COMUNICAÇÃO

Defensoria e Ministério Público conseguem interdição do HCT

03/05/2013 21:20 | Por

O juiz da Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas de Salvador (VEPMA) acolheu, integralmente, o pedido da Defensoria Pública e do Ministério Público da Bahia e determinou a interdição total do Hospital de Custódia e Tratamento (HCT). Com base no artigo 66 da Lei de Execução Penal, as duas instituições denunciaram, na petição, protocolada na segunda-feira, 29, a completa falta de condições daquela unidade para abrigar os pacientes.

A situação do prédio, que já não oferecia segurança e condições dignas para os detentos, piorou depois das duas rebeliões ocorridas no início de abril, quando várias alas, além do almoxarifado, gabinetes médicos e outras salas foram destruídas pelo fogo. Revoltados, os pacientes incendiaram as instalações e, por pouco, não queimaram outros colegas feitos reféns na ação.

Segundo os defensores públicos Alan Roque, subcoordenador da Defensoria Pública Especializada Criminal e de Execução Penal, e Cláudio Piansky, que acompanham o caso desde o início das rebeliões, a situação é muito grave e alguma providência emergencial tinha de ser adotada. Também participam da ação os promotores públicos Lucimeire Carvalho Farias e Edmundo Reis Filho.

"Embora o HCT esteja programado para receber uma reforma, não podíamos esperar até julho para que os internos fossem transferidos. Depois dos incêndios, a situação do HCT ficou insustentável. O próprio diretor da unidade atesta que chegamos ao limite", afirma o subcoordenador Alan Roque.

O defensor Cláudio Piansky explica que houve um esforço conjunto entre a Defensoria, Ministério Público, Judiciário, diretoria do HCT e também a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP), visando encontrar uma alternativa satisfatória para a questão.

No entanto, não houve avanço nas negociações e mais de 140 pacientes estão alojados em duas alas com capacidade para 40.

"Num primeiro momento, logo após os episódios da rebelião, conseguimos a transferência das 16 internas. Depois, chegamos até a visitar uma unidade em Feira de Santana, na esperança de que os 175 internos pudessem ser transferidos. Infelizmente, isso não ocorreu, o que nos obrigou a tomar esta atitude, fazer com que o governo adote o procedimento necessário por força da lei. Deve ser destacado o fato de os órgãos de acusação e defesa estarem atuando junto diante da crítica situação do HCT", disse o defensor Piansky.

Na ação os argumentos apresentados vão desde as condições físicas da estrutura do prédio até a classificação da população interna do HCT. Por solicitação do MP, a Defesa Civil de Salvador procedeu a uma vistoria e, em seu laudo, afirma que "a edificação, COMO UM TODO, necessita reparos gerais e apresenta patologias, tais como fissuras, deslocamentos de reboco, revestimentos cerâmicos fissurados, infiltrações de água na cobertura e ferragens expostas. Recomenda-se a execução de serviços especializados de proteção das armaduras expostas".

Os internos da unidade estão classificados da seguinte forma: 32 cumprem medidas de segurança; 45 internos provisórios, com perícia médica já realizada, aguardam julgamento da ação penal; 52 internos provisórios, com prisão preventiva decretada, esperam exame pericial; 12 internos, apesar de já declarada a extinção das medidas de segurança aplicadas, encontram-se em situação de abandono sociofamiliar; os demais incluem-se em situação mais específica de tratamento.

De acordo com relato do diretor do HCT, Paulo Barreto Guimarães, "é precária situação de uso, com os pacientes instalados em duas alas restantes, superlotadas, com iluminação precária, falta de camas, e posto de enfermagem danificado na Ala C, tornando difícil até a administração de medicamentos".

A situação do HCT já era grave antes mesmo da ocorrência dos últimos incêndios, em 8 e 10 de abril passado. Relatórios do ano passado, da Vigilância Sanitária e também da Defesa Civil de Salvador, já apontavam uma série de irregularidades e inadequações.

Num trecho do relatório da Vigilância Sanitária, lê-se o seguinte texto: "A qualidade dos alimentos servidos não é assegurada, assim como a sua inocuidade, e as condições estruturais e higiênico-sanitárias colocam em risco a saúde e segurança dos trabalhadores e custodiados. Alguns setores do estabelecimento funcionam em condições inadequadas e insalubres, com presença de infiltração e mofo em paredes e teto, fiação elétrica exposta, paredes e janelas danificadas e sujas".

Além disso, a petição também indica outros graves problemas no que diz respeito à situação da unidade hospitalar, como insuficiência do número de agentes penitenciários, inexistência de projeto terapêutico adequado às necessidades dos internos, pacientes com problemas distintos, mas convivendo na mesma ala e quadro de profissionais multidisciplinares submetidos à tensão permanente, gerada pela ausência de condições adequadas ao desempenho de suas funções.

O documento, ainda, ressalta que a Lei Federal 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, determina que essas pessoas devam ter direito ao melhor tratamento do sistema de saúde e ser tratadas em ambiente terapêutico por meios menos invasivos possíveis.

Complementando, cita, literalmente, o texto do artigo 3º da referida lei: "É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais".

Por fim, argumenta que o "presente pedido consiste na intervenção judicial para interditar o HCT, vez que se encontra funcionando em visíveis e comprovadas condições inadequadas, infringindo normas constitucionais e infraconstitucionais vigentes em nosso Estado de Direito, e, consequentemente, determinando as providências resolutivas inerentes à interdição, como a transferência dos usuários do sistema, que estão atualmente internados no HCT, a fim de prestar a devida atenção psicossocial necessária para o alcance da finalidade da medida de segurança, ou seja, a reinserção social, atendimento a ser prestado na rede de saúde, pública ou conveniada, do Estado".

Todas as justificativas e as solicitações apresentadas no documento foram acolhidas pelo juiz. Inclusive as recomendações, os prazos e os locais para o processo de transferência dos internos. Dessa forma, uma parte dos pacientes seria encaminhada para o Hospital Especializado Lopes Rodrigues, em Feira de Santana, com alas reformadas e desativadas. A unidade está vinculada ao Hospital Geral Clériston de Andrade.

Outros internos, classificados em grupos de acordo com a situação de cada um, seriam transferidos para Residências Terapêuticas e Casas de Acolhimento existentes na Rede Psicossocial do Estado. Os prazos da ação variam de 15 dias, para as situações mais emergenciais, até 60 dias, para a conclusão da operação a ser realizada pela Secretaria de Administração Prisional e Ressocialização (SEAP).

"Podemos considerar este fato como uma verdadeira vitória da Defensoria e do Ministério Público, como instituições que representam a sociedade, pois todas as nossas solicitações foram acolhidas pelo juiz. A situação extremamente grave dessas pessoas, portadoras de transtornos mentais, tem de ser considerada como uma prioridade, mesmo num contexto em que tudo parece ser prioritário", analisou o subcoordenador Alan Roque.