COMUNICAÇÃO

Defensores e especialistas discutem situação da violência contra a mulher em audiência pública

02/04/2014 15:21 | Por
No dia em que o IPEA divulgou estudo mostrando que boa parte dos brasileiros acredita ser a mulher responsável pela violência sexual sofrida, a Defensoria Pública da Bahia convidou especialistas e instituições ligadas ao tema para debater a efetividade de políticas e direitos previstos na Lei Maria da Penha. O evento, realizado nesta quinta-feira (27), na Esdep, Canela, contou com a participação de defensores públicos, doutoras no tema, representantes do TJ, MP, Secretaria de Segurança Pública, Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres, Superintendência Municipal de Políticas para as Mulheres, movimentos feministas, entre outros. O evento marcou ainda o lançamento da cartilha "Enfrentamento à violência Doméstica", produzida especialmente pelo NUDEM, com informações sobre como identificar traços de violência doméstica, como denunciar o crime, além de orientações jurídicas referentes ao que fazer nestes casos e que instituições procurar. O material será distribuído gratuitamente na capital e no interior.

Durante a audiência pública, convocada no mês em que se comemora o Dia da Mulher, a subcoordenadora da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, Bethânia Ferreira, a coordenadora do Núcleo de Defesa e Proteção à Mulher da DPE, Firmiane Venâncio, a defensora pública da Vara de Violência contra a Mulher, Carolina Araújo, bem como o diretor da ESDEP, Daniel Nicory trouxeram o tema Eficácia dos mecanismos de enfrentamento à violência contra a mulher - persistente desafio, para o centro das discussões. Convidadas para tratar do assunto, a coordenadora do Observatório da Lei Maria da Penha e professora do NEIM-UFBA, Márcia Tavares, e a consultora da CPMI do Congresso sobre a violência feminina no Brasil e professora de Ciências Criminais, Carmen Hein de Campos, foram taxativas: é preciso avançar nas políticas públicas de proteção e combate à violência a esse grupo, e na mudança da cultura de parte da sociedade que ainda admite tal comportamento, mesmo depois de implantada a Lei Maria da Penha.

PROTEÇÃO

Para Márcia Tavares, não basta dar voz e vez às mulheres se as dificuldades que possuem não são minimizadas sequer no momento em que procuram as instituições cujo papel seria o de escutá-las e de levar tais denúncias a sério. "A violência contra a mulher precisa sair da ordem do privado e ser entendida como um problema social. E isso não apenas por parte das mulheres em geral, mas também dos profissionais atuantes na área. Infelizmente, a Lei Maria da Penha tem dificuldade em ser efetivada e hoje os serviços precisam estar onde as mulheres estão", sentenciou. Ainda de acordo com ela, é inadmissível que medidas protetivas demorem de seis meses a um ano para serem expedidas.

Para a comerciante Leidiane Sales de Oliveira, o problema, contudo, não foi o tempo de expedição das medidas protetivas, mas, sim, seu cumprimento. Vítima de violências físicas, psicológicas e morais desde 2007, ela decidiu, em fevereiro desse ano, dar um basta nas agressões sofridas pelo companheiro. "Tínhamos um negócio juntos e sempre pensei em como seria a situação do meu filho depois que me separasse, o que ele iria pensar de mim. No entanto, depois de presenciar todas as brigas, ele mesmo me incentivou a deixar o pai, que não quer se separar e ainda frequenta a minha casa, mesmo depois que o juiz determinou que se afastasse", afirmou. Ainda segundo Leidiane, o filho de 11 anos do casal precisou ser internado em decorrência das situações presenciadas em casa. "Preciso me separar dele e conseguir minha independência financeira. Por isso procurei a Defensoria", afirmou.

As chamadas medidas protetivas são ações de urgência, adotadas em casos onde a vítima corre sério risco de ser agredida ao voltar para casa depois de fazer a denúncia. Entre elas, estão, por exemplo, obrigar que o agressor seja afastado da casa ou do local de convivência da vítima; proibir que o agressor se aproxime ou que mantenha contato com a vítima, familiares e testemunhas; obrigá-lo à prestação de alimentos para garantir que a vítima dependente financeiramente não fique sem recursos, entre outras. Quem decide, no entanto, se há ou não necessidade de tomar essas medidas é o juiz, o que desemboca em outro problema: a insuficiência de varas especializadas em violência contra a mulher. Atualmente, Salvador possui apenas uma. Segundo relatório da CPMI apresentado em julho de 2013, à época, 12 mil processos aguardavam julgamento na capital baiana.

Durante cerca de um ano e meio uma Comissão Parlamentar de Inquérito - CPMI do Congresso visitou diversos estados para verificar a situação da rede de atenção e proteção à mulher - um conjunto de instituições responsáveis por atender mulheres em situação de violência, a exemplo da Defensoria, DEAM, MP, Secretaria das Mulheres, Casas Abrigos, entre outras. O resultado apontou, segundo Carmen Hein, um cenário de insuficiência de recursos financeiros para a área, ausência de monitoramento e avaliação das políticas desenvolvidas e da aplicação da verba investida, bem como a necessidade de revisão da Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra Mulher, além da ausência de um sistema nacional de informações sobre este tipo de crime. Atualmente, as pesquisas referentes ao tema são baseadas em números do Ministério da Saúde.

"Fizemos algumas recomendações às diferentes instituições e, entre elas, à Defensoria Pública da Bahia - pouquíssimas, vale ressaltar. Ampliar o número de NUDEMs para os municípios-pólos, nomear aqueles que foram aprovados no último concurso e capacitar permanentemente profissionais que atuam nesta área estavam nesta lista", destacou Carmen Hein.

DESAFIOS

O desafio na Bahia, contudo, é significativo. O estado ocupa a 2ª posição no ranking de crimes contra a mulher, de acordo com estudo do IPEA. Mesmo com dados difusos, pode-se constatar, segundo o relatório, a ausência de informações sistematizadas, de uma política estadual de enfrentamento à violência, e de ações articuladas entre as várias instituições. Sobre a dificuldade na aplicação da Lei Maria da Penha, tempo de prisão de acusados e concessão de medidas protetivas, o relatório aponta o baixo número de DEAMs, NUDEMs, Varas de Violência, Promotorias, profissionais qualificados, serviços de perícia e serviços especiais de saúde como fatores que dificultam a efetividade da Lei Maria da Penha.

Durante o encontro, o coordenador do Observatório da Prática Penal da Esdep, Daniel Nicory, apresentou números do Boletim Mensal da Prática Penal, que demonstram o tempo médio de prisões cautelares de agressores. Acusados de violência doméstica permanecem menos tempo preso se comparado àqueles que cometeram outros delitos: (20 dias) - menos que a metade daqueles julgados pela vara criminal (75 dias) e quase 1/7 dos que cometem delitos ligados à área de tóxicos (137 dias). Ainda de acordo com Nicory, os inquéritos policiais que mais demoram a virar processos são aqueles ligados à violência doméstica. De acordo com os dados da pesquisa do IPEA, 91% dos entrevistados concordam total ou parcialmente que "homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia".

Ao final do evento, a desembargadora Nágila Brito, responsável pela Coordenadoria da Mulher do TJ-BA, anunciou a criação, ainda no primeiro semestre desse ano, de mais duas varas de violência contra a mulher no estado. Uma, a ser implantada no bairro da Liberdade, em Salvador, e a segunda, na cidade de Vitória da Conquista, no sudoeste do estado.

Participaram também da audiência pública o Tenente Coronel Jaime Pinto Ramalho Neto, da Secretaria de Segurança Pública; Ana Carolina Alencar, (representando a secretária de Políticas para as Mulheres do Estado, Vera Lúcia Barbosa; Mônica Calili, superintendente de Políticas para as Mulheres, Maria Madalena Noronha, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Zenaide Pereira e Deise Oliveira, representantes da Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza, Lena Souza e Ana Elisa Marques, assessoras das parlamentares baianas que compuseram a CPMI, a senadora Lídice da Mata e a deputada Alice Portugal, respectivamente; a defensora Cristina Ulm, representando a ADEP; além de representantes do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da UFBA, NEIM, dos coletivos Projeto Força Feminina, Papo de Mulher, Fábrica Cultural e das Voluntárias Sociais da Bahia.