COMUNICAÇÃO

Empresas vencedoras de licitações da Defensoria devem contratar pessoas trans e população em situação de rua

15/03/2022 11:36 | Por Ailton Sena DRT 5417/BA

A alteração na portaria, que já obriga a contratação de pessoas presas e egressas do sistema prisional, é válida para todos os contratos de obras e serviços e se aplica àqueles em vigência desde que haja disponibilidade de vagas.

A dificuldade de acesso ao mercado formal de trabalho está entre os problemas enfrentados pelas pessoas trans em todo o país. Trata-se de um dos reflexos da transfobia manifesta em diversas formas de violência, como as barreiras para acesso à educação formal, ofensas verbais e até mesmo a morte. A ausência de oportunidades de emprego também está intimamente ligada com as vulnerabilidades a que estão expostas a população em situação de rua.

Atenta a essa violação de direitos humanos, a Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA) passa agora a exigir que as empresas vencedoras de suas licitações garantam reserva de vagas para esses públicos. A portaria publicada no Diário Oficial da instituição é válida para todos os contratos de obras e serviços e possui efeitos retroativos, podendo ser aplicada aos que já estão em vigência desde que haja disponibilidade de vagas.

De acordo com o texto, quando o número de trabalhadores(as) necessário para a execução do contrato for seis pessoas e o máximo dezenove, deve haver a disponibilização de ao menos uma vaga. Quando o contingente para a execução do contrato implicar o emprego de mais de 20 pessoas, pelo menos 5% das vagas deverão ser preenchidas pelas pessoas descritas na portaria.

“O nosso objetivo é que a construção de uma sociedade mais plural, em que todos sejam reconhecidos e os preconceitos derrubados, seja mais que um discurso. Que isso seja uma prática não só para exigir dos outros, mas para o nosso dia a dia. Por isso, vamos estabelecer mecanismos para que as pessoas em situação de rua e pessoas trans tenham a possibilidade de se fazer presente na Defensoria Pública da Bahia não somente como assistidos, mas também como profissionais”, comentou o defensor público geral, Rafson Ximenes.

Ele também lembrou que a instituição já adota mecanismo semelhante para promover a inclusão no mercado de trabalho de presos e egressos do sistema prisional. A nova portaria, altera a já existente, incluindo a obrigatoriedade de que as empresas também tenham pessoas trans e em situação de rua no seu quadro de funcionários. “Essa é uma obrigação cumulativa desde que as pessoas que integram esses segmentos preencham os requisitos para cada cargo”, explica a coordenadora da Especializada de Direitos Humanos, Eva Rodrigues.

Capacitação

Para aumentar as chances de empregabilidade da população em situação de rua e das pessoas trans, a Defensoria realizará ações conjuntas com órgãos internos e externos voltadas visando a participação desse público em cursos de qualificação social e profissional, a serem promovidos pela Escola Superior da Defensoria Pública (ESDEP).

“As vulnerabilidades enfrentadas pela população em situação de rua e pessoas trans impactam diretamente no exercício de direitos básicos, como o acesso à educação, por exemplo. Certamente, a promoção de cursos de qualificação pela ESDEP irá melhor capacitá-los, aumentando as chances de alcançarem sucesso profissional”, comenta Eva Rodrigues.

Também com o intuito de fomentar a inserção da população em situação de rua e das pessoas trans ao mercado formal de trabalho, a DPE/BA vai coletar currículos com a finalidade de facilitar a contratação de trabalhadores(as) pelas empresas contratadas. Essa medida procederá a seleção para o preenchimento das vagas e será realizada por meio da Coordenação da Especializada de Direitos Humanos.

Previsão normativa

A adoção de políticas para assegurar a empregabilidade de pessoas em situação de rua é prevista na Resolução 40, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos/Conselho Nacional dos Direitos Humanos. No artigo 142, está previsto que “os entes federados podem assegurar cotas de emprego para as pessoas em situação de rua nas empresas vencedoras de licitações públicas”.

No que diz respeito à população trans, contudo, não existe normativa nesse sentido, mas por entender que não há impedimento e por reconhecer os benefícios em favor da melhoria da qualidade de vida desta população, a Defensoria implementou tal iniciativa.

Atendimento Pop Rua (Arquivo ASCOM)

No Brasil, de acordo uma pesquisa sobre empregabilidade divulgada pelo Dossiê dos ASSASSINATOS e da violência contra pessoas Trans em 2020, da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), 88% das pessoas entrevistadas acreditam que as empresas não estão preparadas para contratar ou garantir a permanência de pessoas trans em seus quadros.

“As pessoas trans já entram em desvantagem no mercado formal de trabalho porque são associadas à sua identidade de gênero e não à qualificação profissional. Há também o componente da hipersexualização, que condiciona essas pessoas a postos de trabalhos com o erotismo que é vendido porque muitas travestis fazem prostituição”, conta a presidenta da Antra, Keila Simpson.

Por outro lado, muitas vezes, desemprego e situação de rua possuem relações paradoxais de causa e consequência: a falta de emprego leva as pessoas às ruas e a situação de rua é uma barreira para ingresso no mercado formal de trabalho. De acordo com último censo nacional da população em situação de rua, realizado em 2008, somente em Salvador existiam 4 mil pessoas em situação de rua. Segundo o documento, elas estavam nas ruas por conta de problemas familiares (48,4%), álcool e outras drogas (37%), desemprego (24,8%) e perda de moradia (11,6%).