COMUNICAÇÃO
Defensoria participa de reunião sobre campanha Despejo Zero que visa suspender reintegrações de posse durante a pandemia
Reunião virtual realizada nesta quarta-feira, 3, com o TJBA, tratou da iniciativa nacional que visa sensibilizar o Judiciário sobre a vulnerabilidade das famílias de ocupações e exposição ao Coronavírus
Almir* reside na região do Tororó, em Salvador, há 16 anos e, segundo ele, soma-se às mais de 400 famílias que são alvo de Ação de Reintegração de Posse, cujo deferimento foi realizado durante a pandemia. Líder comunitário, o morador destacou que vive e trabalha na localidade e que cerca de 80% das pessoas da região trabalham no mercado informal. “Estou na luta pela moradia. Aqui, no Tororó, nós temos um vínculo afetivo e familiar. É onde eu vivo, é da minha biboca aqui, nessa comunidade, que tiro o meu sustento”, afirmou.
No município de Santo Antônio de Jesus, situado no Recôncavo baiano, a comunidade Nova Canaã também é alvo de Ação de Reintegração de Posse durante a pandemia. Na localidade, o ex-caminhoneiro Emilson Peixoto sentiu-se obrigado a se alocar com esposa e filho para ter um teto para morar.
“Se uma pessoa sair da sua casa, irá para onde? Morrerá de depressão, de coronavírus ou vai cair na criminalidade. Eu me senti obrigado a ocupar esse espaço. [Quando chegamos] era cheio de lixo hospitalar, mas nós limpamos o local, fizemos uma área coletiva que hoje em dia dá gosto para qualquer pessoa entrar em nossa comunidade. Mas vemos que tem gente que quer derrubar o sonho das pessoas [de ter a própria casa]. Há uma ordem de despejo, mas nós vamos para onde? Se estamos aqui, não é porque queremos, mas por necessidade”, afirmou Emilson.
Os depoimentos foi colhidos nesta quarta-feira, 3, durante a participação da Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA na reunião da campanha Despejo Zero, que foi realizada com Tribunal de Justiça da Bahia – TJBA, representado pelo Juiz . Trata-se de uma ação nacional que visa sensibilizar o judiciário baiano a fim de suspender despejos ou remoções, de iniciativa pública ou privada, respaldada em decisão judicial ou administrativa, que tenha como finalidade desabrigar famílias e comunidades urbanas ou rurais.
Convidada a participar da reunião pela Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo, a qual também esteve presente, a DPE/BA foi representada pelo defensor público Pedro Fialho e pela defensora pública Bethânia Ferreira, a qual atua no Núcleo Fundiário.
A defensora pública abordou a função constitucional de Defensoria, questionou a urgência da realização de despejos no período de pandemia e pontuou que a pauta não tratava apenas do direito à moradia.
“Trata-se também do direito à própria vida. Tudo que está sendo discutido aqui é muito mais amplo e não se soluciona em tão pouco tempo, mas o que essas pessoas pedem aqui, hoje, é que Vossas Excelências compreendam que, muitas vezes, uma reintegração de posse ou despejo não merece um grau de urgência nesse momento, pois cumprir uma reintegração de posse mobiliza várias pessoas”, explicou.
Bethânia Ferreira também destacou que as pessoas que moram em ocupações são muito vulneráveis e, por isto, estão mais expostas ao Coronavírus quando considerada grande parte da população.
“Submeter essas pessoas a remoções forçadas nesse momento é fazer com que elas se submetam a uma situação ainda pior do que a que estão vivendo. As pessoas ocupam terrenos abandonados, onde aquelas pessoas proprietárias deixaram de lado e não deram utilização conforme as normas Constitucionais. Nós não pretendemos com esse pedido que a Corregedoria ou a Presidência [do TJBA] invada a decisão de um Juiz. O que a gente quer é que não haja cumprimento dessas decisões nesse momento e, então nós faremos nosso trabalho jurídico de discutir, em cada processo, a questão – se deve ou não haver, em algum momento, a reintegração de posse o a remoção”, argumentou a defensora pública.
O representante da campanha nacional Despejo Zero destacou a importância da sensibilização do Judiciário para diminuir o conflito em torno de uma situação de reintegração de posse e também sobre a existência de muitas famílias que encontram-se na iminência de perderem suas casas.
“É muita gente que perdeu sua moradia ou está ameaçada. Por isso, temos tentado dialogar com os Tribunais de Justiça para que possam tomar medidas de sensibilização, recomendação, decisão no sentido de adiar as reintegrações de posse nesse período. Aliás, precisamos fazer no Brasil uma moratória dos despejos. Vários países têm conseguido fazer isso, mas especialmente no Brasil não temos conseguido um posicionamento mais sensível dos Poderes. Claro que há exceções, mas essas questões não podem ser mais um ato isolado”, defendeu.
Após o pronunciamento dos presentes, o Juiz Assessor Especial da Presidência do TJBA, Fábio Alexsandro Costa Barros, comentou sobre a importância da discussão, a consistência dos argumentos apresentados e também sobre a urgência da pauta. As questões pontuadas na reunião virtual serão encaminhadas para a Presidência do TJBA.
“Parabenizo a todos, não apenas os que falaram hoje, aqui, mas todos os que estão presentes nesta reunião virtual. Estão todos irmanados a uma causa nobre e não é um pleito individual, é um pleito de uma parte da sociedade que vem encontrando uma série de dificuldades e isso é de extrema importância, especialmente para nós, do Judiciário, que não temos essa oportunidade de estar como os senhores, verificando a realidade das pessoas que estão sob um teto, mas na iminência de serem desalojados. É uma atitude muito grandiosa.”, finalizou o Juiz.
Além da Defensoria da Bahia e da Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo – que é formada pelas comunidades do Tororó, Nova Canaã, Gamboa de Baixo -, a reunião envolveu, entre outros, advogados, representantes do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, do Grupo de Estudo Reparação Plena e Integral (PTDS-UCSAL), do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), da Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Estadual de Feira de Santana, além dos Grupos de Pesquisa Territórios em Resistência; Ecologia Política, Desenvolvimento e Territorialidades; e Gestão democrática das Cidades.
*Almir é um nome fictício