COMUNICAÇÃO

Debate sobre humanização na segurança pública marca audiência que lançou a nova cartilha de abordagem policial da Defensoria

22/07/2021 17:13 | Por Júlio Reis - DRT/BA 3352
Audiência virtual contou com ampla participação da sociedade civil e representantes dos Poderes do Estado e das corporações policiais

Acessível, cartilha aborda uma variedade de aspectos e informações sobre direitos e deveres da população durante as abordagens feitas por policiais

Depoimentos e discursos pela humanização do trabalho de segurança pública foram a tônica da audiência pública virtual de lançamento da nova edição da cartilha “O que você precisa saber sobre abordagem policial”, da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA. 

Promovida pela Câmara Municipal de Salvador, em parceria com a Assembleia Legislativa do Estado – ALBA, a audiência foi realizada nesta quinta-feira, 22, e contou com grande participação de parlamentares, representantes da sociedade civil, movimentos sociais e órgãos institucionais vinculados à questão da segurança pública no estado e na capital baiana. Um dos focos do debate foi a mudança de paradigma para que os agentes policiais não se orientem pela lógica do confronto.

De modo acessível e simples, a nova edição da cartilha, revisada e ampliada, difunde conhecimento em relação aos direitos e deveres da população durante as abordagens, mostrando uma variedade de aspectos sobre a atuação da polícia diante do cidadão. Entre os temas da cartilha, se destacam a identificação policial, a revista pessoal, o uso de algemas e a busca domiciliar. Além disso, há passagens sobre abuso de autoridade, audiências de custódia, exame de corpo delito para os detidos que forem vítimas de agressão policial, entre outras questões.

“É necessário formação e materiais como este para que a população e os próprios agentes saibam o que podem e não podem fazer. Quando construímos, em diálogo com as forças policiais, um material como este, nosso objetivo é que a política de segurança pública da Bahia respeite cada vez mais os direitos humanos. Desta forma, a Polícia será sempre respeitada e nunca temida pela população. É um trabalho em andamento”, comentou o defensor-geral da Bahia, Rafson Ximenes, em fala de abertura no encontro.

Já o corregedor geral da Polícia Militar da Bahia, coronel Augusto Magnavita, que representou o coronel Paulo Coutinho, comandante geral da Polícia Militar da Bahia, destacou que a cartilha da Defensoria traz segurança não apenas aos cidadãos abordados como aos próprios policiais.

“O policial também passa por situações muito difíceis no momento de uma abordagem. É um ser humano e também tem emoções, sente medo, não sabe o que pode ocorrer com ele durante uma ação. Mas quero reforçar que a Polícia sempre vai buscar contribuir com as demais instituições e sociedade civil organizada em busca de uma melhor relação entre polícia e a sociedade”, observou Augusto Magnavita.

Durante parte da audiência, que foi mediada pela vereadora soteropolitana Marta Rodrigues, o conteúdo da cartilha foi apresentado pelas defensoras públicas e coordenadoras da Especializada de Direitos Humanos, Eva Rodrigues e Lívia Almeida, e o defensor público e coordenador da 7ª Regional da Defensoria com sede em Camaçari, Daniel Soeiro.

Um dos temas levantados na audiência foi o debate sobre implementação de câmeras nas fardas dos policiais, conforme já ocorre em alguns estados da federação. “Nós temos que debater o que podemos fazer em termos operacionais que contribua para desmontar a concepção de guerra impregnada na Polícia. A iniciativa da cartilha, da adoção de câmeras nas fardas, contribuem muito nesse sentido. A cartilha busca intervir num procedimento que é muito decisivo no cotidiano das periferias”, pontuou o vereador de Feira de Santana Jhonatas Monteiro.


Racismo
Coordenada pela Especializada de Direitos Humanos e construída por muitas mãos, a cartilha contou com a contribuição de diversas instâncias da Defensoria e colaborações externas. Em sua nova edição, o livreto de educação de direitos recebeu contribuições da Polícia Militar, Civil e da Ouvidoria da DPE/BA com o objetivo de oferecer mais facilidade no entendimento das informações sobre procedimentos permitidos e os que são considerados abusivos.

Desde o texto de apresentação da publicação, um aspecto bastante ressaltado na cartilha é o tema do racismo. A abertura aponta para o papel duplo vivenciado pelas forças de segurança pública que, no exercício de suas funções, são tanto agentes como vítimas do preconceito racial historicamente presente na sociedade brasileira.

Abordagem policial
A cartilha traz informações como o direito do cidadão de saber o motivo da abordagem e o nome do agente policial que a realiza. Este nome também deve constar na parte frontal do uniforme do agente. Também ressalta que qualquer cidadão pode filmar uma abordagem e reforça que ela não pode ser realizada com base em discriminação social de qualquer natureza. Ser negro, estar na periferia, ter tatuagens, usar este ou aquele estilo de roupa e|ou cabelo, etc, não podem justificar uma revista policial.

Em casos de suspeitas justificadas, os agentes podem revistar pessoas e pertences como bolsas, mochilas, etc. O procedimento deve ser realizada sem agressividade e com respeito ao cidadão que, por seu lado, deve acatar solicitações: colocar as mãos ao alto, encostar na parede ou mesmo deitar, se requerido. A cartilha recomenda ainda que os policiais não devem ser insultados, e que os possíveis abusos cometidos por eles sejam denunciados posteriormente à abordagem, para serem apurados pelos órgãos competentes.

Uso de força e algemas
Os agentes de segurança não tem permissão para o uso da força, exceto em caso de resistência física ou tentativa de fuga. Nestes casos, a força empregada deve ser proporcional à necessidade de sua utilização. É tipificado como crime de tortura ameaçar ou agredir um suspeito abordado para que este confesse crime. Se a agressão ocorrer na delegacia, o delegado responsável também poderá ser responsabilizado pela tortura.

Também não é permitido o emprego de algemas se não houver resistência à prisão ou fundado receio de que o suspeito fuja ou coloque em risco sua própria vida ou a de terceiros. O uso de algemas deverá sempre se justificar posteriormente. É tipificado como crime de injúria xingar o suspeito com palavrões ou linguagem depreciativa e esta prática também pode ser considerada abuso de autoridade. Já a injúria racial ocorre quando a ofensa é realizada com uso de expressões com referência à raça, etnia, cor ou religião e tem penas mais graves.

Grupos vulnerabilizados
A cartilha aponta também a necessidade de que a abordagem policial leve em conta a diversidade das pessoas. Não é considerado ilegal ou discriminatória a adoção de medidas especiais com o objetivo de levar em conta mulheres, pessoas idosas, pessoas em situação de rua, adolescentes, entre outros. Pessoas em situação de rua, por exemplo, perdem seus documentos com frequência e a circunstância não é suficiente para caracterizar uma situação ilícita. Viver em situação de rua não é crime e, por si só, não fundamenta revista pessoal.

Já a busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência. A cartilha destaca que a norma vale também para mulheres transexuais e travestis, que devem ser revistadas por policial feminina. Já o homem trans, deverá ser consultado sobre a forma de revista mais adequada para si. Travestis e transexuais que ainda não tiveram o seu registro civil alterado possuem o direito de usar o nome social (nome pelo qual se reconhece) e de serem tratados conforme o gênero que se identificam em qualquer ambiente, inclusive dentro de delegacias e/ou unidades de privação de liberdade.