COMUNICAÇÃO
Defensoria Pública questiona gestão dos presos provisórios da capital
A questão carcerária no Brasil vem assumindo, cada vez mais, uma dimensão de alta complexidade, que exige do poder público compromisso com as políticas públicas e soluções efetivas para a gama de problemas que se acumulam. O país tem, hoje, depois dos EUA e da China, a terceira maior população de presos, de 549 mil. Na Bahia não é diferente. Em Salvador, este também é dos principais desafios da Subcoordenação da Especializada Criminal e Execuções Penais da Defensoria Pública.
Mesmo depois de conquistas importantes, como a implantação do Núcleo de Prisões em Flagrante (NPF), na Cadeia Pública da Mata Escura, e a transferência quase que total do contingente de presos provisórios nas delegacias da capital, outros novos problemas vão se desenhando e mostrando, assim, a precariedade do sistema prisional do estado.
"Problemas de gestão que se refletem na individualização, na identificação e no efetivo controle do preso, como custodiado do Estado, aliados à disponibilização e confiabilidade dessas informações gerada pelo sistema, têm inibido, e até mesmo impedido, a firme atuação da Defensoria", explica o subcoordenador da Especializada, Alan Roque.
O defensor público refere-se aos problemas gerados como consequência do processo de transferência dos presos das delegacias para as casas de acolhimento de presos provisórios, realizado pela Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP). A situação tem se mostrado mais grave, principalmente, na Cadeia Pública de Salvador.
Há muito que a Defensoria Pública, através da Especializada, vem travando uma verdadeira batalha, no sentido de retirar das delegacias os presos provisórios, isto é, aqueles sem sentença condenatória. "Conquistamos esta importante vitória, porque consideramos que as delegacias não podem se tornar depósito de presos. Mas, por outro lado, esse processo de transferência para outras unidades prisionais tem revelado as fragilidades da atual estrutura do sistema carcerário estadual", avalia o defensor Alessandro Moura, integrante da equipe que atua na Especializada.
Para a Defensoria, são diversas as questões relacionadas com a estrutura da própria SEAP, como, por exemplo, a falta de pessoal mais qualificado e o processo de informatização dos dados. Além do controle efetivo sobre a população carcerária, no que diz respeito à garantia dos seus direitos e correto cumprimento das penas.
Isto significa dizer que o Estado, responsável legal não só pelo cumprimento das penas, determinadas pela justiça, como também pela integridade física e psíquica dos presos. A conclusão a que chegaram os defensores que atuam nesta área, é de que o Estado não está devidamente aparelhado para cumprir, de forma satisfatória, as suas funções.
A falta desses procedimentos implica a impossibilidades de atuação da Defensoria, seja pelo desconhecimento da situação dos presos sob sua responsabilidade. Nunca é demais lembrar que a atuação da Defensoria está voltada àqueles que não podem constituir um advogado, os chamados hipossuficientes.
"As falhas permanentes no processo de controle sobre a movimentação dos presos, seja a transferência do espaço físico ou a sua condição penal, estão comprometendo cada vez mais o nosso trabalho. Os presos que, por lei, são os nossos assistidos estão de várias formas impedidos receber esse atendimento", relata a defensora Iracema Érica Ribeiro, também da Especializada Criminal e Execuções Penais.
A história se repete... - A fim de ilustrar essa situação, a subcoordenação selecionou alguns casos que são emblemáticos, mostram, de forma inequívoca, que sem a atuação da Defensoria Pública o arbítrio pode alcançar as raias do absurdo. Os fatos demonstram que a justiça por vezes tarda e, ainda assim, também falha.
Um deles refere-se ao caso do Marcos Alves dos Santos, processo n. 0394928.32.2012.9.05.0001, preso em flagrante, em 11 de outubro de 2012, por furto. Custodiado na 28ª Delegacia Distrital (depois transferido para a Cadeia Pública), o juiz da 1ª Vara Criminal de Salvador, Arlindo Alves dos Santos Júnior expediu um alvará de soltura em 19 de agosto de 2013. O motivo da soltura, como consta no documento, é a "absolvição do réu". Também consta no mesmo documento o seguinte: CERTIDÃO "Certifico que nesta data, tendo em mãos o presente Alvará de Soltura, compareci a presente Unidade Prisional, e sendo ai cumprir (sic) o referido alvará. O referido é verdade e dou fé. Salvador, 23/8/13". Seguem a assinatura e a informação: "Oficial de Justiça Cd nº _______" (ficou em branco).
Apesar de tudo isso, a defensora Cynara Fernandes, que também atua na Especializada Criminal e Execuções Penais, no entanto, verificou que o réu ainda se encontrava preso na mesma Cadeia Pública que embora reconhecesse que contra Marcos não houvesse qualquer mandado de prisão, simplesmente não cumpriu a ordem judicial. Casos como este se repetem com frequência.
Outro caso emblemático ocorreu com o cozinheiro Wagner José França de Oliveira, 45 anos. Acusado de furto no município de Tucano (269 km da capital), ele cumpriu três anos de reclusão, a partir de julho de 2007. Logo, a partir de julho de 2010 ganhou liberdade por ter cumprido a pena, em regime semiaberto, integralmente, conforme atestam documentos expedidos pela Vara Criminal daquela comarca, anexados ao processo movido pela Defensoria Pública.
Preso em Salvador em 3 de março de 2013, e posteriormente transferido para a Cadeia Publica sem qualquer mandado de prisão, tendo em vista que a pena anterior já havia sido extinta, Wagner ficou preso até agora em consequência das falhas no controle das informações sobre os presos de uma forma geral. Numa triangulação que envolve as comarcas de Tucano, Serrinha e Salvador, o teor dos documentos anexados ao processo evidencia a completa ausência de sintonia entre os órgãos responsáveis. Como sempre o prejuízo será sempre do preso, como a crônica policial está cansada de relatar casos semelhantes.
Depois de ficar mais de um ano preso sem qualquer justificativa, apenas como mais uma vítima da burocracia oficial, Wagner França sequer cogitou a possibilidade de processar o estado pelas perdas e danos que sofreu por erros de terceiros. Ainda assim, pelo que consta, os responsáveis por essas situações nunca são identificados nem tampouco responsabilizados legalmente. Talvez, por isso mesmo, essas situações sejam tão recorrentes.
Enfrentamento - Em função desses e de outros casos que, com maior ou menor frequência chegam ao conhecimento da Defensoria Pública, o subcoordenador da Especializada, Alan Roque, com outros defensores que atuam nesta área, definiu uma estratégia de enfrentamento desta situação.
"Vamos começar enviando uma série de ofícios às autoridades responsáveis no sentido de exigir a adoção de procedimentos que possam evitar esse tipo de ocorrência, bem como determinamos a abertura de procedimento interno para possível propositura de ação judicial. Sabemos que o sistema tem diversos problemas que refletem diretamente no seu funcionamento. Mas não podemos admitir, em hipótese alguma, que as pessoas pobres, marginalizadas e vulneráveis paguem pela incompetência e irresponsabilidade alheias", disse Alan Roque.
Os desafios da subcoordenação têm se ampliado em função da diversidade das demandas que dizem respeito à atuação institucional da Defensoria Pública. Somado a isso, há o problema de um quadro reduzido de defensores públicos para poder responder à altura os processos decorrentes da própria estrutura social, baseada na desigualdade. Apesar de conquistas importantes garantidas pela Defensoria, há uma batalha permanente para que os direitos dessa população sejam, de fato, assegurados.