COMUNICAÇÃO

Fortalecer Defensorias e garantir audiência de custódia são recomendações da CNV

05/01/2015 15:24 | Por

A divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), no último dia 10, Dia Internacional dos Direitos Humanos, trouxe, além do minucioso levantamento dos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar, recomendações para maior efetividade de proteção e garantia aos direitos fundamentais da pessoa. Dentre elas, do ponto de vista institucional, destacam-se o fortalecimento das Defensorias Públicas e a implantação dos chamados Núcleos de Prisão em Fragrante (NPFs), ou seja, a obrigatoriedade da audiência de custódia.

Trata-se de um instrumento legal, embora o Brasil seja signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica - 1969), para apresentação a um juiz, no prazo máximo de 24 horas, das pessoas presas em flagrante. A medida, nosso caso brasileiro, visto o histórico de arbitrariedades, abuso de autoridade e prática de tortura por policiais, visa proteger a integridade física e psicológica do detido, e, ao mesmo tempo, possibilitar um contato direto entre este e o magistrado, a fim de conhecer melhor as circunstâncias dos fatos.

De acordo com o coordenador das Especializadas da Defensoria Pública na capital, Alan Roque de Araújo, tanto o Conselho Nacional do Ministério Público, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) buscaram nas experiências desenvolvidas pela Instituição em Salvador. Em agosto de 2013 foi instalado, nas dependências da Cadeia Pública, na capital, o Núcleo de Prisão em Flagrante, resultado de uma parceria entre a Defensoria (DPE), Ministério Público (MP), Tribunal de Justiça (TJ-BA) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

"Posso afirmar que foi uma experiência exitosa, visto que o preso em flagrante era apresentado ao juiz de plantão e assistido, se fosse o caso, por um defensor público. Infelizmente tivemos a desativação do NPF por razões que não nos pareceram justificadas", afirma Alan Roque.

Ele refere-se à transferência do núcleo para dependências do próprio TJ, antes mesmo de completar seu primeiro ano de atuação, face aos problemas de inadequação do uso dos banheiros no local e a alegação de falta de segurança por um dos magistrados. A decisão comprometeu a prática que vinha se consolidando e, na atual condição, impossibilitou, na prática, que os presos pudessem ser levados à presença de um juiz, como era o principal objetivo da iniciativa.

Deve-se ressaltar que não fosse o esforço particular da própria Defensoria Pública, o próprio projeto do núcleo não teria saído do papel. "Tivemos de travar uma verdadeira batalha para convencer nossos parceiros da necessidade e vantagens no funcionamento do núcleo. Talvez, esta resistência inicial já fosse o sinal de que a ideia não ia prosperar", avalia o coordenador.

Há, porém, uma outra frente de atuação. O conselheiro do CNMP, Alexandre Saliba, em recente contato mantido com a Defensoria, solicitou um relatório sobre as condições atuais de funcionamento do núcleo. De acordo com Alan Roque, informações detalhadas foram encaminhadas à instituição, como também ao CNJ, com o propósito de subsidiar o material que será apresentado aos senadores para convencê-los da aprovação do PLS 554/2011.

Este projeto de lei "altera o §1º do artigo 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para dispor que no prazo máximo de vinte e quatro horas após a realização da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, juntamente com o auto de prisão em flagrante, acompanhado das oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública".

No entanto, mesmo aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal (CAE), em novembro do ano passado, o projeto está na relatoria da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aguardando prosseguimento. Da forma como foi apresentado, é bem possível que sofra emendas, já que encontra resistência em parlamentares mais conservadores que compõem a Comissão.

De autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), a proposição teve emenda substitutiva aprovada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). O relator na CAE, senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), manifestou-se favorável à proposta, na forma do substitutivo da CDH, elaborado pelo senador João Capiberibe (PSB-AP). Segundo ele, haverá economia para o Estado na manutenção do sistema prisional com o fim de prisões desnecessárias.

De qualquer forma, desde a sua aprovação na CAE, aumenta o nível de pressão para a aprovação do projeto, por meio da articulação de movimentos sociais e organizações não governamentais, inclusive internacionais.

"Embora o Brasil seja signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, a compreensão da maioria quase que absoluta dos magistrados é que em nossa lei não há qualquer determinação nesse sentido. O que nos parece um absurdo, pois as convenções internacionais se sobrepõem às leis ordinárias. A resistência, a nosso ver, tem um caráter político", analisa Alan Roque.

O Pacto de San Jose da Costa Rica, em seu §1º, art. 8º, diz o seguinte: "Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza."