COMUNICAÇÃO

Evento na Defensoria integra programação do 1º Ciclo Formativo de Direitos LGBT

05/01/2015 15:25 | Por

A subcoordenadora da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, Bethânia Ferreira, participou, na tarde desta terça-feira, 9, da palestra dialogada "Direito ao Autorreconhecimento da Identidade de Gênero", que aconteceu no auditório da Escola Superior da Defensoria Pública da Bahia (ESDEP), no Canela. O evento faz parte do !º Ciclo Formativo Rede de Enfrentamento à Violência contra LGBT. A iniciativa comemora os 10 anos de políticas públicas voltadas à defesa dos direitos e assistência ao público LGBT, e integra a campanha nacional "Brasil sem Homofobia".

A palestra teve como convidados a pesquisadora do Grupo de Pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS), da Unidade Federal da Bahia, Viviane Vergueiro, se autoidentificando como mulher-trans, e o representante da Comissão da Diversidade Sexual e Enfrentamento da Homofobia, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Filipe Garbelotto, também com atuação no CUS.

Viviane Vergueiro abordou a questão enfatizando que as propostas políticas ali apresentadas iam muito além do campo de estudos, no que se refere a pessoas trans. Para ela, a identidade de gênero independe de critérios médicos ou jurídicos, está ligada à aspectos subjetivos de vivência e inserção no mundo.

Para Viviane, a questão da identidade de gênero não está subordinada à definição do sexo ou da genitália, mas sim, e de formas diferenciadas e individuais, às relações que vão sendo construídas no meio social ao qual pertencem as pessoas. "Cada contexto cultural produz, historicamente, suas referências com relação à questão de gênero. O discurso dominante, eurocêntrico, cristão, colonizador estabeleceu essa dualidade, homem, mulher, feminino, masculino, como modelo único. No entanto, para nós, há uma complexidade muito maior nessa questão que precisa ser compreendida com a devida clareza", afirmou.

Na condição de mestrando da UFBA, sua dissertação enfoca esta temática de forma diferenciada, tentando desconstruir, do ponto de vista filosófico, os parâmetros que até aqui estabeleceram verdades com valor científico e histórico. "A identidade de gênero precisa ser entendida como um direito humano, até mesmo na perspectiva pautada pela ONU e pelos princípios de Yogiakarta (princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero)", enfatizou .

Segundo ela, a centralidade de seus estudos está na chamada autoetnografia, onde o próprio pesquisador vivencia os problemas e fenômenos como seus objetos de estudo. Dessa forma, foge-se de modelos mais rígidos de análise e se criam novos campos de expressão das subjetividades. Neste caso, o indivíduo torna-se sujeito com o seu discurso de efetivação.

Viviane também chamou a atenção para outras questões que não ocupam um lugar de fala próprio, pois são abafadas por outros discursos mais hegemônicos, embora ainda um tanto à parte, marginal. "As vozes trans (referindo-se a pessoas trans e gêneros inconformes), às vezes, são sufocadas dentro do próprio movimento LGBT. Há ataques homofóbicos, mas há também ataques transfóbicos, que não ganham tanta repercussão", explicou.

Para a pesquisadora, a autoidentificação de gênero é um dos principais fatores de reconhecimento. No entanto, para a legislação brasileira, principalmente nas questões jurídicas que envolvem direitos fundamentais, como a mudança do nome social, por exemplo, este aspecto praticamente não tem sido considerado. "Em duas ocasiões, para registro do nome social, passamos por um constrangimento indescritível. A estrutura é alheia a essas questões. Lá, no âmbito da Justiça, é que vemos com mais clareza o ranço dos preconceitos entranhados na expressão e na conduta de seus agentes", declarou Viviane.

Para o advogado Filipe Garbelotto, no campo jurídico existe uma verdadeira batalha a ser travada. O representante da OAB corroborou as falas de Viviane, mas enfatizou que a luta maior era pelo estabelecimento de uma legislação sobre o tema, já que as leis internacionais aqui não têm tanto peso em sua aplicação, principalmente no que se refere aos direitos humanos, de uma forma geral.

Por isso, ele destacou o projeto do deputado federal, Jean Willys (PSOL-RJ), a Lei de Identidade de Gênero, batizado de João Nery em homenagem a um militante da causa, que tramita na Câmara dos Deputados e prevê uma série de garantias e direitos dessas pessoas. "Há uma perspectiva positiva de que, mesmo com as resistências que esse projeto está criando, a lei seja aprovada, até para preencher uma enorme lacuna em nossa legislação. Assim, poderemos ter instrumentos jurídicos eficazes para enfrentar todas essas questões", disse Gaberlotto.

Para a defensora pública, Bethânia Ferreira, a Defensoria Pública vem desenvolvendo uma série de eventos, acompanhados de procedimentos judiciais e extrajudiciais, para ampliar a sua atuação na defesa dos direitos da comunidade LGTB. "Temos nos esforçado, desde o ano passado, para compreender melhor esse universo, todas as questões que o envolvem. Este evento, que também somos parceiro, é mais uma iniciativa de trazer essa discussão a público, sensibilizar as Instâncias de poder e a própria sociedade", afirmou a subcoordenadora.

Para Bethânia, somente com uma legislação apropriada é que esses grupos estarão mais protegidos, com direitos assegurados e perspectivas de reconhecimento legal e social. "Por isso temos de nos empenhar na aprovação desse projeto de lei, não podemos ficar contando com a aplicação de diplomas internacionais, pois nossa experiência mostrar que isso no país não tem muito efeito prático, efetividade", pontuou.

Embora a frequência tenha sido bastante reduzida, o que foi lamentado pelos palestrantes, o debate das questões foi estimulado pelos participantes presentes, em sua maioria, representantes de movimentos LGBT em Salvador. Também presente ao evento, o pesquisador argentino, Lauro Cabral, que muito contribuiu para a criação de uma espécie de estatuto LGBT naquele país. O 1º Ciclo Formativo iniciou-se em 1º de dezembro, em Salvador, com encerramento no dia 10, Dia Internacional dos Direitos Humanos. Foram realizados diversos eventos, em diferentes pontos da cidade, voltados, principalmente, para o debate dessas questões.