COMUNICAÇÃO

Filha rejeitada de Brasília

29/04/2008 19:54 | Por

Artigo de Maurício Correia publicado no site Bahia Já

A Constituição Federal de 1988 conferiu status constitucional às defensorias públicas. Atribuiu-lhes a incumbência da orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. A prerrogativa decorre da garantia expressa nos direitos fundamentais da pessoa humana de que todos os insuficientes de recursos têm direito à assistência judiciária gratuita.

Preocupado com o mandamento constitucional, acompanhei pessoalmente a tramitação do projeto que propunha sua regulamentação. Ponderei aos líderes de partidos políticos sobre a importância da proposta, logrando finalmente que fosse aprovada. Foi em 1993. Converteu-se no que é hoje a lei básica que disciplina o funcionamento das defensorias públicas no Brasil, destinadas aos que não têm condições de arcar com honorários de advogado. A seguir, tive o prazer de referendá-la como ministro da Justiça, logo após a assinatura do presidente Itamar Franco.

A assistência judiciária em nosso país sempre constituiu drama de penosa equação. Alguns estados da Federação em cumprimento ao preceito constitucional baixaram leis regulamentando a carreira de defensor público. Em outros, contudo, o tema ainda não mereceu atenção adequada. A atividade, por isso mesmo, é exercida supletivamente de forma periférica. É o desinteresse por uma área que, para alguns administradores com visão míope, não é elevada ao patamar das prioridades de inadiável implementação.

Por causa dessa distorção, o tema não tem sensibilizado certos estados que teimam em desrespeitar a obrigação constitucional. Quando a cumprem, fazem-no apenas simuladamente sem ânimo para enfrentar a crueza que cerca a vida dos que batem às portas da assistência judiciária. Basta que se vá a qualquer fórum do país para se constatar o martírio por que passam os que a ela têm que recorrer. O número de pessoas que buscam seu auxílio é assustador. São problemas de toda ordem.

Não seria o caso de especificá-los. São fatos do quotidiano da vida nacional consubstanciados em postulações multiformes que desfilam num cenário de penúria dos que precisam de socorro oficial. O encargo, que é dever estatal, não tem sido apreendido por boa parcela dos governos estaduais. Daí o desprezo com que é tratado. Por isso se vê postergado à retórica da indiferença. Não é assunto prioritário, pode ser adiado para quando for possível, alegam. Preferem que os recursos públicos que controlam sejam despendidos com outros setores, sobretudo com os que rendem resultados eleitorais imediatos.

Os estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul possuem modelares defensorias públicas. Poder-se-ia mencionar mais dois ou três outros estados em que os serviços por elas prestados são eficientes. No DF, lamentavelmente, a situação não difere do que, em geral, ocorre no resto do país. São, no momento, apenas 158 defensores públicos para atender uma cidade cuja população já é a terceira maior do Brasil. Do último concurso público realizado para defensor, aguardam nomeação 42 aprovados, que esperam ser chamados.

Enquanto as nomeações não se efetivam, a massa de carentes desassistidos aumenta progressivamente. A maioria das demandas situa-se na área de família. São pessoas que querem se divorciar, precisam de alimentos, das migalhas da partilha e da definição sobre a guarda de menores. É nesse setor que a Defensoria Pública do DF é mais requisitada. É um desespero permanente. As demais ações recorrentes compreendem uma miscelânea melancólica de problemas da miséria humana. São poucos os defensores em Brasília para o atendimento desse verdadeiro pronto-socorro judicial. Não se pode brincar com assunto de tamanha implicação social.

O estranho é que, mesmo havendo dotação orçamentária, não apenas para 42 defensores públicos, mas para 67 - em vigor no corrente exercício -, não houve até o momento empenho para se fazer as nomeações pendentes. A alegação é de que o governo quer priorizar obras públicas, relegando a plano secundário matéria da dimensão social da assistência judiciária.

Os próprios juízes na capital, sobretudo os das áreas sociais carentes, são os mais interessados em que o governo realize o preenchimento das vagas existentes e amplie, o quanto antes, o quadro da carreira. Mais do que ninguém, sabem eles que o número de defensores públicos no DF é visivelmente restrito. Note-se que, em termos de defesa e amparo judicial aos necessitados, a sociedade do DF tem dado sua contribuição. Funciona aqui, por exemplo, a Fundação de Assistência Judiciária da OAB/DF. Mantém quadro de advogados que se dedica à assistência judiciária aos que não podem pagar advogado. Algumas faculdades de direito também organizaram serviços de assistência judiciária e nesse sentido têm participado do esforço.

Em síntese, a sociedade tem feito sua parte. É necessário que o governo faça a sua. É o que se aguarda seja feito antes que a bolha exploda.