COMUNICAÇÃO

Carlos Marighella é absolvido no Júri Simulado da Defensoria Pública da Bahia

13/02/2019 18:54 | Por Luciana Costa - DRT 4091/BA (Texto) | Humberto Filho (Fotos)

Com o Teatro Vila Velha lotado, a DPE/BA resgatou a história do militante, político e escritor Carlos Marighella

“Tua luta foi contra a fome e a miséria, sonhavas com a fartura e a alegria, amavas a vida, o ser humano, a liberdade. Aqui estás, plantado em teu chão e frutificarás. Não tiveste tempo para ter medo, venceste o tempo do medo e do desespero”. Com este trecho de Jorge Amado sobre o réu, o defensor público Raul Palmeira convenceu o Conselho de Sentença a absolver Carlos Marighella na 6ª edição do projeto Júri Simulado – Releitura do Direito na História. O evento promovido pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA aconteceu nesta quarta-feira, 13, no Teatro Vila Velha.

Interpretado pelo ator do Bando de Teatro Olodum, Fábio de Santana, Carlos Marighella, considerado o inimigo número um da ditadura militar, foi levado a Júri praticamente 50 anos após ser morto em uma emboscada por agentes do Estado. Tudo isso sob o olhar do público que ocupou todos os espaços do consagrado Teatro Vila Velha. De um lado, a defesa, feita de forma emocionada pelo defensor público Raul Palmeira, do outro a acusação, interpretada com brilhantismo pelo defensor público Henrique Bandeira. Ao coordenador da 5ª Regional da DPE/BA, André Cerqueira Lima, coube o papel de juiz.

“Muito interessante que a cada momento vão acontecendo coisas novas. Aqui mesmo, em 2011, Marighella foi julgado pela Comissão de Anistia e foi anistiado com toda a pompa e circunstância. Porém, esse julgamento de hoje foi muito mais emocionante. Foi algo que me fez refletir e acho que provou para todo mundo aqui como Marighella foi espezinhado. Aquela infâmia toda que se propagou sobre ele foi exposta. Eu, como familiar e militante, acho que serviu muito para aplacar toda essa dor que toda a família sentiu pelo tratamento que ele teve”, disse o filho de Marighella, o advogado Carlos Augusto Marighella.

Em sua fala, o defensor público geral, Clériston Cavalcante de Macêdo, destacou que a Defensoria Pública como agente transformador social tem por obrigação institucional fazer com que determinados assuntos sejam colocados na ordem do dia: “É importante para a Instituição trazer esse tema à baila para que possamos conhecer mais da história, compreendê-la e não cometer na atualidade os equívocos que outrora foram cometidos ”.

O GUERRILHEIRO QUE INCENDIOU O MUNDO

Ao final do julgamento, o público conheceu mais da história de Carlos Marighella com a palestra do jornalista Mário Magalhães, autor do livro Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo. Mário é o responsável por reconstituir a trepidante trajetória do revolucionário.

“A Defensoria não defendeu o Marighella, mas ofereceu um julgamento para ele. Isso tem envergadura histórica. Durante toda a sua vida ele não teve direito a um julgamento justo. O primeiro ocorreu em 1937 por um tribunal de exceção, não previsto pela Constituição, e instaurado por um governo autoritário do presidente Getúlio Vargas. Os últimos julgamentos ocorreram durante a ditadura de 1964”, opinou Mário Magalhães. Ainda segundo ele, o projeto é tão “fabuloso e excepcional” que deveria ser imitado por outras Defensorias Públicas.

IMPRESSÕES SOBRE O JÚRI

“Para mim é uma honra, um presente, interpretar essa figura emblemática, ainda mais no momento atual que estamos vivendo. Foi desafiador e prazeroso dar vida a Marighella, que é um ícone de luta e resistência do povo brasileiro. Agradeço à Defensoria Pública pelo convite. É uma iniciativa brilhante e louvável”. Fábio de Santana – Ator (intérprete do réu no Júri Simulado de Carlos Marighella)

“Eu adoro o Tribunal do Júri, mas laborar diariamente nele é um esforço hercúleo. Saímos cansados, mas sinceramente eu não consigo me afastar. Esse projeto é tão sensacional que faltam palavras. Estou na minha terceira Defensoria Pública, eu amo a Instituição e não me vejo em qualquer outro cargo. Eu sou extremamente privilegiado, não só poder estar aqui mas também de fazer parte de uma Instituição que, na minha forma de encarar a realidade, eu vejo como a única resistência hoje em dia”. Henrique Bandeira – Defensor Público (intérprete da Acusação no Júri Simulado de Carlos Marighella) 

“70 vezes que eu fizesse essa defesa, 70 vezes eu me emocionaria. Eu tinha notícias de pessoas que desapareciam, que eram maltratadas e depois na faculdade de Direito, em plena ditadura, eu continuei assistindo a história de pessoas que sumiram e a mim revolta ter que ouvir que não houve tortura no Brasil. De 1964 a 1985 existiu muita tortura, mas espero que a gente não volte a viver coisas nem parecidas”. Raul Palmeira – Defensor Público (intérprete da defesa no Júri Simulado de Carlos Marighella)

“Esse o maior presente e realização que a Ouvidoria pode ter. É estar no meio do povo. Estamos no Vila Velha que é um palco histórico e revolucionário que junta política, arte e luta pelo acesso à justiça. Aqui grandes pensadores e pensadoras tomaram o palco em nome da liberdade. Não tem forma de celebração mais incrível do que essa aqui” Vilma Reis – Ouvidora-geral da DPE/BA

“É mais um momento de grande alegria. A Defensoria Pública da Bahia levantando e resgatando a história de personagens tão importantes. Mais do que isso, informando para aqueles, que não têm conhecimento de como funciona a Justiça, que há uma Instituição como a Defensoria Pública que promove a defesa das pessoas, a igualdade dentro do sistema de Justiça e que, mais do que tudo, promove a Educação em Direitos” – Firmiane Venâncio – Diretora da Escola Superior da Defensoria Pública

NAS PAREDES DA MEMÓRIA

Idealizado pelos defensores públicos Rafson Ximenes e Raul Palmeira, e pela coordenadora de Proteção aos Direitos Humanos da DPE/BA, Eva Rodrigues, o projeto Júri Simulado – Releitura do Direito na História é uma série pensada pela Defensoria Pública da Bahia e tem como proposta garantir o resgate dos direitos de personagens da história popular que, à época, não puderam exercer a prerrogativa de todo acusado: o contraditório e a ampla defesa efetiva. Na sua primeira edição, realizada em novembro de 2016, Luíza Mahin (Valdineia Soriano) foi absolvida das acusações de conspiração contra a Coroa Portuguesa, em 1835. Em novembro de 2017, foi a vez de Zumbi dos Palmares (Sérgio Laurentino) ser absolvido pelo Júri Simulado. No ano de 2018, houve, ainda, mais três julgamentos: do índio tupinambá Caboclo Marcelino (Pedro Albuquerque), da efetividade da Lei Áurea (de forma inédita, um júri de uma lei)  e do poeta Cuíca de Santo Amaro (Cristóvão da Silva).