COMUNICAÇÃO

Defensorias ajuízam Ação Civil Pública contra a União por editar Portaria que exige notificação à polícia em casos de aborto decorrente de violência sexual

03/09/2020 8:00 | Por Tunísia Cores - DRT/BA 5496 | Foto: Programa Viver Bem
Foto: Programa Viver Bem

O documento é assinado por Defensorias Públicas dos estados da Bahia, São Paulo, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e a Defensoria Pública da União

Uma Ação Civil Pública foi ajuizada pelas Defensorias Públicas dos Estados, dentre elas a da Bahia, e Defensoria Pública da União para buscar a suspensão integral da eficácia da Portaria 2.282/2020, do Ministério da Saúde, que versa sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez, nos casos previstos em lei, no Sistema Único de Saúde.

A nova norma, publicada no Diário Oficial da União na semana passada, obriga profissionais de saúde e responsáveis pelos estabelecimentos a notificar autoridade policial quando acolherem pacientes em casos de indício ou confirmação de estupro. Também caberá aos profissionais de saúde, de acordo com a Portaria 2.282/2020, preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro, tais como fragmentos de embrião ou feto, a serem entregues imediatamente às autoridades policias.

Representando o Núcleo de Defesa das Mulheres – Nudem da Defensoria Pública do Estado da Bahia, a defensora pública Lívia Almeida explica que a medida pode aparentar ser uma medida de segurança para a mulher, mas que isto não condiz com a realidade.

“A obrigatoriedade de comunicação da violência à autoridade policial, assim como a imposição de questionamento à gestante sobre o desejo de visualizar a ultrassonografia do feto e o preenchimento de questionário extenso de risco visam apenas desestimular a mulher a realizar o aborto legal, desacreditá-la, culpabilizá- la e revitimizá-la ”, explica a defensora pública.

Lívia Almeida que também coordena a Especializada de Direitos Humanos, onde está alocado o Nudem, alerta ainda que com a nova norma poderá haver diminuição da realização do procedimento de forma legal e segura, colocando em risco a vida e a saúde das vítimas.

“Mulheres deixarão de procurar o serviço legal por medo ou desconfiança. Precisamos de normativas que amparem as mulheres, que alarguem os direitos e serviços existentes. Essa portaria é um desserviço. Violando inúmeros direitos humanos das mulheres, editam esta portaria e obrigam o Sistema de Saúde, o qual não tem atribuição investigatória, a conferir à vítima tratamento cruel, causador de sofrimento e dor quando o papel é justamente o contrário – o de acolher de forma intersetorial e com especial sensibilidade”.

A Defensoria da Bahia, a Defensoria da União e demais destacam que houve a criação de dispositivos que dificultam o acesso à excludente de ilicitude prevista no artigo 128 do Código Penal, em casos onde a gravidez é resultante de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou do representante legal. Por este motivo, buscam a suspensão da eficácia de diversos artigos (1º, 5º, 6º, 8º) e anexos (I e V) da Portaria 2.282/2020, sob pena de multa diária.

Na prática, esta portaria editada em 27 de agosto de 2020 revoga uma anterior – a Portaria 1508, de 2005, que versa sobre o mesmo tema. No entanto, a revogação acontece por meio de inovações manifestamente ilegais e que não se mostram adequadas e proporcionais às finalidades previstas pelo Código Penal, Código de Processo Penal, pela Lei Orgânica da Saúde e Lei nº 12.845/2013, a qual dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual.

Também há violações a Convenções e Tratados Internacionais, dos quais o Brasil é signatário, o que fere consequentemente os direitos fundamentais à dignidade, intimidade, privacidade, confidencialidade, sigilo médico, autonomia e autodeterminação, bem como impedindo que o direito ao acesso a saúde seja efetivamente integral, universal e humanizado para meninas, adolescentes e mulheres vítimas de violência sexual.

“É assegurado à mulher, desde 1940, o direito à interrupção da gravidez em casos decorrentes de violência sexual. Por isto, as Defensorias enxergam esta Portaria como um retrocesso, como uma política de revitimizacão e culpabilização, como mais uma hipótese de violência institucional de gênero. Esta norma não tem nenhum amparo legal e precisa ser extirpada imediatamente do ordenamento jurídico, pois as consequências para a saúde da mulher são nefastas”, finaliza a defensora pública da Bahia Lívia Almeida.

Além da Defensoria Pública do Estado da Bahia, também assinam a Ação Civil Pública as Defensorias Públicas do Estado de São Paulo, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e a Defensoria Pública da União.