COMUNICAÇÃO
CineDebate discute censura contemporânea em sessão no MAM
Última edição do ano contou com cineastas que tiveram suas obras censuradas em 2019.
Há exatos 51 anos, em 13 de dezembro de 1951, o governo militar brasileiro promulgou o Ato Institucional Nº5 (AI-5), responsável por, entre outras inconstitucionalidades, intensificar a censura a obras culturais no país. Em 2019, o assunto permanece atual, visto que trabalhos audiovisuais com temáticas LGBT e negra tiveram seus financiamentos cortados por recomendação do presidente Jair Bolsonaro.
“Afronte”(DF), “Aqueles Dois”(CE) e “Rebento”(BA) foram alguns dos filmes que não obtiveram apoio financeiro ou tiveram sua exibição cancelada por conta de seu conteúdo. “Olha, a vida particular de quem quer que seja, ninguém tem nada a ver com isso, mas fazer um filme ‘Afronte’, mostrando a realidade vivida por negros homossexuais no DF, não dá para entender. Mais um filme que foi para o saco.”, disse o presidente em transmissão ao vivo no Facebook no dia 15 de agosto.
Para entender a relação entre estes dois momentos de ataque à liberdade de expressão no Brasil, a quarta edição do projeto CineDebate, realizado pela Especializada de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA recebeu os realizadores para uma exibição especial de seus filmes no CineMAM, no Solar do Unhão. A atividade fez parte do Seminário “AI-5: O que mudou e o que se repete”.
Compuseram a mesa para o debate os cineastas Vinicius Eliziário (diretor de “Rebento”), Bruno Victor (diretor de “Afronte”) e Émerson Maranhão (diretor de “Aqueles Dois”), além da juíza de direito e membra do Conselho da Associação Juízes para a Democracia Emília Gondim Teixeira, da produtora cultural e realizadora audiovisual Anna Paula Andrade e da defensora pública e coordenadora da Especializada em Direitos Humanos Eva Rodrigues. A também coordenadora da Especializada Lívia Andrade esteve presente no evento.
O baiano Vinícius Eliziário conta que seu filme participaria da Mostra do Filme Marginal, em Brasília, mas o Centro Cultural da Justiça Federal – CCJF, que sediaria o evento através de edital de ocupação de espaço, pediu a retirada da programação em razão da frase “Repulsa ao Presidente!”, exibida ao final do curta-metragem. “Eu fiquei assustado, por que ‘Rebento’ não agride presidente e o que seria agredir um presidente, não é? Fiquei me perguntando por que uma cartela, que aparece de 2 a 4 segundos incomodaria tanto, se ela não xingava, nem o colocava em situação depreciativa”, conta.
Já “Afronte” e “Aqueles Dois” concorriam à financiamento por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e foram cortados da disputa após o pronunciamento do presidente. “Fico muito feliz com essa sessão de hoje aqui, pois precisamos insistir em exibir os nossos filmes, pois eles tratam da realidade de pessoas que são invisibilizadas e está na hora desta população periférica ocupar o centro, que é exatamente o que querem impedir. É preciso nominar as coisas, nós estamos sendo censurados e censura não é possível em um regime democrático!”, enfatizou Émerson Maranhão.
“Foi muito forte ter os cineastas que pensaram e produziram estes filmes que sofreram censura em 2019. É bastante simbólico discutir isso hoje a partir da Defensoria Pública, que é uma instituição tão importante para a democracia, quebrando esta censura, dando oportunidade da gente lutar contra isso. Eu espero que nesse resto de democracia que nos resta, espaços como esse possam continuar existindo”, afirma a juíza Emília Gondim.
A defensora Eva Rodrigues explica que quando o AI-5 foi implantado, a Defensoria ainda não existia, mas muito provavelmente seria uma das instituições atacadas: “Eu não vejo uma Defensoria que não essa, uma instituição que permita momentos como esse, eu estou muito feliz por termos proporcionado este momento de debate, a arte é política, é resistência, é transformação e compreendemos que um projeto como esse tem muito sentido neste momento que vivemos”.
Vinícius Eliziário diz ainda que o momento foi importante, tanto para dar visibilidade à questão da censura, quanto para aproximar o público da DPE/BA do cinema brasileiro. “Para além da censura, é importante dar luz à essas obras, pelo que esses filmes falam, tratam e mobilizam. Adorei a sessão, principalmente pela formação de público que a instituição tem feito, com a presença de pessoas trans e pessoas em situação de rua, quem realmente precisa ver esses filmes”, comenta o cineasta.
O público presente também teve seu momento de intervir na discussão, foi o que fez Sellena Ramos, coordenadora da Casa Aurora, primeiro Centro de Cultura e Acolhimento da comunidade LGBTQ+ de Salvador. “Toda a narrativa que foi colocada aqui é uma denuncia de um projeto de morte, de uma necropolítica, que tenta higienizar, que tenta trazer tudo para o paradigma hegemônico de pensamento ‘heterocisnormativo’ e fazer com que a gente perca a visibilidade. Quanto mais a gente puder produzir narrativas que enfrentem, vai ser melhor, pois poderemos ‘desconfirmar’ essa censura, pois ela não vai existir enquanto estivermos atuando”, conclui.