COMUNICAÇÃO

Autoridades e jovens participam de lançamento do projeto da DPE/BA “Acolher na Rua”

23/05/2019 19:39 | Por Lucas Cunha - DRT/BA 2944

Debate sobre políticas públicas marcou evento de início da ação voltada para crianças e adolescentes em situação de rua em Salvador

A manhã desta quinta-feira, 23, marcou a abertura de uma ação importante da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE para seus assistidos. Foi o lançamento do “Acolher na Rua”, projeto que levará a equipe da Defensoria para atividades externas, a fim de identificar ‘in loco’ os contextos de vida, desejos, vulnerabilidades e direitos violados de crianças e adolescentes que estejam em situação de rua em Salvador.

A atividade, que ocorreu no auditório da Escola Superior da Defensoria, no bairro do Canela, contou com a presença do defensor público geral da DPE/BA, Rafson Saraiva Ximenes, da deputada estadual Neusa Cadore (PT) e do vereador de Salvador Marcos Mendes (PSOL), além de representantes da Prefeitura e do Ministério Público, dentre outras autoridades e outros integrantes da DPE/BA, como a atual ouvidora geral, Sirlene Assis, e a anterior, a socióloga Vilma Reis.

Mas, como convidados especiais e centrais, também estiveram presentes no encontro jovens em situação de vulnerabilidade social de diversos bairros de Salvador, que puderam trazer suas realidades e dúvidas para o encontro temático do Grupo de Estudos Acolher, que ocorreu no mesmo horário e local, com o tema “Conversando com adolescentes: políticas públicas”.

No discurso de abertura do encontro, o defensor público geral da DPE/BA, Rafson Ximenes , falou que o encontro ocorrido em um lotado auditório da Esdep proporcionou aos “adultos” uma chance para aprenderem a escutar e pedir ajuda aos mais jovens.

“Temos a responsabilidade de entregar um mundo melhor para vocês. O Acolher agora vai crescer, vai chegar nas ruas, é algo que começa a ser feito agora no presente, mas que se volta para o futuro. Os olhos dele é que daqui a 10, 15, 20 anos, ou quanto tempo for necessário para que a gente chegue em um ponto que as situações de abandono tenham acabado. Mas enquanto não acabar, o nosso dever é ouvir vocês e prepará-los”, declarou o defensor-geral aos jovens presentes na atividade.

‘Acolher Na Rua’ a partir de junho

O início das ações do Acolher na Rua está previsto para ocorrer já a partir do próximo mês de junho. O projeto terá como ponto de partida das suas atividades a pesquisa encomendada pela DPE/BA e feita em parceria com o Projeto Axé, o Movimento Nacional População de Rua e União dos Baleiros, além da Universidade Federal da Bahia, na qual foi feito um diagnóstico quantitativo e qualitativo das situações de vulnerabilidade que atingem cerca de 14 mil pessoas em situação de rua na capital baiana, entre elas crianças e adolescentes.

De acordo com a defensora pública Ana Virgínia Rocha, que é idealizadora do Projeto Acolher e que atua na especializada em Curadoria Especial da DPE/BA, a pesquisa apontou que o “Centro Antigo” de Salvador – locais como o bairro da Piedade, a Praça da Sé e o Pelourinho – é uma das áreas com maior índice de jovens e adolescente em situações de rua. Será nestes locais que o Acolher na Rua iniciará suas ações.

“Com nossa equipe, formada com psicólogo, assistente social e analista jurídico, primeiro vamos nos aproximar para construir a confiança destes jovens e adolescentes. Vamos fazer não só o atendimento individual das demandas deles, mas também criar estratégias para uma melhoria coletiva desse grupo. Assim, teremos mais respaldo para trabalhar, junto com a Prefeitura e o Governo do Estado, no fomento de políticas públicas para que os direitos deles sejam respeitados e que o estatuto da Criança e do Adolescente seja cumprido para nosso público assistido”, afirmou Ana Virgínia.

Também presente ao evento, o defensor público Pedro Fialho, titular da unidade especializada dos Direitos da Criança e do Adolescente, chamou a atenção que a situação específica de rua que envolve crianças e adolescentes normalmente é desencadeada por pais que estão completamente desamparados.

“Essa situação de desamparo dos pais muitas vezes se torna também a situação dos filhos. E quão mais jovens as pessoas estão envolvidas neste processo, ficam situações estruturais que dificultam muito o crescimento e o desenvolvimento. Nós já temos uma atenção para a situação de rua na Defensoria, mas agora esse projeto específico para a criança e o adolescente é de fundamental importância”, analisou Fialho.

Já o também titular dos Direitos da Criança e do Adolescente da DPE/BA, Bruno Moura, alerta que para muitos desses jovens, a situação de rua acaba sendo, por diversos motivos, um ambiente de maior liberdade.

“Por isso, a Defensoria tem a necessidade de uma postura mais proativa para buscar os porquês dessa situação. Assim, a atuação do Acolher, saindo dos espaços dos gabinetes e indo para rua, é um avanço significativo na busca das respostas para que se cuide e resguarde o direito dessas crianças”, comentou Bruno Moura.

Integrantes do Legislativo respondem aos jovens

O lançamento do Acolher na Rua também proporcionou uma chance única de conversa entre dois representantes do legislativo baiano (o vereador de Salvador Marcos Mendes e a deputada estadual Neusa Cadore) com jovens em situação de vulnerabilidade social.

O debate teve o intuito de apresentar um pouco do que é o trabalho político feito por vereadores e deputados, além de também abordar como a política acaba presente em todas as partes da sociedade.

“Esse poder transformador pode acontecer em qualquer lugar. Nasci no bairro da Liberdade, à época o bairro mais populoso e negro de Salvador. Sou filho de mãe solteira, porque minha mãe foi abandonada por meu pai.  Apesar das dificuldades que tivemos, ela sempre entendeu que o processo educacional transforma vidas. Mesmo estudando sempre em escolas públicas, consegui chegar onde estou”, declarou o vereador, que é presidente da comissão da Criança e do Adolescente na Câmara Municipal.

A deputada estadual Neusa Cadore, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa da Bahia, também contou um pouco sobre sua trajetória de vida e pessoal, que lhe fez deixar Santa Catarina para fazer um trabalho missionário na cidade de Pintadas, no interior baiano, em 1984, para desde então viver na Bahia.

“Em Pintadas, conheci uma menininha chamada Cíntia, que tinha apenas 33 dias de vida. A mãe e o pai dela eram deficientes mentais e não tinham condições de criar a criança. Hoje, ela tem 26 anos e é minha filha. Então me emociona muito estar em local junto com pessoas que se preocupam com o acolhimento e o direito à vida, tudo que o ser humano tem direito”, disse a deputada.

Apesar de um início um tanto acanhado, logo os jovens se soltaram e fizeram questionamentos importantes aos convidados e trouxeram um pouco de sua realidade. O jovem Caio*, de 17 anos, questionou o motivo de não existir nenhuma política pública para acolher a população jovem LGBT. De forma mais direta, Cleber*, de 18 anos, que no momento cumpre medida socioeducativa, questionou por que falta educação na favela.

Às vezes, algumas perguntas dos jovens se tornam um momento de aprendizado. Foi o caso da fala de Sara*, 14 anos, que trouxe um exemplo de mães que acabam usando filhos para pedir dinheiro nas ruas de Salvador. Questionada pela defensora pública Ana Virgínia se teria alguma solução para o assunto, Sara disse: “Deveríamos ter um projeto voltado para essas mães e crianças, porque elas não têm recursos para sair dessa situação. E não penalizar elas. Para elas, é melhor pedir do que roubar”, afirmou Sara*.

Também arrancou aplausos a jovem Denise*, 14, que discursou sobre a violência física e psicológica que as mulheres sofrem pela falta de independência financeira. “Muitas vezes, as mulheres não denunciam os homens porque têm filhos e não querem atrapalhar a família. Também há muito preconceito e racismo com elas”, falou Denise*.

*Nomes alterados para preservar as identidades dos jovens citados.