de mãe, mas eu sabia que no dia que isso acontecesse era porque ele tinha me aceitado como mãe porque eu já o tinha como filho.” O emocionado depoimento da bióloga Fátima Dias não é único. Tornar-se pai ou mãe é um momento espetacular, mesmo quando não acontece em uma sala de parto. Para milhares de pais, a gestação pode se estender por muito mais do que nove meses, às vezes durar anos, e o pré-natal pode contar com o auxílio de defensores públicos e assistentes sociais.

A adoção tardia (acima dos 3 anos), a de irmãos e a de crianças com problemas de saúde ainda é tabu. Foi por isso que Fátima não hesitou em aceitar o convite da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, para junto do seu filho Kaleb que foi adotado por ela com 5 anos, estrelar a edição 2018 da Ação Cidadã Ame e Adote. A campanha foi lançada nesta terça-feira, 8, simultaneamente, na Casa de Acesso à Justiça I em Salvador e na Aldeias Infantis SOS Brasil em Lauro de Freitas.  O objetivo é garantir o direito à convivência familiar para as crianças e adolescentes que estão nos abrigos, orfanatos e casas de acolhimento, cadastrados junto ao Juizado da Infância e Adolescência para adoção. Busca, também, estimular a regulamentação de guarda.

De acordo com a subcoordenadora da Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da DPE/BA, Gisele Aguiar, o trabalho de conscientização realizado pela Defensoria Pública através de palestras e nos veículos de comunicação pode além de esclarecer dúvidas acerca da adoção, contribuir com a quebra de preconceitos e barreiras impostas pela própria sociedade. Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção – CNA, do Conselho Nacional de Justiça, 91% dos adotantes só aceitam crianças até 6 anos e 19,7% dos pretendentes só aceitam crianças que sejam brancas.

“O principal motivo do baixo número de adoções é a falta de informação das pessoas. Algumas pensam que só podem adotar uma criança se possuírem uma condição financeira elevada, o que não é verdade. Depois de um levantamento que eu fiz em Lauro de Freitas, com dados de 2015 até hoje, pude constatar que a demanda é menos de uma adoção por mês. São números baixíssimos e a nossa campanha serve para mudar isso. Uma criança não tem direito nem mesmo à escola se ela não possuir um representante legal, então é necessário que as pessoas se informem e não desistam do processo de adoção”, pontuou o defensor público Ramon Rondinelly, que atua em Lauro de Freitas.

PRECONCEITO

A bióloga diz ter sentido o peso do preconceito após a adoção de Kaleb. Ela conta que chegou a ser chamada de louca por adotar uma criança com idade avançada e percebe o estranhamento quando diz que o garoto é seu filho do coração. “Disseram que ele viria cheio de vícios e que eu não iria colocá-lo do meu jeito. As pessoas estão muito presas ao sangue, mas o sangue não define uma família. Quantos amigos a gente tem muito mais afinidade, mais amor do que um parente. Então, as pessoas tem que começar a desmitificar essa história de sangue. O que vale é a interação entre os indivíduos e o amor”, acrescentou ela.

VENCENDO O MEDO

De acordo com Fátima, sua principal preocupação era que a criança não a aceitasse, mas como ela mesma preferiu definir o universo conspirou a favor e a sintonia entre os dois aconteceu naturalmente. “Quando a mulher engravida, nove meses depois ela sabe que terá o filho nos seus braços e na adoção não é assim. É um processo longo, que envolve muito sentimento. Eu persisti e depois de três anos Kaleb veio para minha vida”. Embora longo, segundo Fátima o final do processo é recompensador não importando critérios como idade, sexo ou raça.

O AMOR SEMPRE PREVALECE

Completamente apaixonada pelo filho, Fátima Dias dá o recado para quem pensa em adotar uma criança ou ainda tem alguma desconfiança em relação ao assunto: “Não desista, insista no seu sonho porque vale a pena. Desejo que as pessoas abram seu coração para uma criança maior. Não tenham medo! Criança é criança. Não importa se biológica ou adotada. Tem tanta criança querendo amor, carinho e atenção”.

“Eu não tenho certeza se posso ter filhos, tive endometriose e estou há um ano e meio casada tentando engravidar e ainda não consegui. Estava habilitada para a adoção e há dois anos estava na fila esperando a minha vez, até que chegou a Bia [fala se referindo a pequena Beatriz, sorridente em seu colo, adotada há pouco mais de três meses], aí eu suspendi as tentativas para engravidar me dedicando somente a ela. Neste momento, eu e meu marido nos sentimos completos e posso dizer, não há diferença em amar um filho biológico ou um adotado, o amor verdadeiro é natural, universal”, declara Adriana, de 42 anos, que participou do lançamento em Lauro de Freitas.

Participaram do evento em Salvador o presidente da Associação dos Defensores Públicos da Bahia (Adep-BA), João Gavazza; o subcoordenador da Especializada Cível e de Fazenda Pública, Gil Braga; as defensoras públicas Ana Virgínia Rocha e Sandra Risério e da servidora Zenilda Natividade representando a Ouvidoria Cidadã.