COMUNICAÇÃO

Ato brutal – Ouvidoria da DPE/BA repudia ato de racismo religioso que colocou fogo na estátua da Mãe Stella de Oxóssi

06/12/2022 18:34 | Por Ascom
Foto: Cid Vaz/TV Bahia (reprodução)

Em nota pública, o órgão da Defensoria considerou o ocorrido uma violência contra as populações afro-brasileiras e sua cultura

A Ouvidoria Cidadã da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA emitiu uma nota pública em repúdio ao incêndio da estátua Mãe Stella de Oxóssi, em Salvador, que ficava na entrada da avenida que leva o mesmo nome do monumento, e que liga a Paralela ao bairro Stella Maris. A prefeitura de Salvador informou que a escultura foi removida para reparos.

Assinada nesta segunda-feira (05), a nota considera o ato não apenas uma depreciação do patrimônio público, mas também racismo religioso: um ato brutal de violência contra as populações afro-brasileiras, sua cultura e africanidades; além de desrespeito às diversidades étnicas e raciais.

A obra de arte foi incendiada na madrugada do domingo (04) e é composta por representações do orixá Oxóssi e de Mãe Stella, uma das principais ialorixás do país, que faleceu em 2018.

Confira a nota abaixo na íntegra:

 

“Se não registra, o vento leva”.

Cumprindo o pensamento da Ialorixá Mãe Stella de Oxóssi, a Ouvidoria Cidadã, da Defensoria Pública do Estado da Bahia, vem a público registrar o repúdio ao ato de racismo religioso e de depreciação do patrimônio público sobre a Estátua em sua homenagem, localizada na Avenida que leva o seu nome.

Constituída em duas esculturas, uma de Mãe Stella, em tamanho real, sentada em um trono, e outra de 6,5 metros de Oxóssi – orixá para o qual foi iniciada no Candomblé, a obra completa tem 8,5 metros de altura. O crime aconteceu na madrugada de domingo, 04 de dezembro, por responsáveis ainda não identificados. Trata-se de uma liderança dos mais tradicionais terreiros de candomblé da Bahia, o Ilê Axé Opô Afonjá, por mais de quatro décadas, até a sua morte, aos 93 anos (2018).

Escritora e líder religiosa dedicou-se a dezenas de livros sobre a religiosidade de matriz africana. Foi membro da Academia de Letras da Bahia, também titulada como doutora honoris causa pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pela Universidade do Estado da Bahia. Mãe Stella cuidou de sua comunidade com relevantes iniciativas educacionais, através da implantação de escola, museu e biblioteca.

Gostaríamos de situar que tantos outros crimes desta natureza vem marcando a Cidade de Salvador e o Estado da Bahia e que esta Ouvidoria, na atenção às demandas coletivas então acolhidas neste órgão, observa o ocorrido no conjunto de situações em que o ódio é imposto ao respeito às diversidades étnico-raciais e religiosas. E que em suas manifestações sobre pessoas, instituições, arte e cultura e meio ambiente o racismo estrutural, como processo histórico e civilizatório, é uma violência sobre as populações afro-brasileiras, sua cultura e africanidades.

Em pleno dia em que a cidade de Salvador celebrou sua fé, que manifestou livremente seus cortejos, seus cultos católicos e afro-brasileiros, para Santa Bárbara e Iansã, a cidade é acometida de tamanha brutalidade. Na certeza de que os órgãos de justiça e a polícia se posicionem e se pronunciem emitimos esta nota pública e nos manifestamos quanto à imprescindibilidade de investigação e punição sobre esse ato brutal.

Posto que não estamos na Idade Média e que Mãe Stella de Oxóssi representa também o livre pensar da mulher negra e de todas as liberdades salientamos que em pleno século XXI, diante da consolidação das nossas leis federais é inadmissível esta manifestação de racismo religioso. E a médio e longo prazo, se a justiça não atuar o que deveremos esperar: que em lugar de esculturas as mulheres e seus saberes ancestrais sejam novamente queimadas na fogueira, como bruxas?

Estabelece o art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal, que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.” E nos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em seu artigo 18º, afirma-se que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.

Salvador, 05 de dezembro de 2022