COMUNICAÇÃO
Criança realiza cirurgia inédita no estado, deixa cadeira de rodas e máscara de oxigênio após atuação da Defensoria
Após garantir a realização do procedimento na Justiça, a DPE/BA seguiu peticionando no processo para que a decisão liminar fosse cumprida pelo plano de saúde.
Durante os primeiros 10 anos de vida, Vinicius Santana foi totalmente dependente de ventilação mecânica. Ele nasceu com síndrome de Loeys Dietz, uma condição genética que o impedia de respirar sozinho. Por conta disso, era refém de um cilindro de oxigênio e, por não poder fazer esforço, usava uma cadeira de rodas para se locomover. Essas limitações, contudo, ficaram para trás assim que o garoto foi submetido ao primeiro implante de marca-passo diafragmático quadripolar realizado na Bahia.
“Vinicius nasceu de novo. Quando o aparelho foi ativado, ele chorou como uma criança recém-nascida porque o pulmão foi forçado a respirar sozinho e doeu. Eu e o irmão dele saímos do hospital aos prantos”, conta Patrícia Santana, mãe do garoto. A cirurgia foi realizada no dia 1º de junho e o aparelho foi ativado no dia 15 do mesmo mês, após atuação judicial da Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA) e insistência junto ao Judiciário para que fosse cumprida a decisão liminar de novembro de 2020, que obrigava o plano de saúde a custear o procedimento.
Mesmo com liminar favorável, a seguradora da qual Vinicius é beneficiário apresentou diversos entraves antes de cumprir a sentença. Por isso, além do pedido de obrigação de fazer, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria peticionou medidas coercitivas no processo frente ao descumprimento da sentença.
“Solicitamos majoração da multa diária por descumprimento, diversas vezes, e a penhora das contas bancárias no montante estipulado pelo hospital e equipe médica para a realização da cirurgia. Esse movimento fez com que o direito do infante fosse concretizado”, conta a defensora pública Nayana Gonçalves, que acompanhou a tramitação do processo na 19ª Vara de Consumo. “É gratificante e emocionante ver Vinicius respirando sem suporte mecânico, falando, caminhando e com lindos sonhos para o seu futuro e de sua família”, completa.
“Foi uma vitória junto com a Defensoria. Eu não tenho dinheiro para pagar advogado, se não fosse a Defensoria, não sei o que teria sido da gente”, afirma Patrícia. “Eu recorro à Defensoria desde os 9 anos de idade dele para buscar questões de saúde dele, como medicamentos, fisioterapia. A cirurgia foi uma vitória memorável”, completa a mãe do garoto.
O implante do marca-passo diafragmático quadripolar era o único recurso disponível para Vinicius permanecer fora de ventilação mecânica e evitar as complicações desse tipo de suporte de vida. Por conta do uso frequente da máscara de oxigênio, ele apresentava deformação facial e infecção respiratória de repetição. Contudo, o plano de saúde negou a cirurgia por não constar no Rol da ANS e a disponibilização do material necessário à realização do procedimento. O garoto recebeu indicação médica para o procedimento inédito no estado após ter seu quadro de saúde agravado por conta da Covid-19.
Atuação judicial e espera
Na ação de obrigação de fazer ajuizada pela Defensoria, a instituição argumenta que o plano de saúde não pode se recusar a autorizar o procedimento prescrito pelo médico, que é a pessoa mais capacitada para saber quais métodos e terapêuticas resultarão em um melhor resultado para o quadro patológico. A instituição ressalta ainda que a negativa se constituiu em uma limitação abusiva e lembra que rol possui da ANS possui cunho meramente exemplificativo.
A atuação judicial da DPE/BA garantiu, em menos de 20 dias, uma decisão favorável à realização da cirurgia de Vinicius. A ação foi ajuizada no dia 04 de novembro e a decisão liminar proferida no dia 19 do mesmo mês. Contudo, a efetivação do direito só aconteceu em junho deste ano devido a resistência do plano de saúde em cumprir a decisão judicial.
“É comum a resistência do cumprimento da ordem judicial por parte dos planos de saúde, o que demanda reiterados pedidos de tutela de urgência com emprego de medidas coercitivas judiciais e uma atuação estratégica por parte do membro atuante da Defensoria Pública”, explica Nayana. Ela lembra ainda que foi “robustamente comprovado” que além da melhoria na qualidade de vida, a não realização da cirurgia oferecia risco de morte para a criança.
Enquanto a Defensoria atuava para que o Judiciário fizesse cumprir a sentença, a familía de Vinicius vivia uma dupla angústia. “Eu vivia angustiada porque não tinha referência da cirurgia já que ele foi o primeiro no estado e porque, cada vez que ele adoecia, eu adoecia junto com medo de que não resistisse”, desabafa Patrícia. “Ele foi internado diversas vezes por conta de infecções respiratórias e, talvez, se a cirurgia já tivesse sido feita, não teríamos passado por isso”, completa.
Rol taxativo
Quando a decisão em favor da cirurgia de Vinicius foi deferida, havia um entendimento por parte do Judiciário de que o rol da ANS era exemplificativo. E, desse modo, aberto a complementações, com vistas a acompanhar os avanços da medicina, garantir que o médico e não plano de saúde indicasse os tratamentos necessários à proteção, à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana. A decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode limitar o acesso de beneficiários de planos de saúde a tratamentos, terapias e procedimentos.
“Com o novo entendimento do STJ, no qual a interpretação do rol se dá de forma taxativa, inviabilizando casos como o do menino Vinícius, a prestação do serviço médico-hospitalar contratada nos planos de saúde ficará comprometida, o que trará dificuldade no acesso ao tratamento do paciente, frustrando legitimamente a expectativa do consumidor de cobertura dos riscos a sua saúde”, avalia a coordenadora do Nudecon e da Especializada Cível, Ariana Sousa.