COMUNICAÇÃO
Campanha da Ação Cidadã Sou Pai Responsável é encerrada em Salvador com busca por reconhecimento socioafetivo de crianças
Tema deste ano chamou atenção da sociedade sobre importância do vínculo jurídico independente dos laços sanguíneos
Cauan Vítor, 12 anos, ainda estava aprendendo a usar lápis e caneta quando escreveu pela primeira vez. No papel, lá estava a letra “R” que dá nome a Ronaldo, aquele que o criou como filho e o levou para dar início aos trâmites de reconhecimento de paternidade socioafetiva. Na última quinta-feira, 1º de setembro, ambos se juntaram à mãe e esposa, Josélia dos Santos, para ir à Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim, no bairro da Calçada, em Salvador, participar do encerramento da campanha de intensificação da Ação Cidadã Sou Pai Responsável, da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA.
Além do reconhecimento de paternidade socioafetiva, Cauan solicitou também mudar seu nome e excluir do registro inicial o nome do genitor. “Soube que eu viria para cá hoje e fiquei ansioso, acordei cedo. Para mim, muita coisa vai mudar. O que eu sinto mesmo é que eu agradeço a Deus porque eu tenho uma pessoa, um pai, que me ama muito e eu também amo muito, muito ele”, disse o adolescente.
Com uma voz tranquila e serena, Ronaldo dos Santos, 45 anos, deixou a emoção falar mais alto ao relembrar dos primeiros momentos vivenciados junto ao seu filho, Cauan Vítor, e a sua esposa, Josélia dos Santos, 35 anos. O pai socioafetivo destacou que é muito importante o vínculo que foi criado entre ambos, com muito respeito e amor na família.
“Eu já tinha uma afeição por Cauan desde o início, me chamava de pai para lá e para cá, e nós tínhamos acabado de nos conhecer. Ele diz que eu sou o seu pai, não quer que ninguém diga o contrário, e eu sou mesmo [o seu pai]. Eu também já queria fazer esse reconhecimento. Até mesmo em eventos no trabalho, quando dizem que podemos levar nossos filhos, eu levo o Cauan e apresento a todos como meu filho”, disse na ocasião.
O vínculo que estava sendo criado entre pai e filho era muito perceptível não apenas dentro do núcleo familiar. A mãe de Ronaldo notou o desejo de Cauan, a relação que se formava, e aconselhou o filho.
“Eu me sinto muito feliz, pois foi algo que até mesmo a minha mãe, antes de falecer, me orientou. Ela disse ‘não vai ter jeito, você vai ter que procurar algum caminho para que Cauan seja registrado como seu filho’. Até a minha mãe tinha percebido isso antes de falecer”, disse com os olhos marejados e a voz embargada.
Garantir os direitos legais da criança
Também presentes na Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim, José Luís Silva, 48 anos, e Vanusa Santos, 24 anos, levaram o pequeno Laércio Figueiredo Silva, para fazer o reconhecimento socioafetivo da paternidade. A mãe e o pai efetivo explicam que não sabiam que existia a possibilidade de fazer esta modalidade de reconhecimento de paternidade, no entanto, após se informarem sobre o assunto e conhecerem a campanha da Ação Cidadã Sou Pai Responsável, tomaram a decisão.
“Chegou o momento de fazer o registro, não apenas para oficializar o que já está ocorrendo, porque eu sou de fato o seu pai, mas para garantir ao Laércio os direitos legais que ele não tem por não ter o meu nome e sobrenome em sua certidão de nascimento”, afirmou.
José Luís Silva também explicou que observa a dinâmica de diversas famílias atuais em que os pais, mesmo presentes, não dão o suporte necessário para a criação dos filhos. E ponderou que a criação, o amor, o afeto, os ensinamentos devem ocorrer independente da paternidade biológica.
“Tudo o que nós podemos deixar para nossos filhos é nosso legado. A criança não vai querer saber se foi pai socioafetivo ou biológico. O que vai lembrar, lá na frente, é o que eu ensinei. E o pai biológico [do Laércio] perdeu o melhor momento dessa criança: eu vi os primeiros passos, o primeiro dente cair, eu recebi a primeira golfada (risos). E isso ele não vai recuperar nunca. Quando você ama, independentemente do que você tem, você dará o seu melhor, que é o amor”, finalizou.
Por sua vez, Vanusa relata que no início da gravidez não sabia quem era o pai biológico, que realizou o exame de DNA para fazer a descoberta e que sempre sonhou em construir uma família. O pai biológico, no entanto, nunca se interessou pela criança. A mãe relata ainda que conheceu Luís quando estava grávida de sete meses de Laércio.
“Eu me sentia muito culpada por não saber quem era o pai, por querer construir uma família. Então conheci o Luís e ele me acolheu, nunca me julgou como a sociedade havia me julgado. Ele acolheu a mim, ao meu filho, e sempre foi um pai presente. É o que eu sempre quis”, relembrou Vanusa.
Paternidade socioafetiva
Ronaldo dos Santos e José Luís Silva são dois homens que decidiram realizar o reconhecimento de paternidade socioafetiva dos seus filhos, tema deste ano da campanha da Ação Cidadã Sou Pai Responsável, iniciada no mês de agosto. A paternidade socioafetiva é um vínculo jurídico que se estabelece quando pessoas sem laços sanguíneos constroem uma família. Na quinta-feira, 1º de setembro, a coordenadora da Especializada de Família, a defensora pública Paula Nunes, realizou uma avaliação sobre o encerramento da campanha de 2022.
“A paternidade socioafetiva trata-se de um vínculo para toda a vida, que não se desfaz, ainda que o relacionamento com a mãe da criança se encerre. Ao mesmo tempo, é um tipo de vínculo que as pessoas desconhecem, não sabem que é possível acrescentar mais um nome de pai no registro de nascimento”, explicou a defensora pública Paula Nunes, coordenadora da Especializada de Família.
Para a defensora pública, a escolha do tema da campanha deste ano da Ação Cidadã Sou Pai Responsável foi fundamental para que as pessoas conheçam mais sobre o tema.
“A Defensoria Pública inovou com essa escolha e é muito importante que a sociedade se familiarize com a questão. Durante o mês de agosto ocorreu a campanha de intensificação, mas é válido ressaltar que durante todo o ano é possível fazer o reconhecimento de paternidade socioafetiva ou biológica”, afirmou Paula Nunes.
Também podem ser realizados durante todo o ano os exames de DNA para o reconhecimento de paternidade. Em caso de resultado positivo, a Ação Cidadã Sou Pai Responsável solicita a inclusão do nome do pai no registro do cartório, encaminha para solicitações de pensão alimentícia, além de realizar atendimentos e audiências de conciliação para a resolução de problemas familiares.