COMUNICAÇÃO

Defensoria Púbica absolve Luiza Mahin em Júri Popular após 181 anos da Revolta dos Malês

23/11/2016 21:54 | Por Rachel Koerich - DRT 4820/BA (texto) Alessandra Lori (fotos)

Evento inaugurou a série Júri Simulado – Releitura do Direito na História e reuniu estudantes de Direito e de História, assim como militantes do movimento negro.

“Sim, sou um negro de cor. Meu irmão de minha cor. O que te peço é luta sim. Luta mais! Que a luta está no fim”. Foi assim, entoando as palavras de Wilson Simonal, que o defensor público Maurício Saporito, no papel de Juiz, proferiu a sentença que absolveu Luiza Mahin, em Júri Simulado organizado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, pelas acusações de conspiração contra a Coroa Portuguesa, em 1835.

O evento, que aconteceu na manhã desta quarta-feira, 23, no Teatro da Uneb, inaugurou o projeto piloto Júri Simulado – Releitura do Direito na História, uma série pensada pela Defensoria Pública com a proposta de garantir o resgate dos direitos de personagens da história popular que, à época, não puderam exercer a prerrogativa de todo acusado: o contraditório e a ampla defesa efetiva.

Interpretada pela atriz do Bando Teatro Olodum, Valdinéia Soriano, Luiza Mahin, sob o olhar ansioso e atento de 200 espectadores, foi levada a júri popular (escolhido por sorteio entre os presentes), e conseguiu, após 18 décadas da Revolta dos Malês, a absolvição por unanimidade dos jurados de todas as acusações. A sua defesa foi assegurada de forma emocionante pelo defensor público Raul Palmeira, em contraponto a uma acusação marcada pelo racismo da época, interpretada com maestria pela defensora pública Soraia Ramos. Ao defensor público e subcoordenador da Especializada Criminal e Execução Penal Maurício Saporito, coube o papel de juiz.

(Confira as fotos no Flickr Defensoria Bahia )

JÚRI SIMULADO

Como parte das atividades desenvolvidas pela Defensoria em homenagem ao Novembro Negro, a personagem escolhida para a primeira edição deste evento foi a líder malê e mãe do poeta e abolicionista Luiz Gama, Luiza Mahin, acusada, há 181 anos de crimes de conspiração e insurreição contra a coroa portuguesa, por conta do seu envolvimento na Revolta dos Malês.

O subdefensor público geral, Rafson Ximenes, coordenador do projeto de júris simulados, explicou a escolha: “nesse contexto a gente pensou em ter uma liderança do movimento negro e uma liderança do movimento de mulheres, diante disso, decidimos abordar a revolta dos malês e destacar um símbolo dessa revolta e das mulheres negras do estado da Bahia, Luiza Mahin, que é um personagem indiscutivelmente com uma história polêmica, cheia de controvérsias, mas muito representativa das mulheres e da população pobre baiana.”

Sobre a dinâmica, o defensor público Maurício Saporito, que interpretou o juiz, explicou que apesar de se tratar de um crime, a tentativa foi de simular um julgamento que deveria ter acontecido na época. “Como não temos todo o aparato judicial e usamos outro modelo de júri, adaptado para um júri atual, a dinâmica foi a que está no processo penal com algumas adaptações de tempo. É importante que fique claro que foi uma simulação, e não um teatro, e o resultado foi uma surpresa, dependeu dos jurados, tudo isso foi necessário para que se pudesse reproduzir um julgamento que teria acontecido”, destacou.

A atriz Valdineia Soriano disse ter ficado feliz com o convite para dar voz à Luíza Mahin, porém nervosa por interpretar uma mulher de representatividade tão forte e ainda por cima em um projeto piloto. Valdinéia explicou ainda um momento de choro durante o julgamento: “enquanto mulher negra, eu me senti tocada, houve momentos da acusação que parecia que aquela fala era para mim. E depois vem Raul com aquela defesa linda. Foi realmente emocionante. Um projeto que mexeu verdadeiramente comigo”.

O Defensor Geral do Estado da Bahia, Clériston Cavalcante de Macêdo, avaliou o evento como extremamente positivo. “É grandioso compreender a história do nosso povo e reinventar a nossa existência. A maneira como isso foi colocado pelos colegas, que coletaram de livros fragmentos da história, aqui e ali, realizando quase um trabalho de historiador, mostra o outro lado da história que as pessoas talvez não conheçam. Esse foi apenas o primeiro passo de uma série que se propõe a conhecer melhor e apresentar mais fidedignamente a participação histórica de heróis baianos e brasileiros”, afirmou.

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A ouvidora-geral da Defensoria Pública da Bahia, Vilma Reis, vê na absolvição de Luiza Mahin um dia de muita felicidade: “para todas nós que lutamos pelo direito, pelo acesso à justiça na Bahia e no Brasil, o que nós estamos fazendo é batalhando para que haja justiça e para que as pessoas que realmente lutaram pela liberdade, que elas sejam evidenciadas. Isso é para o nosso povo que está vivendo as mesmas angústias e humilhações que os nossos viveram no passado hoje possam ser reparados, principalmente no sistema de justiça”.

A série Júri simulado – releitura do Direito na História é um projeto dos defensores públicos Rafson Ximenes – subdefensor público geral do Estado, Raul Palmeira – que durante muitos anos atuou no Júri, e Eva Rodrigues – subcoordenadora da Especializada de Direitos Humanos.

O JÚRI NA VISÃO DO PÚBLICO

A secretária estadual de Promoção da Igualdade Racial – Sepromi, Fábya Reis, afirmou que o julgamento promovido pela Defensoria teve uma importância fantástica para o movimento feminista negro. Em sua opinião, a iniciativa mostra todo esforço de movimento negro feminista, reafirmando a figura de Luiza Mahin.

A estudante de história na UFBA, Rebeca Benevides, foi uma das pessoas presentes na plateia de hoje. Para ela, um aspecto interessante do julgamento foi a forma como foram apresentados os discursos e interrogatórios, com respostas e argumentos que mesclavam passado e o presente, criando um cenário verossímil: “A gente acabou nem percebendo a movimentação de passado e presente, não aconteceu aquele incômodo anacrônico, especialmente quando o defensor Raul Palmeira lembrou que quem deveria estar ali, defendendo a mãe, deveria ser Luiz Gama. A Defensoria acertou em cheio”.

Outro exemplo sobre a mistura de tempos diferentes é que, durante o interrogatório, foi perguntado a “Luiza Mahin” quais eram as pessoas que frequentavam a sua casa. A resposta trouxe personagens do passado e do presente, entre eles, a militante da Rede de Mulheres Negras da Bahia e ex-ouvidora da Defensoria Tânia Palma, que estava assistindo ao julgamento. Tânia Palma comemora a iniciativa da Defensoria Pública enquanto uma ação de fim pedagógico e histórico que reconhece o protagonismo de mulheres negras, porém lembra: “é preciso trazer à luz o julgamento de Luiza Mahin dentro da perspectiva da atualidade no que representa o encarceramento da maioria da população negra hoje”.

O secretário do Conselho Superior da Defensoria Pública, Diogo de Castro Costa, foi um dos sorteados a compor o júri e para ele, a experiência foi bastante enriquecedora: “é muito importante que a Defensoria esteja à frente disso, já que ela defende as minorias. Foi tudo muito emocionante. É muito triste pensar que em outros tempos o resultado desse julgamento teria sido diferente”. PALESTRA

Depois de proferida a sentença, a plateia foi presenteada com uma palestra da educadora e secretária de Política para Mulheres, Olívia Santana. De acordo com ela a iniciativa da Defensoria foi inovadora: “Negros e negras sempre foram invisibilizados pela historiografia oficial, principalmente as mulheres negras. Há sempre vestígios, mas não uma documentação consistente que possa de fato registrar a nossa trajetória de resistência. É preciso ir mais fundo, pesquisar e oferecer ao público as informações sobre a nossa luta. Simular esse julgamento é beber direto da fonte da história e desenhar um futuro melhor para o nosso povo”.

Confira as fotos no Flickr Defensoria Bahia

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