COMUNICAÇÃO
Corregedoria reconhece garantias e prerrogativas de defensor público
O juiz da Vara Crime da comarca de Senhor do Bonfim (375 km da capital) intimou um defensor público para assumir a defesa de um acusado em ação penal, que possuía advogado constituído. O fato aconteceu com o defensor André Lima Cerqueira, que teve de recorrer à Corregedoria Geral da Defensoria Pública da Bahia para que tivesse as suas prerrogativas devidamente respeitadas.
O fato, narrado pelo defensor público à Corregedoria, aconteceu nos autos em que o acusado RRS, respondendo à ação penal, já havia outorgado mandato a advogado, profissional que protocolou liberdade provisória em benefício do réu. Segundo o defensor, além da procuração, no momento da citação, o acusado manifestou, expressamente, ao oficial de justiça o desejo de ser defendido por advogado.
O defensor público, então, diante do caso concreto, manifestou-se, em forma de cota, ao juiz de direito, informando-o sobre a constituição de advogado pelo acusado e, a fim de evitar nulidades insanáveis, como também de garantir o direito de livre escolha do réu à defesa técnica, solicitou que o acusado fosse intimado para que esclarecesse se ainda possuía advogado e, em caso contrário, se queria constituir um novo advogado ou ter a defesa a cargo da Defensoria Pública.
Contrariando o que prevê a legislação, o magistrado, depois da manifestação do defensor público, lavrou despacho e não respeitou a garantia da independência funcional do membro da Defensoria Pública, prevista no artigo 127, inciso I, da Lei Complementar Federal 80/94. Em documento encaminhado pelo defensor André Cerqueira à Corregedoria Geral para análise, consta a seguinte decisão do juiz:
"Compulsando os autos, percebo que, nos termos da decisão de fls. 40, citado o réu não ofereceu nenhuma resposta, sendo nomeado como defensor dativo, como já determinado no item 3 da referida decisão, o dr. defensor público. Desta forma, esgotado o prazo de 10 dias, que este teria para constituir advogado, e não o fez, (fls 49), mister se faz a nomeação de defensor dativo. Ante o exposto, indefiro o pedido formulado. Abra-se vista dos autos para que a defesa apresente a devida resposta a acusação."
O subcorregedor José Brito Miranda de Souza, em um Parecer de oito páginas, analisa os diversos aspectos que envolvem a questão. O primeiro fato destacado é de que o magistrado, embora tenha conhecido a justificação feita pelo defensor público, determinou nova intimação do órgão defensorial para assunção da defesa do acusado, tentando indevidamente forçar atuação do Defensor Público, que não é subordinado administrativamente a juiz de direito.
De acordo com o parecer da subcorregedoria, "a postura do magistrado ofendeu, além da independência funcional da Defensoria Pública, o Provimento 04/2008". Além disso, como ressalta o subcorregedor, o defensor público da comarca relatou que diligenciou pessoalmente junto ao réu, tendo este ratificado que sua defesa seria exercida por advogado. Como, da mesma forma, obteve a informação do advogado Alex Sandro Porcino, que continuava a ser advogado do réu e que apresentaria Resposta à Acusação.
O subcorregedor Brito Miranda, em seu parecer, chama a atenção para o fato de que o Conselho Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege) dispõe que "na hipótese do parágrafo 2º, do artigo 265 do CPP, a Defensoria Pública deverá se abster da realização do ato e somente assumirá a causa se houver a destituição do patrono e desde que seja prévia e pessoalmente intimada para os atos processuais".
Mais adiante, em seu parecer, opina para que a Corregedora Geral reconheça o acerto da postura funcional do defensor público André Cerqueira, reconhecendo-se que o juiz não pode obrigar os membros da Defensoria Pública a atuar em qualquer processo ao seu livre arbítrio. "O magistrado não pode exigir que o membro da Defensoria Pública tenha atuação neste ou naquele processo ao seu livre arbítrio, pois a referida garantia, outorgada pela lei ao defensor público, na qualidade de agente político, com características próprias inerentes à função política dos membros da instituição, como ferramenta imprescindível ao alcance do relevante exercício defensorial, em benefício e respeito ao titular de direito e aos destinatários do serviço".
O documento também critica a atitude do magistrado no que diz respeito ao fato de não ter intimado o advogado do réu para apresentação da resposta à acusação, já que não determinou a intimação para esse fim, embora o acusado tivesse advogado com procuração nos autos. E acrescenta: "Vale ressaltar, por oportuno que, mesmo não sendo hipótese de atuação defensorial, registra-se entretanto que o mencionado juiz de direito, ferindo os artigos 396, 396-A, 397 e 399 do Código de Processo Penal (CPP), designou ilegalmente audiência de instrução e julgamento antes de oportunizar, antes de ser oferecida, e, antes da efetiva análise da Resposta à Acusação, peça inaugural de defesa, que, com a reforma do CPP de 2009, ganhou especial relevo e importância, através da qual, pode haver pedido e deferimento de absolvição sumária do réu, além de outras matérias imprescindíveis à defesa."
Sempre pautado na legislação pertinente, o parecer da subcorregedoria prossegue na análise e cita três questões fundamentais para estabelecer a conduta equivocada do magistrado. A primeira refere-se ao fato de o defensor público, aprovado em concurso de provas e títulos, integra o quadro de carreira da Instituição, logo "não é nomeado por nenhum juiz", apenas por ato exclusivo do defensor público geral.
O segundo ponto destacado é o de que além do juiz não poder nomear defensor público para atuação nesse ou em qualquer processo, isso porque cabe ao membro da Defensoria Pública, por sua autonomia funcional, e que deve ser respeitada por todos os órgãos integrantes do sistema de Justiça, como também por todos os setores administrativos do Estado, avaliar cada caso concreto e decidir ele próprio, se a hipótese é ou não de atuação do órgão defensorial.
O terceiro aspecto analisado diz que não cabe ao juiz "indeferir" a independência funcional do membro da Defensoria Pública, neste caso, agente político que não requereu o deferimento ou indeferimento da garantia de sua independência funcional. Como também, os membros da Defensoria Pública não são "defensores dativos" como designou o magistrado nos autos. "São impedidos de exercer a advocacia, não podendo ser "defensor dativo" porque este é advogado e defensor público não é advogado, não podendo haver confusão entre o cargo público dos membros da Defensoria Pública, com a figura do advogado", diz o texto.
Na conclusão do parecer exarado, o subcorregedor Brito Miranda, opina no sentido que sejam adotados procedimentos administrativos, assim como sugere que outras medidas também sejam adotadas. No primeiro caso, que seja enviado ao juiz da Vara Crime da comarca de Senhor do Bonfim, documento informando o posicionamento oficial da Corregedoria Geral da Defensoria Pública de que no processo em referência há óbice para atuação da Defensoria Pública, com manifestação ao juiz para que seja considerada a garantia da independência funcional dos membros da Instituição e respeitadas todas as prerrogativas outorgados ao defensor público.
A fim de que a Corregedoria Geral exteriorize reconhecimento do acerto da postura funcional do defensor André Cerqueira, o subcorregedor opinou no sentido de que seja a decisão publicada no Diário Oficial e no site da Defensoria Pública, além do envio da decisão, via e-mail, a todos os defensores públicos do interior e do Núcleo Criminal de Salvador, bem como à Associação dos Defensores Públicos da Bahia (ADEP-BA), e ofício com cópia para os membros da administração superior da Instituição.