COMUNICAÇÃO
Filho de Carlos Marighella visita Defensoria e fala sobre Júri Simulado do pai
Carlinhos Marighella falou sobre o estigma familiar do nome Marighella e das dificuldades por conta da intolerância política
Em razão da 6ª edição do projeto Júri Simulado – Releitura do Direito na História, a Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA recebeu nesta quinta-feira, 07, Carlos Augusto Marighella, advogado e filho do famoso ativista político morto no período da Ditadura Militar brasileira. O encontro aconteceu na sede administrativa da Instituição e o advogado conversou com o subdefensor público geral da Bahia, Rafson Saraiva Ximenes, sobre as vivências e os fatos acontecidos na época da ditadura sob o ponto de vista da família Marighella.
“Nós temos feito vários júris para garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa a personagens históricos e essa é a primeira vez que pudemos conversar com alguém que sentiu na pele os fatos da época. É uma possibilidade de enriquecimento histórico para o projeto, acredito que vai ser um dos julgamentos mais impactantes dessa série”, pontuou o subdefensor-geral, que também é um dos idealizadores do Júri.
Para Rafson Ximenes, é papel da Defensoria Pública escutar as versões que normalmente são excluídas da história, tentar entender todas as acusações a partir destas perspectivas e solidarizar-se com quem sofre a persecução penal e com seus entes e familiares. Segundo o subdefensor-geral, a conversa com Carlinhos Marighella (como é conhecido o filho de Marighela) é representativa do diálogo que os defensores públicos têm no dia a dia do atendimento criminal a familiares de réus “invisíveis”, que estão presos ou respondendo acusações.
“O desafio da Defensoria é dar essa escuta que o filho de Marighella teve hoje para toda população baiana em vulnerabilidade”, ressaltou Rafson, explicando que há muitos assistidos precisando desse serviço em cidades que a Defensoria ainda não pode alcançar.
Silêncio imposto
Conforme Carlinhos Marighella, a versão militar do Estado sobre os fatos e o silêncio acerca da morte do pai ofende a família. “É uma tentativa de imputar a pecha de ser criminoso, assaltante de bancos, quando na verdade estamos diante de uma figura talhada para ser um herói nacional, que teve coragem de lutar contra a ditadura, de colocar a sua vida em risco por causa de um ideal, e que era, ao mesmo tempo, uma pessoa extremamente carinhosa, um pai e um marido amoroso”, fala com convicção.
“As pessoas que se opõem e querem desqualificar não o fazem discutindo o que Marighella fez ou deixou de fazer. Mariguella não pode ser nome de rua, não pode ser nome de escola, não pode aparecer na mídia. Eu acho que essa atividade que a Defensoria está desenvolvendo levanta esse véu de silêncio, de maldição; isso é uma coisa muito importante. A população tem o direito de conhecer, saber a verdade sobre personalidades como Marighella, de se ver refletida nele, orgulhar-se de ter como conterrâneo uma pessoa tão apaixonada pelo povo brasileiro como o meu pai”, encerrou o advogado, agradecendo à instituição pela oportunidade da defesa simbólica do familiar.
Júri Simulado
No próximo dia 13 a Defensoria Pública do Estado da Bahia, através da série Júri Simulado – Releitura do Direito na História, dará a Carlos Marighela, o pai, morto há 50 anos, o direito a um julgamento. Interpretando o político estará o ator integrante do Bando de Teatro Olodum, Fábio de Santana. Após o Júri, o jornalista e escritor Mário Magalhães falará o livro de sua autoria “Marighela – o guerrilheiro que incendiou o mundo” e que inspirou o filme “Marighella”, dirigido por Wagner Moura, que traz Seu Jorge no papel principal. O Júri Simulado acontecerá no Teatro Vila Velha, em Salvador, às 9 horas, com entrada gratuita.
Estigma
Durante a conversa com o subdefensor-geral, Carlinhos Marighella contou sobre o estigma do sobrenome na família – por conta da perseguição política ao comunismo e ao pai, que chegou a ser considerado como o pior inimigo da Ditadura Militar.
Além de ter sido expulso da escola com 15 anos – quando o pai foi preso por agentes do Dops carioca dentro de um cinema na Tijuca ao resistir à prisão – ele lembra de parentes que não puderam entrar no exército (“como assim um Marighella no exército brasileiro”?) e que até mesmo precisaram casar por conveniência para limpar o sobrenome Marighella e poderem ter uma vida normal.
“Seria bom que o público tomasse ciência que as atrocidades contra o meu pai se estenderam para toda a família”, comentou durante o bate-papo.
Perseguição
“Num dia eu era filho de um deputado e no dia seguinte era filho de um proscrito, porque o partido comunista foi extinto, cassado, e expedido contra ele ordem de prisão, que fez com que meu pai tivesse que sumir. Ficou foragido de 1948 até 1955. Minha mãe veio para a Bahia para proteger os filhos”, lembra Carlinhos.
Em seu relato, o filho de Marighela lembra que ficou até 1955 vivendo aqui Salvador. “Eu não tinha certidão de nascimento, porque naquela época para registrar uma criança com o nome do pai era necessário o pai presente. Eu me lembro do constrangimento de minha mãe quando a professora cobrava o documento. Ela chorava. Só fui ter certidão quando Juscelino (Kubitschek) se elegeu em 55 e declara que embora não pudesse legalizar o partido, os comunistas não seriam mais perseguidos”. Segundo Carlinhos, só então o pai o registrou. “Em 56 fui morar com ele, no Rio de Janeiro”, conta.
Quando já estava adaptado no Rio de Janeiro, em 1961, Jânio (Quadros) renuncia. “A polícia invade nossa casa, minha mãe acende a luz vermelha e eu volto para a Bahia, porque ela não queria o filho nas intempéries da política”, prossegue, emocionado, Carlinhos Marighela.
E continua contando: “Veio o golpe de verdade. Ele é baleado e eu sou expulso da escola. No dia que saiu a foto do meu pai, página inteira, no O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, foi o grande evento de 64. Não morre, vai hospitalizado e os jornais exibindo ele algemado. Eu tinha 15 anos”. Segundo Carlinhos, Marighela colocou-o numa escola específica para lhe proteger. “ O que ele não esperava era que, na hora que sai o retrato dele algemado com a versão dos militares – subversivo, perigoso, homem violento, comunista – iriam me expulsar da escola, oficialmente. Meu pai não tinha formação, visão, cultura militar. Ele até desdenhava disso. Meu pai era um cara genial, e isso intimidava, porque era uma pessoa corajosa”, afirmou.
Carlinhos Marighela disse que perguntavam ao seu pai: “Porque que você não tem medo, Marighella?”. Ele respondia: “Eu sou um homem de convicções, não tive tempo para ter medo”.