COMUNICAÇÃO

Defensores debatem em São Paulo aplicação da Audiência de Custódia

01/09/2014 22:46 | Por

Defensores debatem em São Paulo aplicação da Audiência de Custódia

O subcoordenador da Especializada Criminal e Execução Penal, Alan Roque de Araújo, e os defensores públicos, Alexandra Soares da Silva e Juarez Angelin, participaram, na segunda-feira, 25, de uma audiência pública realizada pela Defensoria Pública da União (DPU) de São Paulo. O objetivo do evento foi discutir ações que possam tornar a audiência de custódia um procedimento obrigatório na legislação penal brasileira. Apesar de signatário de tratados e convenções internacionais que preveem a apresentação do preso em flagrante ao juiz, em um prazo máximo de 24 horas, o Brasil ainda não adota esta praxe.

A audiência de custódia tem por objetivo garantir o contato da pessoa presa com um juiz num prazo de 24 horas após sua prisão em flagrante. Esse encontro é considerado fundamental não como contato entre o preso e o juiz, que pode avaliar melhor as circunstâncias da prisão, como também é mecanismo eficaz de prevenção e combate à violência policial e à prática da tortura, além de efetivo controle judicial.

A convocação da audiência pública foi feita em conjunto pela DPU, por meio do Grupo de Trabalho para Atendimento aos Presos e Egressos Estrangeiros e do Grupo de Trabalho Nacional para Atendimento de Pessoas Presas, assim como pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e o Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC).

"A Defensoria Pública da Bahia vem defendendo, reiteradamente, a tese da premência da realização da audiência de custódia, pois constatou um aumento no número de denúncias de abusos policiais, maus tratos e tortura no momento da prisão, uma vez que o custodiado comunicava-se prontamente com o magistrado, sentindo-se encorajado a contar o acontecido. Da mesma forma, a simples apresentação do custodiado ao magistrado, defensor público e promotor de justiça já promove a inibição da prática de tais atos e garante o que está previstos nos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, das quais o Brasil é signatário", afirma a subcoordenadora da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, Bethânia Ferreira.

O artigo 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe que "toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)". No mesmo sentido, assegura o artigo 9.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que "qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais (...)"

Em recente artigo publicado na Revista Conjur, o professor da PUC-RS, Aury Lopes Jr, e o defensor público federal, Caio Paiva, afirmam que "são inúmeras as vantagens da implementação da audiência de custódia no Brasil, a começar pela mais básica: ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Confia-se, também, à audiência de custódia a importante missão de reduzir o encarceramento em massa no país, porquanto através dela se promove um encontro do juiz com o preso, superando-se, desta forma, a ‘fronteira do papel' estabelecida no artigo 306, parágrafo 1º, do CPP, que se satisfaz com o mero envio do auto de prisão em flagrante para o magistrado".

E prosseguem, opinando que "em diversos precedentes, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem ressaltado que o controle judicial imediato assegurado pela audiência de custódia consiste num meio idôneo para evitar prisões arbitrárias e ilegais. Já decidiu a Corte IDH, também, que a audiência de custódia é - igualmente - essencial ‘para a proteção do direito à liberdade pessoal e para outorgar proteção a outros direitos, como a vida e a integridade física', advertindo estar em jogo, ainda, ‘tanto a liberdade física dos indivíduos como a segurança pessoal, num contexto em que a ausência de garantias'".

Está tramitando no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado 554/2011, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), cujo conteúdo foi substituído pela emenda do senador João Capiberibe (PSB-AP), aprovada na Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa (CDH), com seguinte redação:

"Artigo 306:
§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.
§ 2º A oitiva a que se refere o § 1º não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.
§ 3º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.
§ 4º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código".

No entanto, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde foi distribuído para o relator, senador Humberto Costa (PT-PE), recebeu, em junho, uma emenda substitutiva de autoria do senador Francisco Dornelles (DEM-RJ), que se limita basicamente a alterar a versão original do projeto para estabelecer que a audiência de custódia também poderá ser feita pelo sistema de videoconferência. Este substitutivo:

"Artigo 306:
§ 1º. No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, pessoalmente ou pelo sistema de videoconferência, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública".

Na análise dos articulistas, o maior inconveniente do substitutivo "é que ele mata o caráter antropológico, humanitário até, da audiência de custódia. O contato pessoal do preso com o juiz é um ato da maior importância para ambos, especialmente para quem está sofrendo a mais grave das manifestações de poder do Estado".

A justificativa apresentados pelo senador fluminense seriam os altos custos e riscos gerados pelo deslocamento de presos perigosos. "É elementar que a distância da virtualidade contribui para uma absurda desumanização do processo penal. É inegável que os níveis de indiferença (e até crueldade) em relação ao outro aumentam muito quando existe uma distância física (virtualidade) entre os atores do ritual judiciário. É muito mais fácil produzir sofrimento sem qualquer culpa quando estamos numa dimensão virtual", dizem os atores do texto.

Por outro lado, iniciativas da DPU, como a já obteve precedentes favoráveis na Justiça Federal de Cascavel (PR) e na 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, como também a Ação Civil Pública ajuizada em Manaus, contribuem para estabelecer o cumprimento efetivo da audiência de custódia.

Para o subcoordenador Alan Roque, a DPU tem desempenhado um papel muito importante com relação à adoção da audiência de custódia no país. "Esta audiência aqui em São Paulo reforça o nosso trabalho, das Defensorias Públicas, no sentido de cobrar do Legislativo a aprovação da lei que tramita no Senado para a garantir aos presos em flagrante a audiência de custódia", disse o defensor.

Nesse sentido, ao fim da audiência, foi aprovada uma moção de apoio ao Projeto de Lei do Senado e a DPU pretende tornar-se parte interessada no pedido de providências protocolado pela Defensoria Pública da Bahia no CNJ, solicitando o funcionamento do Núcleo de Prisão em Flagrante (NPF), que funcionou nas dependências da área administrativa da Cadeia Pública, em Salvador, de setembro de 2013 a maio deste ano. "Foi uma forma que encontramos para garantir a apresentação dos presos em flagrante ao juiz. Agora, com a transferência do NPF para o Fórum Criminal, em Sussuarana, não logística que possa garantir esse procedimento. Isto foi um verdadeiro retrocesso", avalia Alan Roque. A Defensoria estuda a possibilidade de ingressar, como amicus curiae, na Ação Civil Pública da DPU.