COMUNICAÇÃO

CineDebate discute censura contemporânea em sessão no MAM 

13/12/2019 23:43 | Por Rafael Flores - DRT/BA 5159

Última edição do ano contou com cineastas que tiveram suas obras censuradas em 2019.

Há exatos 51 anos, em 13 de dezembro de 1951, o governo militar brasileiro promulgou o Ato Institucional Nº5 (AI-5), responsável por, entre outras inconstitucionalidades, intensificar a censura a obras culturais no país. Em 2019, o assunto permanece atual, visto que trabalhos audiovisuais com temáticas LGBT e negra tiveram seus financiamentos cortados por recomendação do presidente Jair Bolsonaro.

“Afronte”(DF), “Aqueles Dois”(CE) e “Rebento”(BA) foram alguns dos filmes que não obtiveram apoio financeiro ou tiveram sua exibição cancelada por conta de seu conteúdo. “Olha, a vida particular de quem quer que seja, ninguém tem nada a ver com isso, mas fazer um filme ‘Afronte’, mostrando a realidade vivida por negros homossexuais no DF, não dá para entender. Mais um filme que foi para o saco.”, disse o presidente em transmissão ao vivo no Facebook no dia 15 de agosto.

Para entender a relação entre estes dois momentos de ataque à liberdade de expressão no Brasil, a quarta edição do projeto CineDebate, realizado pela Especializada de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA recebeu os realizadores para uma exibição especial de seus filmes no CineMAM, no Solar do Unhão. A atividade fez parte do Seminário “AI-5: O que mudou e o que se repete”.

Compuseram a mesa para o debate os cineastas Vinicius Eliziário (diretor de “Rebento”), Bruno Victor (diretor de “Afronte”) e Émerson Maranhão (diretor de “Aqueles Dois”), além da juíza de direito e membra do Conselho da Associação Juízes para a Democracia Emília Gondim Teixeira, da produtora cultural e realizadora audiovisual Anna Paula Andrade e da defensora pública e coordenadora da Especializada em Direitos Humanos Eva Rodrigues. A também coordenadora da Especializada Lívia Andrade esteve presente no evento.

O baiano Vinícius Eliziário conta que seu filme participaria da Mostra do Filme Marginal, em Brasília, mas o Centro Cultural da Justiça Federal – CCJF, que sediaria o evento através de edital de ocupação de espaço, pediu a retirada da programação em razão da frase “Repulsa ao Presidente!”, exibida ao final do curta-metragem. “Eu fiquei assustado, por que ‘Rebento’ não agride presidente e o que seria agredir um presidente, não é?  Fiquei me perguntando por que uma cartela, que aparece de 2 a 4 segundos incomodaria tanto, se ela não xingava, nem o colocava em situação depreciativa”, conta.

Já “Afronte” e “Aqueles Dois” concorriam à financiamento por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e foram cortados da disputa após o pronunciamento do presidente. “Fico muito feliz com essa sessão de hoje aqui, pois precisamos insistir em exibir os nossos filmes, pois eles tratam da realidade de pessoas que são invisibilizadas e está na hora desta população periférica ocupar o centro, que é exatamente o que querem impedir. É preciso nominar as coisas, nós estamos sendo censurados e censura não é possível em um regime democrático!”, enfatizou Émerson Maranhão.

“Foi muito forte ter os cineastas que pensaram e produziram estes filmes que sofreram censura em 2019. É bastante simbólico discutir isso hoje a partir da Defensoria Pública, que é uma instituição tão importante para a democracia, quebrando esta censura, dando oportunidade da gente lutar contra isso. Eu espero que nesse resto de democracia que nos resta, espaços como esse possam continuar existindo”, afirma a juíza Emília Gondim.

A defensora Eva Rodrigues explica que quando o AI-5 foi implantado, a Defensoria ainda não existia, mas muito provavelmente seria uma das instituições atacadas: “Eu não vejo uma Defensoria que não essa, uma instituição que permita momentos como esse, eu estou muito feliz por termos proporcionado este momento de debate, a arte é política, é resistência, é transformação e compreendemos que um projeto como esse tem muito sentido neste momento que vivemos”.

Vinícius Eliziário diz ainda que o momento foi importante, tanto para dar visibilidade à questão da censura, quanto para aproximar o público da DPE/BA do cinema brasileiro. “Para além da censura, é importante dar luz à essas obras, pelo que esses filmes falam, tratam e mobilizam. Adorei a sessão, principalmente pela formação de público que a instituição tem feito, com a presença de pessoas trans e pessoas em situação de rua, quem realmente precisa ver esses filmes”, comenta o cineasta.

O público presente também teve seu momento de intervir na discussão, foi o que fez  Sellena Ramos, coordenadora da Casa Aurora, primeiro Centro de Cultura e Acolhimento da comunidade LGBTQ+ de Salvador. “Toda a narrativa que foi colocada aqui é uma denuncia de um projeto de morte, de uma necropolítica, que tenta higienizar, que tenta trazer tudo para o paradigma hegemônico de pensamento ‘heterocisnormativo’ e fazer com que a gente perca a visibilidade. Quanto mais a gente puder produzir narrativas que enfrentem, vai ser melhor, pois poderemos ‘desconfirmar’ essa censura, pois ela não vai existir enquanto estivermos atuando”, conclui.