COMUNICAÇÃO

Defensoria constata irregularidades em atendimento à população de rua

05/11/2013 16:16 | Por

A equipe de Atendimento à População em Situação de Rua, subordinado à subcoordenação da Especializada de Direitos Humanos, da Defensoria Pública da Bahia, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, visitou, nesta terça, 29, e quarta, 30, três unidades da prefeitura de Salvador que prestam assistência a essa população, dois Centros Pop e a Casa de Pernoite.

Na manhã de terça, a equipe da Defensoria foi ao Centro Pop da Baixa dos Sapateiros. Lá encontrou uma série de irregularidades, além de constatar problemas graves devido à precariedade dos serviços prestados às pessoas que vivem em situação de rua e buscam ali algum tipo de apoio. Um membro do Movimento da População de Rua da Bahia, Luiz Gonzaga, e uma estudante alemã de Assistência Social, Mira Ayoka Bodenstedt, acompanharam a visita.

Mesmo com uma equipe multidisciplinar, como uma pedagoga, uma psicóloga e educadores sociais, o centro tem uma série de deficiências, que vão desde a estrutura física do prédio, com problemas na construção, até a completa falta de computadores, instrumento imprescindível à natureza do trabalho que ali se desenvolve.

Há outros problemas que podem ser facilmente constatados como, por exemplo, a ausência de cadeiras, ou outro mobiliário correspondente, na sala de convivência, onde existe uma TV. Algumas pessoas estavam deitadas no chão, em cima de pedaços de papelão. Apesar de generoso o espaço é extremamente quente, pois há deficiência na ventilação e a cobertura é de telhas de amianto.

De acordo com informações obtidas pela defensora Fabiana Miranda, que está à frente da equipe, há também questões trabalhistas, com relação à contratação da mão de obra terceirizada, e ainda atrasos no pagamento dos salários e desfrute de férias.

A aparência do local não é de abandono porque há uma intensa circulação de pessoas pelo espaço. Não só em busca de uma alimentação (são servidos lanches), mas também de atividades e documentação, problema principal dessa população.

O Centro Pop da Baixa dos Sapateiros atende a uma média de 70 pessoas por dia. Mas, em face de um arrombamento que ocorreu recentemente, parte das instalações está sem energia elétrica o que atingiu a sala do projeto de alfabetização (TOPA), a biblioteca, o espaço de atividades artesanais. Até o momento nenhuma medida foi tomada para normalizar a situação. Tudo parece ser muito precário.

Centro Pop de Roma – Na quarta, 30, a equipe Pop Rua, como é mais conhecida, visitou o Centro Pop de Roma, no Comércio. Embora possua uma estrutura bem melhor do que a da unidade da Baixa dos Sapateiros, tudo pareceu muito asséptico, como se não houvesse usuários ou pessoas sendo atendidas diariamente.

Já na entrada, a coordenadora da unidade disse que não poderiam ser feitas fotografias das instalações. Mas foi de pronto contestada pela defensora pública que lhe disse não haver qualquer restrição nesse sentido, já que a cobertura era da própria Assessoria de Comunicação da Defensoria Pública.

Em todas as dependências, por volta das 10 horas, não havia uma morador de rua, apenas funcionários ociosos que se esforçavam para acompanhar a visita. Até mesmo um policial militar ocupava uma das salas, como se fosse de leitura. A exceção foi a oficina de artesanato, onde o educador de arte, Gilson Cardoso , ainda trabalhava com um de seus alunos.

A psicóloga da equipe, Tamiris Reis, teve um longa conversa com ele a fim de conhecer as relações que se estabeleciam eetre este público e o contato com o fazer artístico. Os trabalhos são feitos a partir de materiais recicláveis, como papel, garrafas pet, plásticos, borracha, madeira e outros. Há peças muito criativas e algumas são vendidas.

“Nosso problema maior é a falta de continuidade desse trabalho. Sem uma bolsa que possa estimulá-los a permanecer aqui e aprender, de fato este novo ofício, torna-se muito difícil esta tarefa. Há pessoas talentosas, mas sem qualquer nível de disciplina para este processo de aprendizagem”, avalia o experiente educador.

Toda a organização, asseio e disfunção do espaço foi posteriormente explicadas pelos próprios moradores de rua, na rua, óbvio. Um grupo deles que ocupa permanentemente a calçada que fica entre o Centro Pop e a Casa de Pernoite, na mesma rua, abordou a equipe para fazer uma série de reclamações e denúncias.

De acordo com seus relatos, eles não podem usar os banheiros (por isso estavam tão limpos), para qualquer fim, a quadra de esporte, as salas e espaços de convivência, como também os serviços que deveriam ser prestados pela unidade pública. Tudo leva a crer que as histórias têm procedência, já que algum tempo depois a equipe retornou ao Centro e encontrou a porta de acesso trancada, em pleno horário de funcionamento.

Casa de Pernoite – No entanto, como já era de se esperar, a pior situação foi encontrada na Casa de Pernoite, que abriga pessoas da população de rua, em situação permanente ou mesmo aqueles que apenas estão de passagem pela capital. Com capacidade para abrigar mais de 100 pessoas, a unidades está em péssimo estado de conservação, com problemas crônicos, como infiltração e umidade nas paredes dos dormitórios, acúmulo de lixo, ratos e baratas, além da falta de água que já se tornou constante e outros problemas administrativos.

Acompanhada pelo gerente da unidade, Raimundo Santana, a equipe visitou todas as dependências da unidade. E pôde verificar situações completamente irregulares, como a completa falta de higiene nos espaços de acolhimento, falta de fornecimento de água para beber, água para banho, equipamentos (principalmente os banheiros masculinos) destruídos ou em péssimo estado de conservação e um sistema autoritário e repressivo.

Vários “moradores” da Casa reclamaram das péssimas condições de acolhimento. Dizem que a comida servida geralmente está em processo de deterioração, não há água para higiene pessoal e nem para beber, sujeira nas caixas d’água, que não são limpas há muito tempo, falta de cadeiras nos refeitórios, proibição da livre circulação dos “internos”, além das frequentes ameaças de convocação da Polícia Militar.

Um dos moradores, que não quis se identificar temendo represálias, chegou a informar que são frequentes as idas de PMs ao local para espancar os “ânimos mais exaltados”. Além disso, ele confirmou o fato de que a coordenadora do Centro Pop não deixa que os moradores da Casa, que está sem água há mais de 15 dias, usem a estrutura de lá.

“Não temos qualquer direito, apenas a ameaça constante de que vão nos tirar daqui. Agem como se fosse donos. Tudo é só fachada. A comida é de péssima qualidade, não temos água para beber, tomar banho e lavar nossas roupas, não há remédios na enfermaria, somos tratados como animais. Há fins de semana, com esse calor, que não nos deixam ir tomar um banho de mar”, reclama exaltado.

Para a defensora Fabiana Miranda, a situação tem uma série de irregularidades e as denúncias serão formalizadas para que os fatos sejam apurados. “Vamos intensificar nosso trabalho junto a essas instituições públicas, no sentido de fazê-las cumprir corretamente com suas obrigações e, ao mesmo tempo, garantir a essas pessoas os seus direitos. Vamos atuar mais diretamente com eles, mas sem deixar de oficiar os órgãos responsáveis por esta situação. Vamos cobrar responsabilidades”, afirmou.

Depois da confecção do relatório, que também será encaminhado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a partir do convênio existente com a Instituição, várias ações serão promovidas com o objetivo de assegurar o pleno atendimento às pessoas em situação de rua.

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