COMUNICAÇÃO

Audiência pública discute higienização e segurança com população em situação de rua

01/04/2014 16:35 | Por

Com a participação de representantes de diversos órgãos públicos e de movimentos sociais, a Especializada de Proteção aos Direitos Humanos da Defensoria Pública da Bahia realizou, na manhã desta quarta-feira, 26, a audiência pública “População em Situação de Rua: Higienização e Segurança Pública”, no auditório da Escola Superior da Defensoria Pública, no Canela. O encontro teve como principal objetivo ampliar a discussão sobre mecanismos de defesa dos direitos das pessoas nesta condição. Em Salvador, estima-se que esta população ultrapasse os quatro mil indivíduos.

A audiência reuniu representantes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública da Bahia, Associação dos Defensores Públicos (ADEP-BA), Ministério Público, secretarias estaduais e municipais, Polícia Militar, Guarda Municipal, além de parlamentares e representantes do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR). A subcoordenadora da Especializada, Bethânia Ferreira, conduziu o encontro.

A mesa de trabalho foi composta pelas defensoras Bethânia Ferreira e Fabiana Miranda, o defensor Fábio Ricardo Quaresma, da Defensoria Pública da União em São Paulo, o representante da SDH, Carlos Alberto Ricardo Júnior e Maria Lúcia Santos Pereira, coordenado do MNPR.

A Copa do Mundo foi uma das questões abordadas, principalmente depois das experiências vivenciadas pela população de rua da capital, durante a realização da Copa das Confederações no ano passado. Em Salvador, muitas pessoas em situação de rua foram expulsas de seus espaços de sobrevivência e levadas para locais inapropriados, como o prédio abandonado da antiga Clínica Ana Nery, sugerindo uma política de higienização por parte das autoridades.

“Não queremos que essa história se repita. Por isso convidamos a Guarda Municipal como a Polícia Militar para tentarmos sensibilizá-las numa nova política de tratamento dessa questão. A construção de um trabalho integrado para garantir a defesa dos direitos dessas pessoas é um desafio para a Defensoria e para os órgãos públicos ligados a esta área de atuação”, informa a defensora Fabiana Miranda, coordenadora da Equipe Multidisciplinar de Atendimento à População em Situação de Rua da Defensoria Pública.

Para tanto, o representante da SDH fez uma longa explanação sobre a Política Nacional voltada para a população em situação de rua e destacou as formas de atuação que foram definidas durante o período da Copa. Segundo ele, embora reconheça a falta de uma estrutura compatível com as demandas, será disponibilizada uma série de serviços para esta população nas 12 cidades que sediaram os eventos esportivos.

“Teremos uma rede de acolhimento, a oferta de serviços, a promoção dos direitos humanos dessa população e um mapeamento dos locais de atendimento. Entendemos que esta é uma festa para todos os brasileiros”, disse Carlos Alberto.

A coordenadora do MNPR, Maria Lúcia, disse que, na condição de ex-moradora de rua, sentiu na carne os problemas cotidianos enfrentados pelas pessoas que vivem nesta condição. Ela narrou várias histórias de humilhação e de violência praticada por homens da Polícia Militar. “Ninguém escolhe, por livre e espontânea vontade, viver nessa condição de abandono e de violação permanente dos direitos humanos. Nossa sociedade está muito doente porque acha tudo isso muito normal”, afirmou, em tom emocionado.

Para Fabiana Miranda, há uma dificuldade enorme para estancar esta situação. A defensora leu diversos relatos de pessoas que foram agredidas por membros da Guarda Municipal, que tiveram seus pertences destruídos ou recolhidos. Para ela, é necessário buscar soluções e estratégias de enfrentamento aos maus profissionais dessas corporações. Neste sentido, a proposta da criação de um grupo de trabalho, que reúna membros dos diversos órgãos públicos para a definição de uma política de ação conjunta, vem ganhando corpo.

 

Meio cidadão – Convidado pela Especializada, para apresentar as experiências que estão em curso no estado de São Paulo, o defensor da DPU, Fábio Quaresma, chamou a atenção para a formação de um trabalho integrado e conjunto entre as diversas instituições. Para ele, esta é uma condição sine qua non para o alcance dos objetivos que se impõem, isto é, de garanti e defesa dos direitos da população em situação de rua.

A experiência realizada em São Paulo, a partir de 2011, foi a formação de um Grupo de Trabalho (GT) especificamente criado para atuar com este fim, de prestar assistência jurídica para este grupo. A parceria com a Defensoria Pública de São Paulo reforçou a atuação do grupo. Eles mantêm um escritório de atendimento no Lar São Francisco, entidade filantrópica, localizada no centro da cidade.

“A nossa iniciativa deveu-se pelo fato de esta ser a população mais vulnerável em seus direitos. São pessoas que perderam as mínimas referências de existência humana, que não acreditam mais em políticas do Estado, que vivem em completo abandono. Mas, felizmente, de forma gradual, estamos conseguindo mudar um pouco esta situação”, explicou o defensor.

O trabalho desenvolvido pelo GT está focado em algumas ações, como a de buscar a resolução de problemas comuns aos grupos. Dessa forma, ações judicias para a garantia benefícios da previdência, de resgate de FGTS ou PIS, como encaminhamento para tratamento de saúde estão no rol das ações empreendidas pelos defensores paulistas.

A partir do trabalho iniciado pelo GT, houve uma evolução no tratamento das questões relativas à população em situação de rua por parte do judiciário paulista. Hoje, o prazo de um processo de liberação do FGTS, por exemplo, leva no máximo 40 dias. Os magistrados entenderam o quanto essa situação era emergencial e adotaram procedimentos diferenciados para dar respostas mais rápidas, conta Fábio Quaresma.

Encaminhamentos – Depois dos debates, como resultado prático desta audiência, um dos primeiros encaminhamentos adotados foi uma nova reunião, na parte da tarde, com representantes dos órgãos que participaram do encontro. O objetivo seria discutir a formação de um Grupo de Trabalho para tratar, de forma conjunta, dos graves problemas que afetam a vida da população em situação de rua, em Salvador.

Uma primeira inciativa foi tomada pelo representante da Polícia Militar, coronel Gilson Santiago. Ele se colocou à disposição e cobrou a presença de outros atores, inclusive a imprensa, também responsáveis pela definição e implementação de políticas públicas voltadas para esta população. “Devemos ampliar este debate, realizar outras audiências, convocar as instituições que aqui não estão presentes. Manter este diálogo é de grande importância diante de tantas deficiências que temos de enfrentar”, disse.

Outros representantes, de secretarias municipais e estaduais, também se manifestaram positivamente, no sentido de estar à disposição para o desenvolvimento deste trabalho. Parlamentares presente também se mostraram solidários à questão e apresentaram propostas no âmbito do legislativo, como, por exemplo, a contratação dessas pessoas nas empresas terceirizadas que prestam serviços à administração pública.

Para a subcoordenadora Bethânia Ferreira, o objetivo da Defensoria e dos órgãos ali representados é o de traçar políticas e ações efetivas para o atendimento das pessoas em situação de rua. “Esperamos que esta iniciativa possa resultar na definição de novos passos em busca da garantia e da defesa dos direitos da população em situação de rua. É nosso dever, neste momento, trabalhar de forma intensa para a efetivação desses objetivos”, afirmou a defensora.

GT Segurança Pop Rua – Na parte da tarde, ainda na ESDEP, o novo grupo reuniu representantes da Defensoria Pública (Especializada de Direitos Humanos e a de Crime e Execução Penal), Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar, Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Movimento de População de Rua (MPR) e do Centro de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis.

Depois de discutirem diversos aspectos da atual realidade desta população em Salvador, foram definidas algumas ações para esta fase inicial dos trabalhos. A primeira foi uma recomendação aos órgãos de segurança, no sentido de determinarem, com maior rigor, um controle e uma fiscalização sobre a conduta de seus agentes, como também que todos eles atuem com a devida identificação na farda. Será produzido, pelo MPR e pelo Centro, um dossiê sobre os casos de violência institucional contra pessoas em situação de rua. O objetivo principal é ampliar a apuração daqueles fatos e punir os responsáveis.

O passo seguinte será a realização de uma audiência pública, agendada para 14 de maio, na Assembleia Legislativa, momento em que será apresentado o resultado de suas atividades neste período. Nomeado como GT Segurança Pop Rua (Grupo de Trabalho para a Segurança da População em Situação de Rua de Salvador), o grupo realizará reuniões mais frequentes até a realização da Copa, mas prosseguirá o trabalho de forma permanente, buscando a consolidação de ações mais efetivas que possam mudar a atual realidade desta população, em Salvador.

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