COMUNICAÇÃO
Diretora do Human Rights Wacht Brasil tem encontro com Defensoria Pública
A diretora da organização não governamental Human Rights Watch Brasil, Maria Laura Canineu, esteve reunida, na manhã desta quinta-feira, 28, com representantes da Defensoria Pública da Bahia, para obter informações sobre questões relacionadas aos direitos humanos, principalmente da violência contra os grupos LGBT e funcionamento da do Núcleo de Prisão em Flagrante. Durante o encontro, que aconteceu na Escola Superior da Defensoria Pública (ESDEP), no Canela, a representante da organização internacional também se inteirou dos procedimentos adotados pela Defensoria nessas duas frentes de atuação.
Maria Laura foi recebida pela defensora pública geral, Vitória Beltrão Bandeira, pelo coordenador das Especializadas da Capital, Wagner de Almeida Pinto, pela subcoordenadora da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, Bethânia Ferreira, e pela defensora Iracema Ribeiro, que atua na Especializada Criminal e Execução Penal. O escritório da HRW Brasil está sediado em São Paulo.
Trata-se de uma organização não governamental que atua na questão dos direitos humanos em mais de 90 países. Seu trabalho é reconhecido mundialmente, e um dos seus principais objetivos é buscar a garantia dos direitos humanos, denunciando os atos de arbítrio e violência praticados, geralmente, por agentes do Estado, dando-lhes mais visibilidade e cobrando providências na busca de soluções.
Recentemente, a organização divulgou no Brasil o seu relatório 2014, analisando a violência urbana e os casos emblemáticos dessa prática, envolvendo os agentes da repressão e dos aparelhos de controle do Estado. No país, como uma forma de herança da ditadura, a atuação das polícias, principalmente a Polícia Militar, ainda traz o ranço do arbítrio e da impunidade daqueles tempos. As vítimas, quase sempre, são pessoas pobres, marginalizadas do processo social e econômico. São incontáveis os casos registrados e denunciados constantemente pela mídia, por instituições públicas e entidades comprometidas com a defesa dos direitos Humanos.
Apesar de ter um enorme leque de atuação, já que o país ainda está muito longe de ser reconhecido, na prática, como uma nação garantidora dos direitos humanos, sua vinda Salvador tem como objetivo traçar um diagnóstico sobre a situação dos grupos LGBT e do próprio movimento, tendo em vista sua expressão e referência.
Antes, no entanto, a diretora buscou informações sobre a situação e o tratamento dispensado aos presos no estado, principalmente com referência à violência policial, maus tratos e prática de tortura. Ela ouviu os relatos e considerações dos defensores sobre a realidade, como também da atuação da Defensoria Pública nesta área. Uma das principais questões abordadas foi a do Núcleo de Prisão em Flagrante (NPF), hoje, praticamente esvaziado em suas principais funções, isto é, a não apresentação do preso na audiência de custódia.
A questão surgiu naturalmente pelo fato de haver uma discussão intensa sobre a adoção da chamada "audiência de custódia", procedimento legal que obriga que o preso em flagrante seja apresentado ao juiz num prazo máximo de 24 horas. A medida visa, antes de tudo, inibir a violência policial, manifestada muitas vezes por maus tratos e até mesmo pela tortura. O Brasil, apesar de ser signatário de tratados e convenções internacionais que garantem esse direito ao preso, não cumpre, de forma sistemática, tal preceito.
A defensora pública geral enfatizou a importância da implantação do NPF, em setembro de 2013, depois dos grandes esforços desenvolvidos pela Defensoria para que este objetivo fosse alcançado, já que o termo de acordo, entre várias instituições públicas, entre elas o Tribunal de Justiça, para a sua criação era de 2011. "A transferência do Núcleo, para nós, é um retrocesso, já que os presos não estão sendo mais apresentados ao juiz como era feito quando funcionava na Cadeia Pública, como uma espécie de central de flagrantes", disse Vitória Beltrão.
Na mesma linha, o coordenador Wagner de Almeida, que antes atuava na Especializada Criminal e Execução Penal, destacou que a implantação do Núcleo foi uma conquista importante para os órgãos do sistema de justiça. "Resolvemos uma série de problemas que se acumulavam. O mais importante foi permitir que o preso pudesse ser conduzido para o NPF imediatamente ao flagrante. Isso inibia, de fato, o cometimento de atos arbitrários por parte dos policiais. Ao mesmo tempo, garantia ao preso um contato direto com o juiz, que podia avaliar, de forma imediata, a real situação", relatou o defensor.
Desde maio deste ano, o NPF foi transferido para o Fórum Criminal de Sussuarana impossibilitando a apresentação dos presos ao juiz, já que a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP), não tem a logística necessária para atender a essa exigência. Isto é, na prática, os procedimentos voltaram a ser como antes da implantação do Núcleo, encaminhando-se ao juiz apenas o auto de prisão em flagrante, elaborado pela própria polícia. Segundo os defensores, este procedimento retira do preso a perspectiva de denunciar a ocorrência de qualquer desvio na conduta dos policiais durante toda a ação.
Apesar de a Defensoria Pública ter ingressado com um pedido de procedimentos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a fim de tentar reverter a decisão do TJ. Com relação a esta questão, tramita no Senado o Projeto de Lei 554/2011, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), com emenda do senador João Capiberibe (PSB-AP), aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa (CDH).
Ele altera o art. 306 do Código Penal, dando-lhe a seguinte redação:
"Parágrafo 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação".
Segundo Maria Laura, várias representações da sociedade civil organizada estão acompanhando a tramitação desse projeto, tendo em vista que ela formaliza, na legislação penal brasileira, o procedimento já previsto pelos acordos internacionais que o país não cumpre.
"Ao contrário de países vizinhos, o Brasil não garante que pessoas presas sejam conduzidas imediatamente à presença de um juiz. A aprovação do Projeto de Lei do Senado 554/2011 é essencial para conferir às vítimas de tortura a oportunidade de denunciarem abusos e garantir que os agressores sejam efetivamente responsabilizados", afirma a diretora do escritório Brasil.
LGBT - Com relação aos grupos LGBT, o objetivo da HRW é fazer um levantamento da situação deste grupo com relação ao seu grau de vulnerabilidade. Para isso, além do encontro com a Defensoria Pública, Maria Laura já agendou outros encontros com diferentes representantes do movimento. Além de Luiz Mott, ela também pretende se reunir com Paulete Furacão, que hoje atua na Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania.
De acordo com a subcoordenadora da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, Bethânia Ferreira, a Defensoria avançou muito nesta questão. "Mudamos o enfoque de tratamento dessas demandas, criando uma interlocução efetiva entre a Instituição e os movimentos sociais. Mas, numa ótica diferenciada, não só de conhecer suas reivindicações, mas de encaminhá-las em busca de soluções judiciais ou extrajudiciais. Com o movimento LGBT temos avançado significativamente", disse a defensora.
Bethânia relatou à diretora da organização as iniciativas já adotadas pela Defensoria, como a adoção do "nome social" no âmbito da própria Instituição, e também o encaminhamento da solicitação dessa troca nos documentos de registro civil. A subcoordenadora disse, ainda, que esta luta está começando, visto que várias batalhas terão de ser travadas para que os direitos dessas pessoas possam ser, efetivamente, garantidos.
Outra questão levantada pela defensora foi a das alas específicas destinadas os grupos LGBT nas unidades prisionais. "Na semana passada fizemos um encontro bastante positivo neste sentido e conseguimos um compromisso da SEAP para a implantação dessas alas em duas unidades, como uma espécie de projeto-piloto", informou Bethânia.
Várias outras questões foram abordadas na reunião como propostas de tratamento diferenciado pelos órgãos de segurança, com a identificação específica nas ocorrências; a determinação de motivação homofóbica na prática de violências contra esses grupos; campanhas contra a discriminação, muitas vezes ostensivas, que é praticada nos mais diversos ambientes de convivência; inexistência de uma delegacia especializada, além de outras.
Para a diretora Maria Laura Canineu, a construção de um diagnóstico sobre a situação dos grupos LGBT em Salvador, depende do levantamento dessas informações, principalmente das estatísticas dos casos de violência, como também das políticas que estão sendo implementadas para o enfrentamento dessa realidade.
"Este movimento é forte aqui, em Salvador. Temos mais um desafio pela frente, mas consideramos que o papel da Defensoria Pública é de fundamental importância neste trabalho. Esta parceria, assim como a com outras instituições públicas nesse processo, é estratégica para que alcancemos os resultados esperados, ou seja, um maior controle por parte das autoridades sobre a violência e a impunidade", avaliou a diretora.