COMUNICAÇÃO
Cabrália – Defensoria finaliza itinerância no Extremo Sul da Bahia com 243 atendimentos aos povos indígenas
Escola Pataxó Coroa Vermelha recebeu o Grupo de Trabalho de Igualdade Étnica e levou cidadania aos povos indígenas da região.
Fechando a itinerância pelo Extremo Sul, a última parada do Grupo de Trabalho de Igualdade Étnica da Defensoria Pública da Bahia foi na Escola Pataxó Coroa Vermelha, em Santa Cruz de Cabrália, na quinta-feira, 20. Além da Defensoria Pública da União (DPU), da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen/BA) e da Receita Federal, contamos com a parceria do SAC Móvel para retirada de 1ª e 2ª via do RG. Para reforçar ainda mais nosso atendimento, também tivemos a presença do Cartório de Registro Civil de Porto Seguro e Santa Cruz de Cabrália (para a retirada de certidões) e da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) com ações de combate ao racismo.
No total, foram 243 atendimentos realizados nas três localidades: Cumurixatiba, Aldeia Pé do Monte e Coroa Vermelha. Nesta última, Silvana Nunes dos Santos, moradora da Aldeia Nova Coroa, voi até a nossa Unidade Móvel de Atendimento (UMA) para retirar a segunda via da certidão de nascimento do seu filho William. “Esse tipo de serviço é muito importante para nós. Eu queria agradecer porque me ajudou muito. Veio no momento certo para nós!”, afirmou Silvana. Já Jonas Bernardo da Costa chegou com a família para realizar o exame de DNA. O adolescente de 16 anos veio com a avó, o avô e a tia para comprovar o seu vínculo familiar com o pai, que faleceu após o seu nascimento.
“Eu só quero ter o nome do meu pai. Estou super feliz que agora isso vai ser possível, fiquei 16 anos esperando por isso”, disse Jonas. Sua avó, Maria da Penha Nicássio Senhorio, comentou a alegria de ter registrado o nome do filho nos documentos de seu neto. “Eu soube que a Defensoria Pública estava aqui e eu precisava muito organizar o documento do meu neto e realizar sonho dele ter o nosso nome também. O meu filho partiu, mas deixou um pedacinho dele com a gente. Eu já acompanho ele desde pequeninho, ele sempre foi meu neto e agora tem o nosso nome”, disse Maria, emocionada.
Cesariana
“Em 2000 eu precisei fazer uma cesariana, mas na hora que enviou a documentação para o INSS eles não aceitaram porque meu nome é masculino”. Esse foi um dos constrangimentos vividos ao longo de 50 anos pela professora Érica Cristina Santana Carneiro, indígena moradora da Aldeia Coroa Vermelha, que em seus documentos está como Eric Christian por um erro de cartório em que foi registrada. Ela teve que provar que era mulher e estava realizando a cesariana. Precisou recolher toda a sua documentação e enviar ao INSS para mostrar que o procedimento era necessário para a criança nascer.
A assistida relata que esse não foi o primeiro problema enfrentado por ela, pois em todos os lugares as pessoas olham apenas o RG pelo nome e nunca pela foto, causando grande constrangimento pelo erro de registro. “No início de 2020, eu perdi a inscrição da Universidade justamente por divergência de sexo, porque a Receita Federal tinha colocado sexo masculino e quando eu fazia o cadastro como sexo feminino tinha divergência. Eu só pude fazer a inscrição após ir na Receita Federal pedir a retificação do sexo. Eles mudaram aí eu consegui cursar e hoje sou mestra em Educação étnico-racial”.
Por enfrentar tantos constrangimentos, Érica precisava de ajuda e foi até a UMA para resolver a questão do registro. “Eu só quero mesmo acrescentar uma a letra A para quando forem ler o meu nome seja Érica e não Eric. São 50 anos que eu fui Erick”. A professora aproveitou para também registrar o seu nome indígena. “Eu sou Pataxó, com muito prazer em ser indígena, em ser uma mulher indígena e morar em uma comunidade indígena. Meu nome também é Juriti Pataxó, que é o nome de um pássaro, eu quero colocar a minha identificação de origem que é um orgulho!”. A defensora Cristina Ulm, salientou que neste caso, o nome indígena só é possível ser adicionado aos documentos com ação judicial.
João Guilherme Machado Rosa, representante do Cartório de Santa Cruz de Cabrália e de Porto Seguro, se juntou aos atendimentos a convite da Defensoria. “Fizemos as certidões para possibilitar que a população possa ter acesso aos seus documentos de forma mais breve e que possam também dar encaminhamento ao RG. Essas ações conjuntas são importantes para garantir a cidadania para que possam exercer os seus direitos”, afirmou João Rosa. Acompanhado pela Ouvidoria Cidadã e pela Unidade Móvel de Atendimento, o GT mobilizou a população indígena da região para acessar cidadania e direitos. Foram 243 atendimentos realizados nas três localidades: Cumurixatiba, Aldeia Pé do Monte e Coroa Vermelha.
Parceria com o SAC
A defensora Cristina Ulm, coordenadora da Unidade Móvel, articulou junto ao SAC Móvel a retirada gratuita de 250 carteiras de identidade. Foi a coordenação também quem articulou a presença da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen/BA) e do Cartório de Santa Cruz de Cabrália e de Porto Seguro para assegurar o acesso a documentação das comunidades indígenas.
Educação Indígena
Na nossa última parada, quem nos recebeu foi a Escola Pataxó Coroa Vermelha. Neste complexo estão sediados os ensinos fundamental e médio. A professora do ensino médio Arissana Brás Bonfim de Souza fala sobre as condições de ensino e da valorização dos profissionais da educação indígena. “Então, a gente hoje tem dois pontos de reivindicação crucial: a primeira equiparação salarial, porque um professor indígena licenciado recebe um valor de R$1500 por 20 horas e sem direito a gratificações, pois a nossa carreira diz que o nosso salário é subsídio, não é vencimento como os professores não-indígenas. Essa disparidade salarial acontece em relação aos nossos profissionais indígenas, afinal independente de ser subsídio ou não a gente pode receber um valor também igual aos não-indígenas”, diz a professora.
O segundo ponto levantado pela educadora foi a lei 12.046, criada em 2011 para regulamentar a profissão, indicando que os(as) profissionais das escolas indígenas estabeleçam um plano de carreira, com exigências de formação para o exercício da profissão. “A gente percebeu que essa lei de alguma forma nos coloca em algumas situações de racismo. A nossa lei foi construída de uma forma em que se exige para o avanço de classe formações específicas que nenhum estado oferece ou em poucos estados do Brasil. O magistério indígena foi oferecido para todas as pessoas que passaram no concurso, mas não teve mais turmas. Depois é exigido para avançar para classe B a licenciatura intercultural indígena, que o estado ofereceu e os(as) estudantes ficaram 10 anos para se formar e até hoje não receberam o diploma”.
Arissana ainda ressalta que para continuar avançando é necessário frequentar o curso de especialização em Educação Escolar Indígena, que é oferecido apenas por duas faculdades particulares. E para seguir na carreira é necessário realizar mestrado e doutorado em Educação Escolar Indígena, pós graduações que não são oferecidas no estado da Bahia. “A gente vem tentando diálogo desde 2014 e não conseguimos amparo do estado”, diz a professora.
A defensora pública Aléssia Tuxá atendeu o grupo de professores(as) e orientou a demanda. “Nós recebemos algumas demandas individuais envolvendo professores(as) indígenas que desejam acionar o Estado por condição profissional, como a licença para fins de pós-graduação que foi negada”. A defensora também atendeu causas coletivas como questões que dizem respeito à carreira e a qualidade dos espaços de ensino. “Vamos requisitar informações sobre a tramitação dos projetos de lei tanto da classe quanto sobre a construção, edificação e reforma das escolas das regiões mencionadas. A partir disso, vamos estar monitorando e fazendo encaminhamentos para a garantia de um ensino indígena de qualidade e que respeite os(as) profissionais de educação indígena”.
Visitas Institucionais
A nossa Unidade Móvel também recebeu visitas institucionais na sua passagem pelo município. Chegaram para conhecer os nossos atendimentos o Cacique Aruã, coordenador regional da FUNAI, e o secretário de assuntos indígenas de Santa Cruz de Cabrália, Juari Pataxó.