COMUNICAÇÃO

Defensoria baiana solicita ao CNJ suspensão de audiências por aplicativo celular na Bahia

22/05/2020 10:32 | Por Lucas Fernandes DRT/BA 4922 | Foto Ascom TJAC
Foto ilustrativa

Instituição avalia como inconstitucionais os atos processuais, oitivas de testemunha e interrogatórios feitos por videoconferência

A Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA solicitou  ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ, a suspensão das sessões de julgamento e também das audiências de custódia feitas por videoconferência na Bahia. 

Em decreto judiciário, o Tribunal de Justiça baiano permitiu a oitiva de testemunhas, réus e demais sujeitos processuais em suas residências pelo aplicativo Lifesize. No entanto, a Defensoria considera que a medida é inconstitucional e viola, principalmente, os direitos das pessoas que estão sendo acusadas criminalmente.

Por meio do Procedimento de Controle Administrativo enviado ao CNJ na quarta-feira, 20, a Defensoria pediu que a suspensão fosse imediata, pelo risco de todos os atos realizados por meio daquele canal terem os efeitos anulados. De acordo com o documento, não há previsão legal para as videoconferências que acontecem fora da sede do juízo ou da unidade prisional.

Justiça à distância

Desde março de 2020, o Tribunal de Justiça da Bahia – TJBA vem tomando medidas para prevenção ao coronavírus. No primeiro momento suspendeu a visitação pública, o trabalho presencial, as audiências de custódia, as sessões de julgamento e os prazos processuais. Logo após, recomendou a utilização de videoconferências para garantir a realização dos atos judiciais.

Em 04 de maio, publicou o Decreto Judiciário nº 276, disciplinando a utilização das videoconferências para a realização de audiências, feitas por meio do aplicativo Lifesize, contratado pelo próprio TJBA  para esse tipo de comunicação à distância. 

Antes de peticionar ao CNJ, a Defensoria se reuniu com o TJBA por duas vezes, nos dias 12 e 14 de maio. Também expediu ofício ao Tribunal pedindo a suspensão parcial do decreto. Nele, avalia como positiva a possibilidade de realizar as conciliações via videoconferência, com o consentimento das partes, mas desaprova a iniciativa em relação às comunicações processuais.

“Pacífico na doutrina e na jurisprudência que as comunicações processuais são atos jurídicos, que geram efeitos entre as partes, logo, seriam atos processuais e não meramente procedimentais”, argumenta a Defensoria no documento enviado à presidência do TJ. Conforme o ofício, essa forma de comunicação só poderia ser ampliada por lei, após o regular processo legislativo no Congresso Nacional.

“Com o depoimento por aplicativo, o magistrado e as partes não têm como conferir a autenticidade dos documentos apresentados ou a identificação correta das testemunhas. Outro ponto é a garantia da incomunicabilidade entre elas: não há como impedir que uma não ouça o depoimento da outra”, aponta o defensor público geral, Rafson Saraiva Ximenes. 

Argumenta também que não é possível aplicar a prisão em flagrante por crime de falso testemunho – uma das garantias contra o erro judicial – à testemunha que eventualmente minta em seu depoimento.

De acordo com o subdefensor público geral, Pedro Casali Bahia, “o Tribunal de Justiça quer, sem dúvida nenhuma, adiantar os processos em razão da Covid-19”, no entanto, ele considera que a tramitação dessa forma atinge o princípio da ampla defesa. “Trata-se de direito indisponível, o TJBA não pode dispor de direito que é exclusivo das partes, sob pena de responsabilização”, avalia.

A Defensoria concorda que as audiências de conciliação sejam feitas por chamadas à distância, desde que não implique em prejuízo para as partes, caso não possam participar ou caso ela seja cancelada.

Audiências e carência de recursos

Principalmente no caso das audiências criminais, a Defensoria considera a videoconferência ilegal por violar as prerrogativas processuais penais das pessoas que estão sendo acusadas. Entre os motivos apontados ao CNJ, a Defensoria indica que já há decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconhece a impossibilidade de realização de audiências de custódia nesta modalidade.

De acordo com o defensor público Maurício Garcia Saporito – que coordena a Especializada Criminal da DPE/BA e peticionou a suspensão das audiências virtuais ao CNJ – há um problema de exclusão digital que atinge diretamente os beneficiários dos serviços da Defensoria. Ele aponta uma contradição na implantação de videoconferências nas audiências criminais e cíveis que acaba penalizando os mais pobres. 

“Muitos a quem damos assistência são carentes de recursos, não têm acesso à internet, ou ela é precária. Perceba o paradoxo: Na área cível, o processo judicial fica parado porque, por exemplo, a mãe que precisa receber a pensão alimentícia não tem smartphone. Mas, na área criminal, o Estado pode dispor aparato tecnológico para um interrogatório online da pessoa acusada. Nas duas situações o pobre quem perde”, refletiu o defensor público.