COMUNICAÇÃO
Após audiência pública, DPE é convidada a participar de grupo para discutir substituição de Portaria
A Defensoria Pública do Estado da Bahia DPE/BA foi convidada a participar de reunião com o GT – Identidade de Gênero e Cidadania LGBTI da Defensoria Pública da União – DPU que vai discutir e elaborar proposta de substituição de nova edição da Portaria do Ministério da Saúde que trata de doação de sangue. A proposta de substituição da Portaria 2.712/2013, que proíbe a doação por homossexuais, é parte da resolução aprovada durante a audiência pública Igualdade na Veia: Doação de Sangue por Homossexuais, realizada no último dia 9, em São Paulo, pela DPU, com o apoio da DPE, e participação da sociedade civil organizada, parlamentares e dirigentes do ministério. A DPE também deverá participar de audiência pública a ser promovida pela deputada federal Érica Kokay (PT-DF) para tratar sobre o tema.
O objetivo da audiência pública Igualdade na Veia: Doação de Sangue por Homossexuais foi o de abrir um diálogo entre o Ministério da Saúde e a sociedade para discutir a proibição da doação de sangue por homens homossexuais e possíveis mudanças que venham a possibilitar inclusão, igualdade e cidadania na doação de sangue. A iniciativa foi do Grupo de Trabalho Identidade de Gênero e Cidadania LGBTI, instituído pela Defensoria Pública da União para propor e executar medidas de proteção judiciais e extrajudiciais para este grupo social.
O tema começou a ser discutido com o Ministério da Saúde a partir da Recomendação expedida em janeiro desse ano pela Defensoria Pública da Bahia e a DPU, para retirada dos critérios discriminatórios promovidos em Portaria que trata de doação de sangue, que classifica como inaptos para a doação homens que mantiveram relações com outros homens nos 12 meses anteriores à doação. Com isso, procura promover a inclusão, a igualdade e a cidadania para a comunidade LGBT.
De acordo com o defensor público baiano Felipe Noya, que assina a Recomendação, o Ministério da Saúde encaminhou o ofício nº 370/ACEI/GM/MS com resposta lastreada em esclarecimentos prestados pela Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados e ratificados pelo Departamento de Atenção Especializada e Temática, bem como por cópia da Nota Técnica. No documento indicado, o MS, através de seus órgãos, apresenta fundamentos considerados contraditórios pelas instituições recomendantes, uma vez que ao tempo em que advoga a higidez da Portaria, ao garantir "atendimento livre de discriminação por orientação sexual", conforme seu art. 2º, §3º, coloca as relações homoafetivas em mesmo grau de risco, ignorando a especificidade de cada um dos relacionamentos e fundamentando-se em generalizações claramente homofobias, de atividades como a prostituição, que envolve múltiplos parceiros sexuais, e a utilização indiscriminada de drogas ilícitas que, muitas vezes, pode ser considerada patológica.
"Por outro lado, contraditório também se apresenta a negativa da adoção da Recomendação quando a Nota Técnica nº 02/2016/DAGEP/SGEP/MS, de 18/02/2016, afirma expressamente que ‘em momento algum a Portaria MS nº 2.712/2013 exige a identificação da orientação sexual' e que ‘não restringe a doações de sangue baseada em orientação sexual ou devido a relações homoafetivas', defendendo, em síntese que a "restrição temporária se dá devido a atos sexuais que, com base em dados epidemiológicos, apontam para o aumento do risco de infecções sexualmente transmissíveis", pontuou Felipe Noya.
Segundo o defensor público, embora a Nota Técnica não informe quais dados são esses, a Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados baseia-se em estudos antigos, tais quais os realizados em São Paulo em 2006 e 2010, nos Estados Unidos em 2005, e em dados estatísticos da Secretaria de Vigilância em Saúde de 2011, admitindo ser um critério adotado desde 2004, portanto, normatizado há mais de uma década.
Outro resultado da audiência será a apresentação de uma proposta de decreto legislativo para sustar a eficácia da atual Portaria, conforme compromisso assumido durante o ato pela deputada federal Erika Kokay, nos termos da prerrogativa garantida ao Congresso pelo Artigo 49, V, da Constituição Federal.
Debate
Os argumentos da maioria dos participantes que se pronunciaram favoráveis à liberação da doação de sangue por homossexuais giravam em torno da natureza discriminatória do critério estabelecido pela portaria, pois em muitos hemocentros o questionário feito aos potenciais doadores inclui a orientação sexual – e em caso de doador homossexual, ele é imediatamente declarado inapto para a doação, mesmo se pratica sexo seguro dentro de uma relação estável.
O defensor público federal Erik Boson classifica a medida como discriminatória e que ajuda a estigmatizar a população gay, atribuindo a estes o estigma de "grupo de risco", não considerando razoável a existência da previsão, na medida em que alimenta, reproduz e reforça a discriminação já existente na sociedade.
Já para o defensor público estadual Felipe Noya, os fundamentos explicitados pelo Ministério da Saúde são contraditórios e fundados em dados seletivamente discriminatórios.
Fabiano Romanholo, representante do Ministério da Saúde, salientou que a Portaria que regula a doação de sangue em todo o Brasil foi revisada e relançada esse ano, e que todos os critérios visam a segurança do receptor do sangue. Além disso, reforça que as medidas da Portaria não foram criadas com objetivo discriminatório, uma vez que classifica "comportamentos de risco" e não "grupos de risco".
Para Symmy Larrat, da Secretaria de Direitos Humanos, "transformar a prática sexual [de homens que fazem sexo com homens] em comportamento de risco é discriminar a orientação sexual". Ela ainda citou que a janela imunológica (termo utilizado para o tempo em que o vírus do HIV fica indetectável por exames após a infecção) ocorre em todas os indivíduos, independentemente de serem homossexuais ou não, então não é um elemento válido para invalidar a doação de sangue por HSH.
Toni Reis, também participante da mesa, pediu que a medida da Portaria que considera a prática de sexo casual e com desconhecidos seja aplicado como comportamento de risco para indivíduos tanto homossexuais quanto heterossexuais. Fernanda Vilares, representante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, reforçou a ideia, considerando que o "risco de transmissão se deve à falta de proteção, não à orientação sexual".
O médico Gerson Ferreira, do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, por sua vez, argumenta que o critério segue dados estatísticos colhidos pelo Ministério, e que foi constatado que a incidência de contágio pelo HIV pelo grupo HSH (ou seja, homens que mantém relações sexuais com homens) é maior do que a incidência na população em geral, embora refute a terminologia "grupo de risco".
Participaram da audiência as seguintes entidades: Artgay SP, Associação da Parada do Orgulho LGBT (APOGLBT), Conselho Nacional de Combate à Discriminação de LGBT (CNCD/LGBT), Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS-SP, Coordenação de Políticas para LGBT (CGLGBT), Comissão Especial de Diversidade Sexual e Identidade de Gênero da ANADEP, Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), Núcleo especializado de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP), Grupo Dignidade, Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE/SP), Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, Faculdade de Direito da PUC/SP, Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo e Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.
*Com informações da DPU