COMUNICAÇÃO
Cotas raciais nos concursos públicos são destaques em painel realizado na Defensoria
O evento contou com a participação de representantes de movimentos negros e, entre os painelistas, estava o subdefensor público geral, Rafson Ximenes
A experiência pioneira da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA em estabelecer a reserva de vagas à população negra em seu mais recente concurso público esteve em destaque na última terça-feira, 23, durante o 1º Painel do Fórum Permanente de Monitoramento das Cotas Raciais nos Concursos Públicos, realizado no auditório da Escola Superior da Defensoria Pública – Esdep, no bairro do Canela.
Na abertura do evento, a ouvidora-geral e militante do movimento negro, Vilma Reis, que mediou o painel, destacou o aumento no número de fraudes nas cotas raciais pelo país e falou sobre o papel do Fórum. “Esta é a primeira reunião de tantas forças que têm se juntado neste Fórum. No Brasil, por muitos séculos, os negros e as negras estiveram fora do jogo e, com as cotas, chegou a nossa vez. Por isso, todas as formas de luta ainda são necessárias, pois fraudar as cotas é uma manifestação de racismo. Temos que lutar para ver a justiça acontecer”, destacou Vilma Reis.
A LUTA CONTRA O RACISMO E A RESERVA DE VAGAS À POPULAÇÃO NEGRA
Durante a sua exposição, o subdefensor público geral, Rafson Ximenes, narrou para os presentes a experiência da Defensoria Pública com a implantação da reserva de vagas à população negra em seu mais recente concurso para defensor público e também destacou que este momento é considerado histórico para a instituição. “É um marco em nossa história! Uma das estratégias adotadas para tornar o nosso concurso muito mais efetivo e evitar a ocorrência de fraudes foi a implantação da comissão de verificação, que teve o papel de analisar se os candidatos eram realmente negros. Durante as entrevistas, que serviram como afirmação da raça, percebemos que os candidatos negros, de verdade, estavam mais tranquilos e os brancos estavam se esforçando para parecerem negros. Esta é uma experiência nova para a Defensoria Pública da Bahia e que, com certeza, vai servir de modelo para outros certames pelo país”, relatou o subdefensor-geral.
Destacando o papel do Ministério Público na luta contra o racismo e pela igualdade, a procuradora de justiça Márcia Virgens orientou que a mobilização nas ruas é o melhor caminho na luta pelas cotas raciais nos concursos públicos. “Temos que fazer a luta nas ruas, distribuir as nossas forças e mostrar aos órgãos que estamos de olho. Deveríamos ter um observatório em todos os concursos que vêm por aí”, sugeriu a procuradora.
Já professora, pesquisadora e integrante de bancas de verificação, Marcilene Garcia, convidou o público a refletir o porquê do silêncio em torno das fraudes no Brasil e também falou sobre o racismo nas universidades. “De acordo com o resultado de uma pesquisa, quem mais tem se beneficiado com as cotas é a população branca. Quem frauda as cotas são as pessoas que não têm compromisso com a história dos negros em nosso país”, frisou a professora, que também contou depoimentos colhidos durante um estudo com candidatos observados por bancas de verificação.
Em sua exposição, o professor e vereador de Salvador, Sílvio Humberto, foi taxativo: “a sociedade brasileira se especializou em produzir desigualdades e o racismo impede que as pessoas sejam plenas. Estamos em pleno século XXI e, passados 129 anos da abolição da escravatura, ainda falamos e discutimos estas coisas amargas. Como dizia Steve Biko, a consciência negra não é uma questão de pigmentação da pele, mas de uma questão mental”. O vereador é fundador do Instituto Cultural Steve Biko, que luta pela democratização do acesso dos negros às universidades, oferecendo, entre outras atividades, um curso pré-vestibular gratuito.
“NÃO QUEREMOS SÓ ENTRAR, MAS PERMANECER”
O evento também contou com a participação da defensora pública e diretora da Esdep, Firmiane Venâncio, estudantes e professores da Universidade Federal da Bahia – Ufba, Universidade do Estado da Bahia – Uneb e Instituto Federal da Bahia – Ifba, além de representantes do Ministério Público do Estado da Bahia – MP/BA, Movimento Negro Unificado – MNU, Marcha do Empoderamento Crespo, Rede de Mulheres Negras, União de Negros pela Igualdade – Unegro, Coletivo Luiza Bairros – CLB, Programa Direito e Relações Raciais – PDRR/Ufba e do Grupo de Enfrentamento ao Racismo.
No final do debate, o público levantou pontos sobre a questão religiosa, a formação de crianças e adolescentes, redes de concurseiros negros, o perigo de retrocesso das cotas nas universidades, racismo e argumentos institucionais, a possibilidade de tornar a fraude como processo criminal de falsidade ideológica, os casos de negros que ainda não foram convocados para alguns concursos e muito mais. “Nós, negros, não queremos só entrar nas universidades e nos concursos públicos, mas queremos é permanecer”, sintetizou a estudante de pedagogia da Uneb, Dai Costa.