COMUNICAÇÃO
Audiência pública em favor de moradores do Tororó propõe formação de grupo de trabalho e reunião com Prefeitura de Salvador
Mediado pela Ouvidoria, a audiência tem objetivo de convocar o poder público e a sociedade para discutir liminar de reintegração de posse que ameaça a permanência dos moradores no local
O direito à moradia dos moradores da rua Monsenhor Rubens Mesquita, localizada na região do Tororó, em Salvador, foi tema da audiência pública realizada pela Ouvidoria Cidadã da Defensoria Pública do Estado da Bahia na última quinta-feira, 25. A audiência destacou como encaminhamentos a realização de reuniões com a Prefeitura da capital baiana, a realização de uma nova audiência pública organizada por parlamentares da Assembleia Legislativa da Bahia, além da formação de um grupo de trabalho composto por moradores, pesquisadores, arquitetos e urbanistas, entre outros.
Mediado pela ouvidora-geral, Sirlene Assis, o evento visou convocar órgãos do poder público municipal e estadual a fim de discutir uma liminar de reintegração de posse obtida pela Prefeitura de Salvador, em segunda instância, no final de 2020, que ameaça a permanência dos moradores no local. A decisão também gera a insegurança em centenas de famílias, uma vez que o projeto de alargamento da Rua Monsenhor Rubens de Mesquita não foi apresentado aos envolvidos, o que impede que se tenha a real dimensão das casas que serão afetadas além das atingidas pela liminar.
“Essa audiência é fruto da procura dos movimentos sociais, associações de moradores, coletivo de pessoas aguerridas que sonham e lutam pelo direito à cidade para todas as pessoas, sem distinções. Essa comunidade está prestes a ser despejada devido à construção de novo shopping. Isso é fruto do racismo estrutural histórico que permeia a nossa sociedade”, contextualizou a ouvidora-geral.
Sirlene Assis também relembrou que a população negra passou por um processo de escravização no Brasil e, após este período, não recebeu indenização do Estado e que este criou políticas de segregação racial e social.
“Essa população que luta pelo direito à moradia tem que reivindicar. O poder público desapropria aquela população, que vive e obtém o seu sustento da região, construindo suas casas com muita luta, por conta de interesses econômicos e da especulação imobiliária em Salvador”, completou.
Representante da Associação dos Moradores da Rua Monsenhor Rubens Mesquita, Roberval Santos Improta externou a sua tristeza e preocupação com o não comparecimento de representantes da prefeitura de Salvador. Também comentou sobre a moradia ser um direito social constitucionalmente previsto, além de ser competência comum dos entes públicos tratar sobre programas de moradias e melhorias de condições habitacionais.
“Se é competência do poder público, por que eles querem tirar a nossa moradia? Nós somos pobres, não temos capital, mas nós nunca invadimos essa área, nunca fizemos ameaças. Aqui não existia nada [quando chegamos], era apenas mato. E eu quero dizer que a Constituição [Federal] fala que nós temos direito à moradia”.
Representando a Articulação do Centro Antigo de Salvador, Ana Caminha também ressaltou a ausência do poder municipal, bem como a necessidade de preservar a moradia das pessoas no local de habitação, especialmente durante a pandemia, e chamou atenção para o risco de despejo que sofrem outras comunidades de Salvador e Região Metropolitana.
“A Articulação do Centro Antigo de Salvador está na campanha Despejo Zero e a gente percebe que, em um momento como esse, da Covid-19, [o despejo] é um desrespeito. A comunidade Marielle Franco, em Simões Filho, recebeu ordem de despejo e estamos nessa luta. A Gamboa também, além do Tororó.”, afirmou.
“O Tororó tem uma grande importância social, não dá para dizer que o shopping seja de interesse social maior do que a permanência da comunidade. A Defensoria e a Ouvidoria, além dos movimentos sociais, precisam estar do nosso lado para dizer que não há como retroceder”, complementou Ana Caminha
Atuante na área do Direito à Cidade, Walter Takemoto destacou a importância do evento para a articulação de negociações efetivas em benefício da população local, ressaltando que a população tem o direito de permanência, uma vez que está alocado há mais de 10 anos na região. Outro ponto destacado foi a relevância do evento como meio de reivindicar ao município a apresentação do projeto do empreendimento comercial a ser construído.
“Que a gente possa reivindicar à prefeitura o que vêm sendo negado, que é o acesso da comunidade ao projeto do empreendimento comercial que a Nova Lapa quer construir. Querem construir um terceiro shopping na localidade, em uma área que proíbe esse tipo de empreendimento. E também [queremos acesso ao] projeto de alargamento da Rua Monsenhor Rubens Mesquita, pois ele significará muito mais do que 37 famílias removidas da localidade”.
Zonas Especiais de Interesse Social
O arquiteto e urbanista Carl Von Hauenschild pontuou que a Rua Monsenhor Rubens Mesquita integra uma região de baixa urbanização classificada pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano como uma Zona Especial de Interesse Social, onde o município deve realizar melhorias e também proteção contra a especulação imobiliária. Uma vez realizados os investimentos e a urbanização necessária, a ZEIS deixaria de existir. No entanto, o urbanista aponta que existem pontos específicos a serem discutidos no caso do Tororó, entre eles, a não existência de pontos de descarga no local.
“A gente precisa questionar a concessão, que engloba a reforma e a operação da Estação da Lapa, e também a permissão de fazer esse shopping, mas não incluir uma rampa de descarga. Na área da ZEIS, há a ilegalidade, pois essas áreas não podem ser desapropriadas. [O município] precisa achar outra alternativa, pois a única alternativa da prefeitura é humanizar o local para que deixe de ser ZEIS”.
Representando o Serviço de Apoio Jurídico da Universidade Federal da Bahia, Júlia Molina também comentou sobre as Zonas Especiais de Interesse Social e a judicialização do caso, uma vez que a liminar de reintegração de posse foi concedida em favor da prefeitura de Salvador, contra os moradores locais, ao final de 2020.
“O município desrespeita às ZEIS e, por consequência, desrespeita o próprio PDDU e o Estatuto da Cidade. É uma área que a prefeitura concede e não foi desafetada. Então, como isso acontece? Há famílias que residem no local há mais de uma década, centenas de moradores, então essa audiência pública tem uma grande importância por reunir muitos grupos e chamar atenção para esse processo que está judicializado”.
Também participaram do debate a defensora pública Maria Auxiliadora Teixeira e o defensor público Pedro Fialho; a advogada Tâmara Rapôso, representantes do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, do Serviço de Apoio Jurídico da UFBA, do Sindicato dos Arquitetos do Estado da Bahia, do Sindicato dos Servidores Federais do Estado da Bahia, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, da Associação dos Docentes da Uneb; do Fórum a Cidade Também é Nossa.