COMUNICAÇÃO

CORONAVÍRUS – Queda de 90% nos registros de denúncias de violência contra a mulher faz Defensoria alertar sobre subnotificação

15/04/2020 17:14 | Por Lucas Cunha - DRT/BA 2944
Crédito imagem: Freepik.com

Para que as mulheres possam denunciar, a DPE/BA abriu canal psicossocial por ChatBot no Facebook, além dos telefones 129 e 0800 071 3121

Dados iniciais levantados pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA neste período demonstram uma queda em torno de 90% nos registros de denúncias de violência contra a mulher. O número vai na contramão dos registros em meses anteriores e a expectativa em vários países, a exemplo do ocorrido na China, onde o percentual triplicou no período, ou na França, onde o governo local decidiu pagar quartos para as vítimas.

Com as restrições de locomoção provocadas pela pandemia do Coronavírus, o que obriga com que as pessoas permaneçam mais tempo em casa, existe uma tendência de aumento ao número de casos de violência contra a mulher. Os dados registrados pela Defensoria mostram que os números destoam tanto no atendimento jurídico quanto no psicossocial.

Em fevereiro, mês que ainda contou com o carnaval, foram 176 atendimentos realizados pela Defensoria Pública, por meio do Núcleo de Defesa da Mulher – Nudem, vinculado à Especializada de proteção aos Direitos Humanos. Já em março, durante o período em que houve atendimentos presenciais (até o dia 18 do mês), o número registrado foi de 221.

Enquanto isso, desde então, quando a Defensoria passou a fazer seus atendimentos por telefone (129 ou 0800 071 3121, para todo estado) e de forma virtual (agendamento on-line pelo site da Defensoria; pelo aplicativo Defensoria Bahia, apenas para sistemas Android; e por ChatBot com atendimento psicossocial na página Defensoria Bahia no Facebook), os registros caíram para apenas 16 neste período entre 19 de março e 14 de abril. Uma redução de 90,9% em relação a fevereiro e 92,7% comparado aos 18 primeiros dias de março.

Os dados acima referem-se apenas aos atendimentos jurídicos, com entradas ou acompanhamentos de pedidos de medidas protetivas. Já quando são vistos os dados do atendimento psicossocial, o quadro é ainda mais agravante. Apenas um caso foi registrado desde o início do atendimento remoto da Defensoria, em comparação aos 41 realizados em fevereiro e os 54 nos primeiros 18 dias de março.

AMEAÇAS E AGRESSÕES

O único atendimento psicossocial realizado até o fechamento desta matéria foi o caso de Valentina*, moradora de Salvador que vem sofrendo ameaças do ex-marido, com quem teve um filho. Valentina inicialmente procurou a Defensoria pelo agendamento online do site da instituição, depois sendo contatada por servidor da Defensoria por telefone. Após este contato telefônico, onde foram coletados outros dados e verificado o tipo de caso de Valentina, foi ofertado a assistida uma ajuda psicossocial, que ocorreu por meio do ChatBot do Facebook da DPE/BA.

“Foi de grande ajuda para mim, pois não estava me sentindo bem, meio para baixo psicologicamente. Conversando com a assistente social me senti melhor, e ela também tirou umas dúvidas que eu tinha, como se poderia bloquear ele no celular, pois estava sempre me mandando mensagens agressivas. Perdi o medo. Quer dizer, um pouco, porque a gente sempre fica com medo”, relatou Valentina sobre o atendimento.

Separada há dois anos do pai do seu filho, Valentina diz que seu ex-marido já se mostrava uma pessoa agressiva durante o casamento. “Ele me agrediu verbalmente e fisicamente: já me empurrou, quebrou coisas aqui dentro de casa e até o portão da residência”, conta.

Ela afirma que, no último ano, seu ex-cônjuge tentava mostrar que havia mudado, mas ainda assim Valentina diz que precisava aceitar todas as vontades do ex-marido para evitar qualquer tipo de confusão. “Fazia isso por causa do meu filho para evitar problemas. Mas ele queria que eu sempre atendesse as ligações dele a qualquer momento, sempre me cobrando se não fazia isso. Quando comecei a questionar essas atitudes, ele começou a se mostrar novamente agressivo, me xingando com palavras que eu prefiro nem repetir”.

O estopim para Valentina resolver prestar queixa contra o ex-marido aconteceu no último sábado, quando ele quis pegar o filho para ficar com ele durante 20 dias. A mãe não permitiu devido ao contexto da pandemia do Coronavírus. “Ele falou que se eu não deixasse ele viria aqui e ia quebrar tudo”.

E realmente o ex-marido foi na residência de Valentina, gritando chamando pelo nome do filho e esmurrando a porta. Foi nesse momento que ela resolveu chamar a polícia. “Minha avó, que já é uma senhorinha de idade bem avançada, se assustou muito com ele batendo na porta e minha mãe teve que ir lá falar com ele para parar. Foi aí que liguei para que viesse uma viatura aqui”.

Valentina conta que depois da ida dos policiais, o ex-marido parou de fazer ameaças em retornar para buscar o filho, mas que continua com xingamentos pelo WhatsApp. “Ele fica falando que não tenho nenhum valor, essas coisas que ele gosta de dizer”.

Foi aí então que ela entrou em contato com a Defensoria, depois de uma dica de uma amiga que também já tinha sido atendida pela Instituição. “Ela me disse que podia denunciar pelo site. Foi bom que conversei com a assistente social, tirei dúvidas e isso me colocou para cima. Ainda estava com medo que ele ficasse sabendo que fiz isso, mas me tranquilizei”, diz Valentina.

SUBNOTIFICAÇÕES

De acordo com a defensora Lívia Almeida, coordenadora da Especializada de Direitos Humanos da Defensoria, mais casos como o de Valentina devem estar ocorrendo, mas as mulheres estão com receio de entrar em contato com os órgãos que tratam do tema.

Nesta quarta-feira, inclusive, a Defensoria encaminhou ofício para a Delegacias das Mulheres de Salvador buscando informações sobre o quantitativo de mulheres atendidas e de pedidos de medidas protetivas ajuizados por elas no período de 01/01/2020 a 18/03/2020; o quantitativo das mesmas ações após 18/03;  e quais as medidas excepcionais que estão sendo adotadas para assegurar a continuidade dos registros de ocorrência no período da
pandemia.

“Toda a rede de atendimento e enfrentamento à violência contra a mulher está em funcionamento remoto. Podemos fazer qualquer tipo de encaminhamento dessas mulheres em situação de extrema vulnerabilidade, inclusive para as casas abrigo e casas de passagem. Temos nossa equipe psicossocial que também está fazendo o atendimento especializado. Não é necessário acessar as Delegacias Especializadas para registrar ocorrência. Em breve, o registro, quando necessário, poderá ser feito pela Delegacia Virtual, a exemplo de outros estados, como São Paulo e Espírito Santo. Nosso pedido foi protocolado no início do isolamento e já conta com despacho favorável”, declarou Lívia Almeida.

Para facilitar que mais mulheres possam fazer estes registros de denúncia sem precisar se locomover neste período de pandemia, a Defensoria enviou, na semana passada, um despacho à Secretaria de Segurança Pública mostrando que no estado de São Paulo já foi liberada a utilização da delegacia eletrônica para a denúncia de casos de violência contra a mulher. Esta forma de atendimento já é recomendada pela DPE/BA desde o final de março.

Além disso, a Defensoria vem reforçando em suas redes sobre os canais de atendimento para casos de violências contra a mulher, como vídeos feitos pela equipe do Nudem, abordando sobre a atuação do Núcleo durante a pandemia do Coronavírus.

FORMAS DE CONTATO COM A DEFENSORIA

Para os casos urgentes, os cidadãos podem procurar a Defensoria pelos telefone 129 ou 0800 071 3121. Também podem utilizar o agendamento on-line pelo site www.defensoria.ba.def.br; pelo aplicativo Defensoria Bahia (para sistemas Android); e por mensagem na página Defensoria Bahia no Facebook.

*Nome trocado para preservar a integridade da assistida da Defensoria.