COMUNICAÇÃO
Criminalização dos territórios baianos foi tema do projeto Lugar de Fala, na CASE Feminina
Encontro discutiu a distribuição étnica e racial, em Salvador, e de que forma está relacionada com as desigualdades e as diversas formas de opressão
J.S. não sabia ler ou escrever quando passou a cumprir internato na Comunidade de Atendimento Socioeducativo – Case feminina, localizada no bairro Tancredo Neves, em Salvador. Hoje, três anos depois, estuda simultaneamente a 6ª e a 7ª série, se orgulha dos aprendizados colecionados em pouco menos de três anos e já sonha com o futuro.
“Quero fazer um curso de fotografia e montar um projeto voltado para pessoas negras. Também sonho ser psicóloga. Quero estudar muito para trabalhar com Psicologia porque gosto de conversar com as pessoas”, planeja.
A jovem é uma das participantes do projeto Lugar de Fala, criado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA para promover a cidadania e a educação em direitos entre jovens e adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no estado.
Para J.S., a iniciativa contribui para formação pessoal. “Participo do projeto desde o início e gosto muito do Lugar de Fala porque a gente aprende a se expressar, aprende várias outras coisas também”.
Nesta terça-feira, 17, o projeto discutiu a criminologia dos territórios baianos, a relação estabelecida com a distribuição sociocultural e, acima de tudo, étnica e racial na Bahia, especialmente em Salvador.
Território e construção de identidade
Guiado pelo professor de Direito Penal, Vinícius de Assis Romão, o momento incluiu debates sobre origens territoriais das internas e construção de identidade; experiências de vida e locais de pertencimento.
“O objetivo foi trabalhar sobre o lugar que elas ocupam na cidade para, a partir daí, traçar discussões sobre as desigualdades – não só em relação à operacionalização do poder punitivo, mas com a perspectiva de que a punição é apenas uma faceta de um cenário de estruturas opressoras de raça, gênero e classe social”, explicou Romão.
Para promover a reflexão, foram usados mapas de Salvador e da Bahia para que as socioeducandas pudessem marcar os locais por onde passaram. Este foi um meio de refletir sobre o perfil das respectivas regiões e quais características todas carregam em comum.
“Como o projeto Lugar de Fala traz na essência o debate sobre reconhecimento e pertencimento, tem tudo a ver discutir a categoria do território, que é historicamente uma matriz das lutas por liberdade e igualdade no Brasil. E a gente vê isso em diversas perspectivas”, comenta.
Para o docente, “a partir desse contexto, de pensar a criminalização de territórios, é possível refletir sobre o quanto a sensação de pertencimento a um lugar contribui para uma reflexão mais ampla sobre resistências em um viés antirracista e antimachista”.
Outros caminhos
Criado pela Especializada da Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da DPE/BA, o projeto Lugar de Fala propõe debates incentivados por especialistas convidados da Defensoria que abordam temas ligados à infância e à juventude. À frente da iniciativa, o defensor público Bruno Moura comenta algumas das contribuições esperadas.
“Investir na formação de cada um é o que vai fazer vocês trilharem outros caminhos. Eu sempre quis que este fosse um espaço realmente livre para vocês estarem e para falarem também”, disse na ocasião o defensor, que conversou individualmente com as internas antes do início do projeto.
A troca de experiências também está entre os objetivos. “Todas as pessoas que aqui vieram tinham o propósito de estimular o debate, mas também de ouvir vocês para que pudessem levar algo também”, completou Bruno Moura.