COMUNICAÇÃO
Defensoria Pública da Bahia trabalha para o fim da revista vexatória
Os defensores públicos Pedro Bahia, Nelson Côrtes, Aldo Sampaio e Roberta Braga representaram a Defensoria Pública da Bahia na Audiência Pública realizada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, sábado, 29, na capital paulista. A participação dos defensores baianos faz parte de um intercâmbio que é mantido entre as duas instituições, principalmente em questões relacionadas à área de crime e execução penal.
A parceria surgiu com a Carta de Salvador, documento que resultou como conclusão do I Encontro Brasileiro de Defensores Públicos em Execução Penal, ocorrido em setembro do ano passado, na capital baiana. Na ocasião, representantes das Defensorias Públicas de diversos estados discutiram vários temas relacionados à atuação da Instituição nesta área, firmando acordos e compartilhando experiências bem sucedidas.
Os defensores atuam na Especializada de Crime e Execução Penal da Defensoria Pública da Bahia, que trata, prioritariamente, de questões relativas aos presos da capital e do interior do estado. A audiência pública "Revistas íntimas de visitantes em unidades prisionais do Estado de São Paulo" teve como objetivo principal, ampliar o conhecimento do tema e colaborar com encaminhamentos, a fim de que os procedimentos de revista tornem-se mais dignos para os familiares dos presos e para agentes de segurança penitenciários.
No encontro, conduzido pela Ouvidoria Geral da Defensoria paulista, representantes de diversas instituições, públicas e privadas, estiveram presentes. Até mesmo organizações internacionais debateram os temas ali tratados. O que demonstra a importância que esta questão vem ganhando ultimamente.
A audiência - Durante a audiência, foram ouvidos familiares e egressos do sistema prisional, assim como servidores do sistema penitenciário, representantes da sociedade civil, movimentos sociais, entidades ligadas à área de situação carcerária, especialistas e órgãos estatais. Todo o material servirá para subsidiar ações da Instituição a fim de alcançar seus objetivos.
"É também uma forma de chamar a atenção da sociedade para os problemas enfrentados por familiares de presos, constantemente submetidos a um conjunto de procedimentos constrangedores, que ficou mais conhecido como revista vexatória", disse a ouvidora geral, Luciana Zaffalon.
Representantes de movimentos organizados, pessoas comuns e familiares de presos, deram seus testemunhos sobre as experiências que vivenciaram. Como foi o caso de Cremilda Teixeira. Embora seja uma pessoa idosa, isto não foi levado em conta pelos agentes responsáveis pela revista. Ela emocionou a todos, quando relatou "o estupro institucionalizado sofrido pelo seu corpo", denunciando, ainda, que "com ordem e autorização do estado, foi submetida à revista íntima, e, como se não bastasse, as denúncias que fazia através de blogs e cartas trouxeram como consequência agressões e retaliações ao filho, durante o período de cárcere", contou.
Outros depoimentos marcantes se seguiram, sendo que todos relatados por mulheres. Elas são, preferencialmente, as vítimas desse tipo de revista. É uma forma, segundo repetidas afirmações, de o Estado buscar reafirmar o domínio sobre o corpo das mulheres. Esta situação foi reforçada com o depoimento de uma estudante da USP, que relatou outro tipo de revista feita em seu corpo. Detida de forma arbitrária, durante as manifestações do ano passado, ela foi fichada e encaminhada para uma delegacia. "Lá, eles nos separaram em dois grupos: homens e mulheres. No entanto, somente nós, mulheres, fomos submetidas à violação do nosso corpo e invasão de nossa intimidade", relatou. Outros vários depoimentos se sucederam com o msmo enfoque.
Para o defensor Pedro Paulo Bahia, "a revista vexatória também está presente no sistema prisional baiano e deve ser tratada como um procedimento ineficaz e nefasto para a segurança pública, pois, afasta dos internos os seus amigos e familiares, que, efetivamente, são os responsáveis pela prestação afetiva, material e psicológica do interno. Com isso, prejudica em demasia a sua ressocialização, além de ser um crime contra quem se torna objeto deste procedimento".
Heidi Ann Cerneka, representando o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), alertou para o fato de que o agente penitenciário não é policial e que os danos são tanto para a vítima quanto para os agentes. Apenas para ilustrar a que tipo de absurdo pode chegar tal situação, ela citou um caso real de ter sido encontrado 10 centavos no bolso de uma calça, durante a revista, e o visitante ter sofrido uma suspensão de 90 dias.
Já o padre Valdir João Silveira, da Pastoral Carcerária da Igreja Católica, abordou o tema destacando, especificamente, a ineficácia da revista vexatória. Para ele, a revista é apenas uma forma de se encontrar um "culpado" para a questão da entrada das drogas e das armas nos presídios. "Isso pode ser comprovado pelo simples fato que de que depois de qualquer revista nas celas dos presídios, são encontradas armas, celulares, drogas e outros objetos. Geralmente, o abastecimento não é feito pelos familiares dos presos", destacou.
Para confirmar este argumento foram apresentados dados estatísticos durante o evento. Os números demonstram que não são os visitantes dos internos os grandes responsáveis pelo ingresso de substâncias ilícitas, armas ou outros instrumentos em unidades prisionais. Segundo as avaliações, a intenção do procedimento é de dessocializar as famílias dos presos, segregá-lo ainda mais.
"Trata-se de uma política deliberada para dificultar o ingresso e visita de seus familiares, e tentar justificar o injustificável, impondo aos internos e seus familiares uma culpa que, sabidamente, pertence ao Estado Administração", avalia o defensor Nelson Côrtes.
Para ele, a participação no evento terá desdobramentos positivos. No curto prazo, os contatos com parentes dos internos e as declarações prestadas serão exibidas na audiência pública que será realizada, em breve, em Salvador. Também uma cópia das gravações servirá para que alguns pontos mais importantes sejam destacados no evento. Noutra vertente, o material produzido pelas ONGs que atuam junto à Defensoria de São Paulo, servirá para a coleta de dados e preparação da audiência pública aqui, inclusive com a participação de alguns dos convidados presentes na capital paulista.
Mudança na lei - Tramita no Senado o projeto de lei 480/2013, para alterar a Lei 7210/84 - Lei de Execução Penal - determinando que "a revista pessoal, a qual devem se submeter todos que queiram ter acesso ao estabelecimento penal para manter contato com pessoa presa ou ainda para prestar serviços, será realizada com respeito à segurança de estabelecimentos penais e também com respeito à dignidade humana".
Na proposta, atualmente na Relatoria, fica "vedada qualquer forma de desnudamento, tratamento desumano ou degradante; define revista manual; estabelece as hipóteses em que será admitida a realização de revista manual; determina que, caso a suspeita de porte ou posse de objetos, produtos ou substâncias, cuja entrada seja proibida, persista após o uso de equipamento eletrônico ou a realização de revista manual, ou ainda o visitante não queira se submeter a esta, a visita poderá ser realizada no parlatório ou em local assemelhado, desde que não haja contato físico entre o visitante e a pessoa presa".
A lei ainda mantém a revista manual, mesmo estabelecendo as hipóteses em poderia ocorrer. No entanto, o método considerado mais eficaz e sem qualquer constrangimento para os visitantes, seria instalação dos chamados "body scanners", ou seja, os scanners corporais, como os utilizados pelos aeroportos, por exemplo. Várias unidades prisionais de alguns estados, como Minas Gerais, Ceará, Espírito Santo e Paraná, já possuem o equipamento. Basta que o visitante ou prestador de serviço passe pelo aparelho, que mesmo objetos introduzidos no corpo serão registrados pelo, semelhante aos raios X.
"Trata-se de um ato de tortura para com o visitante e que deve ser extirpado do sistema penitenciário brasileiro. Aqui na Bahia já tínhamos oficiado o secretário para Assuntos Penitenciários e Ressocialização (SEAP) sobre esta grave e aviltante violação de direitos humanos. No mesmo documento, informamos sobre os meios mais eficazes, viáveis e dignos substitutivos das revistas, como a utilização do ‘body scanner', fornecido pela União através de convênios, a exemplo do Ceará e Espírito Santo. Contudo, o que se objetiva é a imediata interrupção desta prática", explica Pedro Bahia.
O defensor público do sistema prisional paulista, Patrick Cacicedo, disse que a audiência busca subsidiar ações futuras, inclusive levando casos de revistas vexatórias para julgamentos em cortes internacionais de direitos humanos. "Esta audiência pública quer reforçar e municiar a rede de combate a esses procedimentos, como também unir esforços para a aprovação da lei que proíbe esta postura, extirpá-la do sistema, de imediato", afirmou.
Para o subcoordenador da Especializada de Crime e Execução Penal, Alan Roque de Araújo, esta é mais uma etapa do trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública, no sentido de também acabar com esse tipo de prática nas unidades prisionais da Bahia. "A revista vexatória não é apenas um constrangimento para as pessoas, principalmente as mulheres, que vão visitar seus parentes no presídio. É, antes de tudo, uma violação aos direitos humanos, porque transgride regras básicas de respeito à dignidade das pessoas", diz.
Organizações internacionais também estiveram presentes, como o Conectas Direitos Humanos. A advogada Vivian Calderoni se comprometeu em atuar na questão baiana, no sentido de reforçar o projeto institucional em curso.
"Essa realidade vivenciada no Estado de São Paulo, infelizmente, não é distante da baiana. Por esta razão, aproveitamos a oportunidade para trocar experiências que irão contribuir para realização pesquisas e ações mais voltadas à realidade específica das unidades prisionais do Estado da Bahia", comentou a defensora Roberta Braga, da 3ª Regional da Defensoria Pública de Ilhéus, que também participou do encontro.
Ela disse, ainda, que diversos materiais utilizados pela Defensoria Pública de São Paulo, como depoimentos audiovisuais de vítimas de revista vexatória, cartilhas, peças processuais, julgados do Tribunal de Justiça, além de dados estatísticos de pesquisas realizadas nas unidades prisionais naquele estado, servirão para o desenvolvimento de ações da Defensoria no âmbito do sistema prisional da Bahia.
A defensora ressaltou, também, que participação da Defensoria Pública da Bahia foi enfatizada pela organização do evento, como fundamental para o fortalecimento e união das defensorias em âmbito nacional, numa luta que é de todos os cidadãos brasileiros.