COMUNICAÇÃO

Estatuto das Famílias ganha o apoio da Defensoria Pública da Bahia

05/01/2015 15:24 | Por

O apoio foi formalizado em uma moção apresentada ao final do I Encontro Baiano de Defensores Públicos de Família

O Projeto de Lei 470/2013, conhecido como Novo Estatuto das Famílias, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM e defendido no Congresso pela senadora Lídice da Mata, ganhou formalmente o apoio da Defensoria Pública da Bahia nesta sexta-feira (12), último dia do I Encontro Baiano de Defensores Públicos de Família.

O PL trata dos novos arranjos familiares do Brasil, a exemplo da união estável entre pessoas do mesmo sexo, famílias monoparentais - formada apenas por um dos pais e seus descendentes -, adoções, paternidade socioafetiva, alienação parental e famílias recompostas, entre outros temas. Para os idealizadores do projeto, o atual código civil não dá conta deste novo formato de família brasileira, que deixou de ser composta essencialmente por um núcleo formado por homem, mulher e filhos unidos por um casamento.

"O Código Civil brasileiro, embora seja de 2002, começou a ser desenhado na década de 70 e por isso traz conceitos e aspectos que já não traduzem a realidade das atuais questões familiares. O que este projeto pretende é reunir em um só instrumento legal todos os aspectos que a atual legislação não consegue dar conta. Precisamos desmistificar os arranjos familiares existentes e considero este um importante passo de amor e respeito ao próximo, contra a intolerância e preconceito", destacou Lídice da Mata.

A proposta, no entanto, é polêmica e recebe críticas de setores como igrejas e associações de famílias do país, por entender ser o projeto contrário aos interesses das famílias legalmente constituídas. A senadora reconhece que o PL deverá ser amplamente debatido tanto no Congresso como na sociedade, por meio de audiências públicas e, se necessário, receber ajustes e modificações. Atualmente tramita na Câmara dos Deputados o PL 6583/2013, de autoria do deputado Anderson Ferreira - PR/PE, que sustenta o núcleo familiar a partir exclusivamente da união entre homem e mulher e proíbe a adoção de crianças por casais homossexuais.

Para o juiz Alberto Raimundo G. dos Santos, presidente do IBDFAM na Bahia, é indispensável o apoio dos defensores públicos a um estatuto que contribua para a atualização da normatização jurídica e que seja capaz de garantir agilidade e segurança a todas as formas de construções familiares atuais. "Para mim, os defensores públicos são a categoria mais jovem do Judiciário na Bahia. Por isso, é fundamental que percebam como uma atualização do código civil precisa ser coerente com as mudanças ligadas à nova cara da família baiana e brasileira", justificou.

Novo procedimento de declaração e arrecadação do ITD

Convidado para explicar as novas regras de declaração e arrecadação do ITD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Bens ou Direitos, o procurador do estado, Joaquim Araújo, foi o terceiro convidado da manhã. Ele explicou aos defensores públicos que com a Portaria Conjunta PGE/SEFAZ de outubro de 2014, a partir de dezembro, a arrecadação do ITD, antes feita pela PGE, passa a ser feita pela Secretaria da Fazenda, bem como sua declaração. Ainda segundo a Portaria, o cálculo do ITD e a emissão do DAE serão requeridas na unidade fazendária cuja atuação abranja a comarca onde ocorrer o inventário, arrolamento, divórcio ou doação.

Projeto de Lei 117/2013 e a guarda compartilhada no Brasil

Já aprovado no senado e aguardando a sanção ou veto da presidente da República, o projeto de Lei que orienta a guarda compartilhada no Brasil foi apresentado pela defensora pública Marta Almeida. Defendido por alguns e criticado por outros, o projeto regulamenta a guarda compartilhada obrigatória, abandonando o dispositivo da lei 11.698/2008 que estabelecia ser este o procedimento adotado "sempre que possível" no caso de separações. Com a aprovação do novo texto, a divisão equilibrada do tempo de convivência dos filhos com a mãe e o pai será obrigatória se não houver acordo entre os pais, salvo se uma das partes manifestar-se contrariamente.

Na prática, significa dizer que os juízes, nos casos onde o pai ou a mãe não conseguiram estabelecer o acordo sobre a guarda e o compartilhamento das responsabilidades da criança, deverão obrigatoriamente adotar a guarda compartilhada. "A mídia enunciou a guarda compartilhada como a solução dos problemas, mas os opositores da proposta informam que a supressão do ‘sempre que possível' é um equívoco, pois deixa de analisar cada caso individualmente", apontou Marta Almeida. Por outro lado, ela também informou que defensores do projeto baseiam-se no quanto tem sido pífio o número de guardas compartilhadas estabelecidas pelos juízes atualmente.

Outro ponto a ser levado em consideração é que a guarda compartilhada não é guarda alternada. Enquanto uma atribui apenas a guarda a um dos pais, reservando ao outro o papel secundário de visitante do próprio filho, na guarda compartilhada, ambos os genitores são convocados a exercerem de forma conjunta, igual em medida e extensão, a totalidade de sua autoridade.

Um dos aspectos levantados pelos presentes foi como impor a responsabilidade compartilhada quando, na maioria das vezes, as mulheres atendidas pela Defensoria Pública reclamam da dificuldade dos pais em tornarem-se responsáveis pelos filhos. A divisão de despesas com os filhos do ex-casal é também outro ponto delicado já que, com a guarda compartilhada, cai a necessidade de pensão alimentícia a uma das partes.

"Temos como um dos desafios agirmos com sinceridade e nos indagarmos se somos defensores da guarda compartilhada. Se sim, assimilar a dimensão dos princípios que norteiam esse tipo de convivência com base na coparentalidade, mesmo com as dificuldades financeiras dos assistidos", defendeu Marta Almeida. Para ela, algumas das metas dos defensores públicos de família são: reconhecer o direito como alográfico e ampliar a discussão interna do atendimento inicial, atendimento judicial e instância superior. "Devemos lutar e exigir da Administração Superior a criação/manutenção de equipes multidisciplinares em nossos atendimentos e a ampliação das referências de família, que não são apenas aquelas ligadas ao modelo tradicional", sentenciou Marta Almeida.

Poliamorismo

A última exposição do encontro foi a do advogado e mestre em Direito, Luciano Figueiredo, que falou sobre a tutela jurídica do Poliamorismo. Controverso entre os juristas, o poliamorismo ou poliamor é uma teoria psicológica que admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, onde as partes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta. Esta "modalidade de família", onde além do casamento, um dos envolvidos também mantém uma relação estável com outro ou outra gera polêmica ao colocar em um mesmo patamar de direitos e obrigações em ambas as relações.

Luciano Figueiredo discorreu sobre o conceito de união estável paralela e como, no mundo jurídico, é difícil estabelecer um regramento onde se preveja quais direitos são devidos às pessoas envolvidas nas relações de concubinato. Segundo o advogado, desde a Constituição de 1988, há uma pluralidade de modalidades familiares, a exemplo do casamento por meio da união civil, das uniões estáveis e daquela formada por apenas um dos pais - a relação monoparental, por exemplo - mas ainda hoje o código civil não traz qualquer dispositivo quanto à regulação das relações constituídas fora do casamento.

O advogado explicou que o chamado concubinato - conhecido popularmente como caso extraconjugal - não possui regulação jurídica no código civil. No entanto, julgado muitas vezes com base na tese da Monetarização do Afeto em Sede Obrigacional equipara-se a um negócio, onde o direito a ter direitos está pautado na construção patrimonial conjunta. Ou seja, em caso se separação, por não ter status de entidade familiar, o concubino ou concubina terá direitos patrimoniais apenas daquilo que conjuntamente com o outro ajudou a constituir.

Para Luciano Figueiredo, os entendimentos atuais do STF e STJ quanto à impossibilidade de equiparação do concubinato à união estável não levam em consideração ser a traição um fato social no Brasil. O advogado lembrou uma pesquisa feita pela Faculdade de Saúde do ABC Paulista que revelou ser a traição algo comum para 16% dos brasileiros que mantêm um relacionamento estável. "O concubinato é um fato social, mas, infelizmente, o legislador ainda não se debruçou sobre as consequências legais desse tipo de relação, muitas vezes de família paralela", afirmou.

Entre os mais de mil artigos elencados no Estatuto das Famílias, está o artigo 14, que dispõe sobre as consequências jurídicas da família paralela. Pelo projeto, "as pessoas integrantes da entidade familiar têm o dever recíproco de assistência, amparo material e moral, sendo obrigadas a concorrer, na proporção de suas condições financeiras e econômicas, para a manutenção da família". Essa responsabilidade - e a de danos morais e materiais - se estende a quem é casado ou vive em união estável, mas tem um relacionamento paralelo.

Ao agradecer as participações de defensores públicos e especialistas nos temas ao final do encontro, a subcoordenadora da Especializada de Família, Gianna Gerbasi, apresentou aos defensores públicos a moção de apoio formulada ao Estatuto das Famílias e que será enviada à Associação Nacional de Defensores Públicos - ANADEP. Ela também lembrou que os assuntos expostos foram escolhidos criteriosamente por representar alguns dos principais anseios do mundo jurídico na área de Família. Ainda de acordo com Gianna, um segundo encontro deverá ser realizado no primeiro semestre do ano que vem.

Para acessar o texto integral da moção, clique aqui.