COMUNICAÇÃO

Defensoria garante espaço feminino para mulher trans detida em Salvador

13/04/2022 16:53 | Por Ailton Sena DRT 5417/BA
Foto: Justiça Minuto

A assistida foi presa em cumprimento a mandado de prisão preventiva oriundo de Alagoas; o processo que motivou a prisão é acompanhado pela Defensoria Pública de Alagoas.

A Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA) assegurou na Justiça que fosse respeitada a identidade de gênero de uma mulher trans presa, no último dia 09, na capital baiana. Em decisão proferida na segunda-feira, 11, o Judiciário acatou o pedido da DPE/BA e determinou que a assistida fosse colocada em cela feminina ou espaço compatível com sua identidade.

A atuação foi motivada pelo receio de uma familiar da assistida, que buscou a instituição durante o plantão de final de semana. “Eu procurei a Defensoria por entender que ela seria o veículo para garantir esse direito. Depois que fui ver a Sandra* na Polinter, senti que a qualquer momento sua identidade de gênero poderia ser desrespeitada. Apesar de ter a lei, a gente ainda conta com a boa vontade dos agentes públicos”, relata Fátima Gavião, 62, prima da assistida e membra do Coletivo Mulheres de Fibra Calabar.

Ela afirmou ainda que, durante a visita, o policial que lhe atendeu se referiu à sua prima com o nome de registro, que não está retificado. E informou que ela estava em uma cela separada, mas que não havia uma espaço próprio para mantê-la. “Eu tive medo que, se houvesse uma troca de turno dos funcionários ou transferência, ela poderia ser colocada numa cela masculina e sofrer outras violências”, conta.

O respeito à identidade de gênero de pessoas trans privadas de liberdade é assegurado pela Resolução nº 348/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ela estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti e intersexo custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente.

Além disso, a medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527, ajuizada pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ALGBT), garante que, na medida do possível, as pessoas detidas participem de decisões relacionadas ao local de detenção adequada à sua orientação sexual e identidade de gênero. Essa foi a jurisprudência usada pelo defensor público Leonardo Toledo, que atuou no caso.

“Os efeitos da decisão em uma ADPF são erga omnes (para todos) e vinculantes para os órgãos do Poder Público. Os tribunais e juízes também estão vinculados à interpretação constitucional atribuída à norma. Utilizamos a ADPF 527 como referência para o embasamento do nosso pedido, que teve como objetivo evitar qualquer ato de violência física ou psicológica ou outros constrangimentos com relação à assistida transexual”, explica o defensor público.

A coordenadora da Especializada de Direitos Humanos, Lívia Almeida, destaca que apesar da decisão judicial ser importante para reforçar os direitos das pessoas trans, a questão sempre deve ser resolvida administrativamente pela Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização – SEAP. Ela lembra ainda que, em 2020, a DPE/BA fez diversas recomendações ao órgão a respeito do acolhimento de pessoas trans e travestis.

“O sistema penitenciário precisa estar preparado para receber essas pessoas com respeito à dignidade humana e isso inclui o uso do nome social. Não basta garantir à pessoa trans que ela seja custodiada no local adequado à sua identidade de gênero, as pessoas que atuam naquele local precisam estar capacitadas para acolhê-las dignamente e não cometer outras violências”, reforça Lívia Almeida.

Outras violências

Antes de ser detida na sexta-feira, 9, Sandra* tentou registrar queixa contra atos de violência perpetrados contra ela por um primo na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), em Brotas. No entanto, ela teve o atendimento negado e foi encaminhada para uma “delegacia comum”. A situação chegou ao conhecimento da Defensoria por meio do Centro de Atendimento à Mulher Irmã Dulce.

“Estamos apurando a informação que, realmente, nos causa estranheza. O direito das mulheres trans serem atendidas nas delegacias especializadas de atendimento à mulher já é garantido em diversas decisões judiciais e, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que o artigo 5º da Lei Maria da Penha não envolve aspectos biológicos”, conta a coordenadora da Especializada de DH, Lívia Almeida.

No último dia 12, a Especializada enviou ofício à delegada titular da DEAM e à delegada geral da Polícia Civil solicitando esclarecimentos sobre a situação e que sejam apresentadas as razões para a negativa do atendimento. “Se isso aconteceu, foi uma falha grave e esperamos que não volte a acontecer com outras mulheres trans, que têm direitos a todos os serviços que acolhem mulheres vítimas de violência”, enfatiza a defensora pública.

*nome fictício