COMUNICAÇÃO
Defensoria ingressa com Ação Civil Pública para garantir TFD a pacientes com câncer
O defensor público Mauricio Moitinho ingressou com uma Ação Civil Pública na Vara Cível da Comarca de Santo Antônio de Jesus, visando combater irregularidades pagamento do Tratamento Fora do Domicílio (TFD) a 39 pacientes com câncer, relativo aos meses de novembro e dezembro de 2012; à adequação do pagamento do TFD Intermunicipal à legislação pertinente e à atualização do valor do TFD, defasado desde 2007.
Há muito a questão da saúde na região vem sendo alvo de diversas ações da 6ª Regional da Defensoria Pública sediada em Santo Antônio de Jesus.
Neste caso, entretanto, apresenta-se uma situação que mostra, de forma objetiva e factual, o desrespeito aos direitos dos cidadãos, assim como o descumprimento do que prevê a legislação vigente. O município, que deveria administrar corretamente as verbas repassadas pelo Ministério da Saúde, bem como adotar procedimentos administrativos que evitassem transtornos e prejuízos aos pacientes, não vem atuando de forma satisfatória. Pior, sem que os responsáveis por tais situações respondam por seus erros e omissões na forma da lei.
A demanda que ora se coloca para a Defensoria Pública demonstra, sem qualquer equívoco, o descaso como são tratadas questões fundamentais para portadores de câncer que não podem arcar com o tratamento, ou que, como é o caso, dependem de deslocamento para outras cidades, quando, no município de origem não há estrutura hospitalar para este tipo de atendimento.
Segundo o defensor público da 6ª Regional, Maurício Moitinho este é mais um problema que vem a se somar a uma série outros que já se tornaram estruturais, no sentido de fazer parte do próprio funcionamento da rede de saúde local. Há questões relacionadas ao atraso na marcação de exames pela central de marcações, falta de medicamentos nos postos de saúde, atrasos na transferência de pacientes graves, e também atraso nas obras de construção de postos de saúde.
Para melhor entender a situação é preciso saber como são os mecanismos de assistência a esses casos. O TFD é uma ajuda de custo devida a pacientes do SUS e aos seus acompanhantes, que precisam se deslocar para outro município, quando as opções de tratamento se esgotam na rede SUS local. O TFD auxilia na aquisição de transporte, alimentação e hospedagem na localidade onde se dará o tratamento.
"Como geralmente são pessoas hipossuficientes economicamente, usuárias do Sistema Único de Saúde, a atuação da Defensoria Pública torna-se legítima, legal e inquestionável", afirma o defensor. Ele esclarece que o TFD foi criado pela Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde através da Portaria 55/99.
Em seu art. 1º diz: "Estabelecer que as despesas relativas ao deslocamento de usuários do Sistema Único de Saúde - SUS para tratamento fora do município de residência possam ser cobradas por intermédio do Sistema de Informações Ambulatoriais - SIA/SUS, observado o teto financeiro definido para cada município/estado".
No caso de Santo Antônio de Jesus, embora haja a necessidade de ajustes nos procedimentos do TFD, o que originou a ação foi o não pagamento dos meses de novembro e dezembro de 2012. Demanda, inclusive, com o conhecimento de Secretaria de Saúde do Município, que representou os ex-gestores ao Ministério Público em dezembro de 2013 para que investigasse os fatos.
Nesta situação estavam 39 pacientes. A justificativa da administração municipal foi a de os débitos foram deixados pela gestão anterior. No entanto, a decisão provocou uma série de danos, alguns irreparáveis, a esses pacientes.
"Muitas delas tiveram consultas remarcadas em Salvador, interromperam o tratamento de câncer, ou contraíram dívidas para suprir a indevida suspensão da ajuda financeira. Esses transtornos e a insegurança gerada refletiram negativamente nos sintomas do câncer, prejudicando a saúde dos pacientes, que já estavam bastante fragilizados", com Moitinho.
Embora o município venha arcando com as parcelas do TFD, de janeiro de 2013 até a hoje, tornou-se uma verdadeira via crucis o pagamento das parcelas atrasadas, referentes àqueles dois meses. Os pacientes prejudicados procuraram a Secretaria de Saúde do Município para receberem as parcelas atrasas, mas não obtiveram sucesso.
A administração municipal entende que o débito gerado pela gestão anterior não deve recair sobre os cofres da atual gestão, e, por isso mesmo, os pacientes ficaram sem receber o montante das parcelas até hoje. Houve a representação da gestão anterior ao Ministério Público, para que fosse efetuada a responsabilização criminal e por ato de improbidade administrativa, porém, até o momento, sem resultado.
"A municipalidade reconhece o débito das parcelas do TFD correspondentes aos meses de novembro e dezembro de 2012, sabe quem são todos os credores, tem cadastrado o número das contas correntes de todos eles, o dinheiro sempre esteve disponível para ser pago aos pacientes, mas o Município não efetua o pagamento", relata o defensor.
Divergências políticas entre a gestão atual ou e a anterior não desoneram o município de cumprir quaisquer obrigações contraídas.
O município não pode gastar as parcelas de TFD dos meses de novembro e dezembro de 2012 em quaisquer outras despesas, que não sejam o pagamento aos pacientes descritos na lista, pois os valores ficam retidos nas contas do município.
"O montante devido é de R$ 20.090,04, que não causa nenhum impacto no orçamento do município. Porém tais valores fazem muita falta aos trinta e nove pacientes, pessoas carentes de recursos, e que enfrentam doenças tão severas como o câncer", diz Maurício Moitinho.
Num dos ofícios expedidos pela Secretaria de Saúde consta que "Atualmente a Diretoria Financeira, recebe da Central de regulação a lista dos pacientes geralmente no dia cinco do mês seguinte ao tratamento e o pagamento efetuado dia 10".
"Isto causa grande sofrimento aos usuários, que precisam contrair empréstimos para viabilizar viagens para tratamento, e muitas vezes têm consultas desmarcadas, quando não possuem dinheiro para se anteciparem às despesas. Além disso, é de se observar que o Município sequer respeita a data que ele mesmo arbitrariamente criou para o pagamento da TFD! É o que observamos nas declarações colhidas pela Defensoria", comenta o defensor.
Foi o que aconteceu à Maria Rosa dos Santos, paciente de câncer de mama que ficou sem receber o TFD relativo a novembro e dezembro de 2012. Segundo seu depoimento à Defensoria, ela teve um câncer de mama detectado em 2012. Ela fez radioterapia por 30 dias, em 2013, no Hospital Santa Isabel, em Salvador. Durante este período, a paciente arcava com todas as despesas para o tratamento, embora já estivesse cadastrada no setor financeiro da Prefeitura de Santo Antônio de Jesus, para participar do TFD. Na mesma situação encontram-se outros pacientes com problemas e sequelas semelhantes.
O Tribunal Regional Federal, da 1ª Região, obrigou o estado de Roraima a pagar o TFD com três dias de antecedência ao deslocamento, bem como a atualizar os valores pagos. Idêntico posicionamento foi adotado na Ação Civil Pública, ajuizada pela Defensoria Pública do Acre, em que foi concedida a liminar pelo juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública de Rio Branco - AC.
Na ACP em questão, a Defensoria Pública requer a antecipação dos efeitos da tutela para Que o Réu pague as parcelas de TFD dos meses de novembro e dezembro de 2012, aos usuários cadastrados à época, no prazo de 24 horas, sob pena de bloqueio diretamente de recursos orçamentários no valor de R$ R$ 20.090,04, mediante penhora on-line nos moldes da Resolução 61 do CNJ.
Pede-se ainda a título liminar que município adote as providências necessárias para, no prazo razoável de três meses, passar a marcar as consultas dos usuários e a pagar o TFD a cada usuário três dias antes da consulta, conforme estabelece a Portaria 55/99 da SAS do Ministério da Saúde, sob pena de cominação de multa diária.
Requer, ainda, que o município pague valores de TFD intermunicipal superiores aos atualmente pagos e que viabilizem transporte, alimentação e hospedagem dignas.
"É que o valor atualmente pago é de R$ 37,00 para deslocamento e R$ 8,34 para alimentação dos pacientes, e tais recursos são insuficientes para lhes assegurar tratamento digno, já que só a passagem de ida para Salvador custa mais de trinta reais", disse Maurício Moitinho.
Para o defensor, a mesma situação se repete em várias cidades brasileiras, visto que os procedimentos previstos pelo manual do TFD não são devidamente observados pela administração pública.
Atualmente, 64 pacientes são beneficiários do TFD em Santo Antônio de Jesus, sendo que 63 deles têm câncer. No mês passado, a despesa total do município com o programa foi de pouco mais de quinze mil reais.