COMUNICAÇÃO
Defensoria realiza II Encontro Baiano de Defensores Públicos em Diretos Humanos
A Defensoria Pública da Bahia, por meio da subcoordenação da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, realiza o II Encontro Baiano de Defensores Públicos em Diretos Humanos. O evento, que acontece na Escola Superior da Defensoria Pública (ESDEP), durante os dias 9 e 10, conta com a participação de defensores públicos de outros estados como palestrantes. Assim como no primeiro Encontro, realizado no ano passado, o evento tem por objetivo apresentar e debater temas de relevância para esta área, com o propósito de apontar novas direções, como também possibilitar a adoção de procedimentos institucionais no âmbito de sua atuação.
A solenidade de abertura foi presidida pela defensora pública geral, Vitória Beltrão Bandeira. Também compuseram a mesa o coordenador executivo da Especializadas da Capital, Alan Roque de Araújo, o coordenador executivo das Regionais, Ussiel Elionai, a subcoordenadora da Especializada de Proteção dos Direitos Humanos, Bethânia Ferreira, o diretor da ESDEP, Daniel Nicory, e o coordenador geral de Saúde Mental da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Lúcio Costa.
Em seu discurso, a defensora pública geral destacou a importância do papel desempenhado pela Defensoria com relação aos direitos humanos. Vitória Beltrão Bandeira ressaltou as iniciativas que vêm sendo implementadas nesta área, que visam a ampliação das atuações da Instituição na defesa e proteção dos direitos fundamentais de seus assistidos. "Temos desenvolvido um trabalho com foco especial na questão dos direitos humanos. Isso significa dizer que as mulheres, a diversidade de gênero, as pessoas privadas de liberdade, pessoas idosas, além de outros grupos vulneráveis, contam com a atuação permanente, e cada vez mais qualificada, da Defensoria na garantia de seus direitos. Esse é o nosso compromisso", afirmou.
Desfeita a mesa de abertura, o primeiro painel, "Defesa dos Direitos da Mulher", teve como palestrante a defensora pública de Roraima e coordenadora da Comissão Especial de Direitos da Mulher do Condege, Jeane Xaud. A debatedora e a relatora foram as defensoras baianas, Firmiane Venâncio e Carolina Araújo, respectivamente.
Painel I
Em sua exposição Jeane teceu um panorama da legislação referente aos direitos da mulher, passando pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição de 1988, convenções internacionais, mas com destaque para a Lei Maria da Penha. Segundo ela, sua intenção era suscitar o debate sobre questões importantes que vão surgindo neste novo cenário.
Apesar de destacar os avanços conquistados com a edição de leis e também de políticas públicas voltadas para a mulher, a defensora reconheceu que os índices de violência praticada contra a mulher ainda são muito altos. "Precisamos fazer com que esta rede de órgãos públicos esteja efetivamente articulada, para enfrentar este enorme desafio. Temos uma barreira de caráter cultural que é um dos maiores obstáculos para que consigamos vitórias mais significativas nesta batalha, de respeito e dignidade quanto aos direitos da mulher", comentou.
Na condição de coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM), Firmiane não só destacou esse aspecto cultural, a questão prevalecente do machismo, como também o viés econômico que submete a maioria das mulheres a situações consideradas degradantes, até mesmo por sua extrema dependência. "Romper com essa lógica não é uma tarefa simples e nem fácil. A nossa experiência aponta que temos de adotar novas estratégias para enfrentar os problemas que são inerentes a esse contexto", disse a defensora.
Painel II
O segundo painel abordou o tema "Aspectos legais da internação, saúde mental e o uso abusivo de álcool e drogas". O psicólogo Lúcio Costa, da SDH, apresentou, inicialmente, um sucinto histórico das formas de tratamento das doenças mentais. Com base nos escritos de Foucault, a história da loucura mostra quem são as pessoas que devem ser apartadas do convívio social. "Nossa lógica, hoje, não é muito diferente, mudam-se as estratégias, os meios, mas os fins são os mesmos: manter alijados do processo produtivo aqueles considerados ‘sem local social', os que não produzem e nem consomem, os que estão sempre à margem dos processos sociais", avaliou Costa.
Ele também discorreu sobre a combinação psiquiatria/criminologia, como expressão legal do discurso da ordem. Apresentou uma pesquisa da SENAD/Fiocruz sobre o perfil dos consumidores de crack no país. Citou alguns casos que exemplificam situações absurdas, do ponto de vista jurídico, mas que encontram sustentação em diagnósticos médicos, como a polêmica em torno da internação compulsória. Lembrou a teoria de Lombroso, sobre as características do "criminoso inato", assim como a construção cultural dos dias de hoje que acaba por discriminar e perseguir algumas populações específicas.
Embora reconheça importantes avanços nesta área, como a reforma psiquiátrica e a ampliação dos CAPS, que em uma década passaram de 424 para 2.200 unidades no país, o psicólogo analisa que o sentido de saúde precisa ser melhor compreendido. "Ainda predomina em nossa sociedade uma visão de que saúde é ausência de doença. O bem-estar físico e psíquico, que corresponderia ao estado saudável, pode ser alcançado de várias formas. Não pode ser um conceito estático e rigoroso, como vemos em determinadas situações", disse o representante da SDH.
Daniel Nicory, como debatedor, argumentou que diversos aspectos devem ser observados na discussão desse tema, visto as implicações, tanto do ponto de vista jurídico como médico, social e cultural. Ele observou que embora a reforma psiquiátrica tenha trazido uma nova luz a questão da simples internação daqueles que sofrem algum tipo de distúrbio mental, a própria lei não é muito clara com relação aos critérios que devem ser observados, já que comporta mais de uma interpretação. "Devo chamar a atenção para problemas que existem com relação a alguns aspectos da lei, como, por exemplo, os artigos 4º, 6º e 8º que tratam da internação, voluntária ou involuntária e seus responsáveis legais. Primeiro, porque quase sempre não são esgotados todos os recursos extra-hospitalares, para que haja a internação. Depois, porque sabemos que, às vezes, os próprios familiares querem ser ver livres daquela situação. É um quadro muito complexo", afirmou Nicory.
A subcoordenadora Bethânia Ferreira lembrou que dois enunciados foram aprovados no encontro do ano passado, que faz referência a questões relacionadas aos procedimentos que devem ser adotas pelos defensores em situações de internação de pessoas com transtornos mentais. A relatora do painel foi a defensora baiana, Cláudia Ferraz.
Painel III
O terceiro painel trouxe para o debate uma questão que vem, a cada dia, ganhando maior expressão e visibilidade entre os operadores do Direito. O tema "Audiência de Custódia" teve como palestrante do defensor público federal do Amazonas, Caio Paiva. O debatedor foi o subcoordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal, Alessandro Moura, a relatora foi a defensora pública Amabel Mota, também da Bahia.
Paiva trouxe, inicialmente, as resoluções da Organização dos Estados Americanos (OEA) que tratam do procedimento. Destacou, no entanto, que elas não têm poder vinculante. Também a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do Sub-comitê de Prevenção à Tortura, fez recomendações sobre o fortalecimento da Defensoria Pública, em seu âmbito de atuação. Também citou outros organismos internacionais e convenções das quais o Brasil é signatário, mas não efetiva os compromissos assumidos.
O defensor trouxe alguns números sobre a realidade carcerária brasileira, hoje com 560 mil presos (mas se contadas as prisões domiciliares, mais o cumprimento das medidas socioeducativas de infratores adolescentes, o número ultrapassaria um milhão de pessoas privadas de liberdade) e destacou o quadro na Bahia. Com uma população carcerária de pouco mais de 13 mil detentos, 64% deles são de presos provisórios, ou seja, aqueles não ainda não foram sentenciados. Para ele, o número é alarmante, pois a média nacional, considerada muito alta, é de 41%.
O defensor também criticou duramente o sistema de justiça, principalmente o judiciário. "A prisão em flagrante é uma sentença condenatória antecipada. Por outro lado temos a inutilidade comprovada da Lei 12.403 (prisões, medidas cautelares e liberdade provisória) que acabou por potencializar a restrição de liberdade no sistema jurídico brasileiro", disse Caio Paiva.
Ele destacou a importância de adoção da audiência de custódia já que ela tem por propósito coibir a prática de tortura e maus tratos do preso em flagrante (diga-se, prática corriqueira das polícias); exercer um controle mais efetivo sobre as ilegalidades cometidas, assim como combater o encarceramento em massa. "Para mim, a audiência de custódia é o último suspiro de confiança no Judiciário", enfatizou.
Caio Paiva disse que esta questão veio à tona quando da prisão de um afegão em Manaus. Embora a DPU solicitasse, por várias vezes, a audiência de custódia, o juiz federal responsável pelo caso negou todas elas. "Tivemos de adotar uma medida mais radical e ajuizamos uma Ação Civil Pública, que está tramitando, no sentido de estabelecer um procedimento que já deveria ter sido adotado, visto eu o país é signatário do Tratado de São Jose da Costa Rica", informou o defensor.
Alessandro Moura falou sobre a experiência baiana do Núcleo de Prisão em Flagrante (NPF) que por algum tempo conseguiu efetivar a realização das audiências de Custódia. "Tivemos o NPF, instalado nas dependências da Cadeia Pública, no ano passado, mas que, infelizmente, teve suas atividades lá interrompidas sob a alegação de que os banheiros não eram apropriados aos magistrados e que a segurança deles ficou ameaçada durante a paralisação dos agentes penitenciários, em junho último", lembrou o subcoordenador.
Os debates enfocaram os instrumentos legais disponíveis que podem ser adotados como que para forçar a realização da audiência de custódia ou procedimento que o valha. A audiência de custódia, como norma já adotada em diversos países, prevê a apresentação do preso em flagrante a um juiz ou autoridade competente, no prazo de até 24 horas. Apesar de ser um direito da pessoa presa em flagrante, no Brasil, via de regra, o procedimento não é realizado.
Tramita no Senado o PL 554, que "Altera o § 1º do art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante". "Temos de nos articular para pressionar senadores pela aprovação desse projeto de lei, pois ele corrige uma deformação que se perpetua em nosso sistema penal. Por isso, peço aos colegas que marquem presença na votação e mandem notas técnicas para o relator, no sentido de mostra-lhes a importância desta iniciativa", finalizou Paiva.
Painel IV
O último painel do dia abordou o tema "Aspectos sociais, legais e políticos do Direito à Moradia". A palestrante foi a defensora pública do Rio Grande do Sul, Adriana Scherer, que também é coordenadora da Comissão de Moradia do Condege. A relatora foi a defensora baiana, Maíra Calmon, do Núcleo Fundiário da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, o relator, o defensor Alex Raposo, que atua no mesmo núcleo.
A palestrante contextualizou o problema da moradia no Brasil, principalmente depois da Constituição de 88 que tornou este um direito fundamental. Contou um pouco de sua experiência à frente do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia, da Defensoria gaúcha, que fornece suporte à atuação dos defensores nesta área, como também participa da elaboração política de meios de intervenção, mas não faz atendimento à população.
Adriana comentou o aumento significativo do déficit habitacional, principalmente nas grandes capitais brasileiras. No entanto, o fenômeno não se restringe aos espaços urbanos mais adensados, visto que é bastante recente o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida. Ela resumir a atual situação contrapondo três eixos principais: direito à moradia, direito à propriedade e déficit habitacional.
A defensora também criticou a formação jurídica dos agentes envolvidos e a ótica da sociedade civil sobre o direito à propriedade, como uma realidade estanque. Segundo ela, essas vertentes são responsáveis pela grande dificuldade em se obter uma liminar favorável nas decisões judicias, quando se trata de questões dessa natureza.
"A questão dos imóveis vazios em regiões centrais de diversas capitais (inclusive públicos), que servem para consumo de drogas e prostituição, porque não há interesse dos gestores municipais em aplicar os dispositivos legais. Temos, e por via extrajudicial, um grande arsenal de instrumentos legais que podemos lançar mão e que estão no Estatuto da cidade (Lei 11.997/2009)", explicou Adriana.
Ela chamou a atenção para a responsabilidade dos gestores municipais com relação ao direito à moradia, já que existem recursos disponíveis no Ministério das Cidades, mas as prefeituras, em sua grande maioria, não apresentam os projetos técnicos para que possam aplicar esses recursos na construção de moradias.
"Nosso sucesso não é no processo, mas sim na possibilidade de mediar extrajudicialmente. È isso que nós podemos fazer. Esse é o novo paradigma que estamos mudando nas defensorias em nível nacional", disse a defensora.
Maíra Calmon relatou algumas das experiências protagonizadas pela Defensoria em conflitos fundiários em Salvador. Além das questões individuais que chegam diariamente à Instituição, o Núcleo Fundiário acompanha várias situações de embate judicial de reintegração de posse, em áreas cuja ocupação já ocorreu há muito tempo. Com a expansão cada vez maior da especulação imobiliária, os espaços livres que ainda restam na cidade tornam-se objetos de maior valor, e, por isso, foco de disputas judiciais.