COMUNICAÇÃO
Em estudo sobre recomendações do CNJ em casos de flagrantes durante pandemia, Defensoria constata manutenção do perfil social do preso e descumprimento de orientações
Perfil foi traçado com base em 1114 flagrantes ocorridos entre março e junho deste ano, mas estudo considerou 286 casos aleatórios
Nesta quinta-feira, 3, a Defensoria Pública do Estado da Bahia divulgou o resultado do Estudo sobre Impactos da Recomendação 62/20 do Conselho Nacional de Justiça nos Flagrantes Ocorridos em Salvador, Bahia, entre os meses de março e junho deste ano. O lançamento foi realizado virtualmente com transmissão para o YouTube, Twitter e Facebook da Instituição.
O estudo traçou um perfil dos 1.114 flagranteados no período e, posteriormente, selecionou do total 286 casos aleatórios. O lançamento dos dados foi realizado pelos defensores públicos Lucas Marques, assessor de gabinete, e Maurício Saporito, coordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal.
Considerando o perfil geral das pessoas presas em flagrantes, os dados mostram que 96,14% são do sexo masculino, 98,52% são negros (pretos e pardos) e apenas 1,48% são brancos, 17,08% concluíram o ensino fundamental e 4,59% não possuíam residência fixa.
A análise observou que um percentual significativo das pessoas presas possuíam idade inferior a 30 anos e, em 2020, 72% se enquadravam na respectiva faixa etária. Aproximadamente 95% das prisões (1051 pessoas) foram realizadas pela Polícia Militar, 04,31% (48 pessoas) pela Polícia Civil e 1,35% (15 pessoas) pela Guarda Municipal ou outros.
Dos 1.221 custodiados em 2019, 345 (48,87% dos casos válidos) relataram ter sofrido violência, sendo que em 282 (81,74%) casos o preso informou ser a Polícia Militar (em poucos casos em conjunto com outros) a causadora dessa violência. Em 2020, dos 1.114 custodiados, foram encontrados apenas 2 relatos de violência.
Avaliação da efetividade da Resolução 62/2020
Entre as orientações fornecidas pela Recomendação 62, de 2020, do Conselho Nacional de Justiça esteve a não realização das audiências de custódia em caráter excepcional, a proteção à saúde de pessoas que integrem o grupo de risco e a realização do exame de corpo de delito, complementado por registro fotográfico do rosto e corpo inteiro.
Para a realização do estudo da Recomendação, foi extraída uma amostra aleatória de 286 flagrantes, realizados entre 18 de março e 14 de junho de 2020. Constatou-se que em 100% dos casos analisados não houve, antes do proferimento da decisão judicial, a anexação do laudo referente ao exame de corpo de delito na comarca de Salvador, Bahia.
“Houve um alto percentual (92,31%) de expedição de guias para realização de exame de corpo delito. Porém, deve ser ressaltado que isso não significa necessariamente ter sido o exame efetivamente realizado. Registre-se que em nenhum dos casos analisados foi juntado o laudo do exame aos autos”, diz o relatório.
Entre as pessoas presas que realizaram o exame de corpo de delito, 9,85% (26) também disseram ter sofrido algum tipo de agressão física, enquanto que para os que não fizeram o exame esse percentual foi de 25% (5). No que se refere a juntada de registro fotográfico, em 69,12% dos autos analisados na amostra não houve a anexação de fotos, prejudicando a avaliação de torturas e maus tratos pelo magistrado.
Foi possível observar também um baixo percentual de informações de saúde sobre possíveis casos de comorbidades anexadas aos autos do processo durante o período da pandemia: em apenas 11,54% (33) foram acrescentadas tais informações, enquanto que em 87,76% dos casos considerados a informações sobre saúde não foram juntadas ao processo, o que traz prejuízo a efetividade da orientação contida na respectiva recomendação.
Comparativo
O estudo realizou uma comparação com os dados obtidos em 2019. Foram observadas as características dos 1.221 flagranteados no respectivo ano, onde foi constada a manutenção do perfil social: homens (94,35%) e negros (97,68%) são maioria (brancos corresponderam a apenas 2,32%), dos quais apenas 11,32% concluíram o ensino fundamental, sendo que 4,10% não possuíam residência fixa.
Além da manutenção do perfil social, a comparação entre os dados obtidos nos períodos de 2019 e 2020 concluiu também que houve a diminuição na frequência de prisões preventivas, o que deve ser analisado com base nas diferentes imputações realizadas, prejuízo na informação sobre eventual ocorrência de violência no momento da prisão, além da pouca efetividade em trechos específicos da recomendação.