COMUNICAÇÃO
DPE/BA consegue prisão domiciliar para homem com câncer terminal receber cuidados e passar últimos dias em casa, em Guaratinga/BA
Debilitado, em uso de cadeira de rodas, homem estava preso provisoriamente desde o fim de 2023 no presídio de Eunápolis e precisava de cuidados. No mês seguinte à sua soltura, ele foi a óbito
Um homem de 50 anos com câncer de próstata em fase terminal foi liberado pela Justiça para cumprir prisão domiciliar, em Guaratinga/BA, após pedido da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA). Ele estava em prisão preventiva no Conjunto Penal de Eunápolis desde novembro de 2023. Dentre as acusações, estava a posse de maconha, ocorrida 20 anos atrás.
No fim de junho, mês seguinte à sua soltura, ele foi a óbito, ainda usando a tornozeleira eletrônica. A instituição havia pedido à Justiça que reconhecesse que o crime já estava prescrito (ou seja, que ele não podia mais ser julgado ou punido, devido ao tempo desde a ocorrência do fato). Também pediu que fosse extinta a punibilidade (quando o Estado perde o direito de processar/punir a pessoa) e que ele respondesse às acusações em sua casa, onde poderia receber cuidados. A decisão judicial acolheu inicialmente apenas o pedido urgente de prisão domiciliar.
A Central de Urgências Criminais da DPE/BA, em Salvador, que atende a pessoas em situação de prisão em todo o estado da Bahia, identificou o caso junto à administração do conjunto penal e à unidade da DPE/BA em Eunápolis. Para o defensor público Fábio de Oliveira, que atua em Eunápolis, o caso reflete a importância de uma Justiça humanizada, que entende as reais necessidades de quem está sob custódia do estado, e o enxerga como sujeito de direitos.
“Ele se encontrava com concreto risco de falecer no cárcere, o que exigiu a rápida atuação da Defensoria. Como se tratava de um preso provisório, oriundo de uma pequena cidade vizinha, onde não havia Defensoria, o caso foi encaminhado à Central de Urgências, que interveio para que ele conseguisse ir para casa e passar seus últimos dias com a sua família”, explica o defensor.
O defensor Daniel Nicory, integrante da Central de Urgências que peticionou no caso, lamentou a morte e o fato de o pedido de prescrição e de extinção da punibilidade não ter sido apreciado a tempo. Embora o fato do óbito ter acontecido com o defendido ainda em uso da tornozeleira eletrônica, para ele, o trabalho da DPE foi importante para dar um pouco mais de dignidade.
“Isso mostra a necessidade de a Defensoria estar em todas as unidades prisionais do estado, atenta a situações como essa. Importante salientar o trabalho conjunto entre os(as) defensores(as) em Eunápolis, que identificaram a demanda, e a Central de Urgências Criminais”, salientou Daniel Nicory. Ele atuou no caso junto a Fábio Oliveira e à defensora Mariana Biderman, de Eunápolis.
Direito a ser cuidado
O artigo 318 do Código Penal determina que o juiz pode substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar quando a pessoa estiver extremamente debilitada por motivo de doença grave; tiver mais de 80 anos; for gestante; for imprescindível aos cuidados de crianças com menos de seis anos ou de pessoa com deficiência, entre outras hipóteses.
Na petição, a Defensoria argumenta que o risco que o juízo viu para decretar a prisão preventiva (quando a pessoa fica reclusa até que seja decidido pela condenação ou absolvição) desapareceu com o estado precário de saúde do réu, “que será encontrado em sua casa ou na unidade de saúde de referência, enquanto estiver se tratando”.
O relatório médico do paciente recomendava terapia fora da unidade prisional ante o “risco de complicações graves dentro da unidade”, já que no estabelecimento prisional não havia possibilidade de tratamento.
20 anos de persecução penal
Em 2003, quando tinha 30 anos, o homem teve uma denúncia formalizada e, entre as acusações, estava a posse de uma pequena quantidade de maconha, que foi apreendida na casa de um parente. O jovem não tinha antecedentes criminais à época. O mandado de prisão foi expedido em 2004, mas ele não foi encontrado pela Justiça.
“Dentre as drogas ilícitas, a cannabis sativa é a menos lesiva, e a quantidade de droga a ele imputada, que nem estava em sua posse, não é grande”, argumenta a Defensoria no processo. Além disso, destaca que ele era réu primário e possuía bons antecedentes na época em que foi denunciado.
Na mesma semana em que o usuário dos serviços da Defensoria faleceu, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal, fixando em 40 gramas (ou seis pés da planta) a quantidade da erva que pode ser armazenada sem que se configure tráfico de entorpecentes. O uso em público continua sendo ilícito, mas agora quem detém em sua posse maconha para uso pessoal responde por infração administrativa, não por crime, e não sofre consequências penais.