COMUNICAÇÃO

Fórum Social Mundial – Ouvidoria da Defensoria aponta problemas históricos e caminhos para construção de espaços urbanos mais justos

27/01/2021 16:51 | Por Lucas Fernandes DRT/4922

Com ampla participação on-line da sociedade civil, painel no Youtube e no Facebook trouxe Grupo de Trabalho com especialistas e militantes de movimentos sociais para debater o direito à cidade

“Após a abolição da escravatura, em 1888, para onde foi a massa da população negra ‘liberta’? Que abolição é essa que até hoje essa população não tem acesso à moradia e aos seus direitos?”. Foi com essa reflexão que a ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia abriu o painel Direito à cidade a partir de uma política antirracista, nesta terça-feira, 26, como parte da programação do Fórum Social Mundial 2021. 

Transmitido ao vivo pelo Facebook, Youtube e Twitter da Defensoria, o evento contou com a exposição temática de membros do Grupo de Trabalho (GT) da Ouvidoria que estuda essas questões. Além disso, contou com o defensor público geral do Estado da Bahia em exercício, Pedro Casali Bahia; e com a participação internacional do italiano e coordenador-geral da Aliança Internacional de Habitantes (IAH), Cesáre Ottolini.

De acordo com Césare – que mora em Pádua, na Itália, em uma cooperativa de propriedade coletiva que aloja 18 famílias de diversos países – falar sobre direito à moradia é essencial para um mundo mais justo. “A primeira política de direito à cidade precisa ser antirracista e acolhedora”, afirmou. Ele aproveitou o momento para convidar o GT a participar da Assembleia Mundial de Habitantes, no Fórum Social Mundial, no próximo sábado, dia 30, às 11h (horário de Brasília). 

“Há pouco tempo reuniões como essa seriam impossíveis e agora estamos compartilhando, intercambiando e fortalecendo alianças (…). Não queremos ser resilientes, nos adaptarmos; queremos ser re-existentes. Resistir aos efeitos das políticas neoliberais para re-viver”, enfatizou Césare, indicando que as pessoas, as famílias e as comunidades precisam buscar políticas públicas que visem os direitos humanos, o meio ambiente e a redistribuição das riquezas.

 

Assista ao painel na íntegra:

 

Função social da propriedade

Na programação do painel, a advogada e doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania, Sheila Rolemberg, falou sobre a função social da propriedade, trazendo tratados internacionais e legislações, inclusive a Constituição Federal de 1988, que abordam o direito à moradia como um dos direitos mais básicos do ser humano.

“O direito à moradia não está atrelado ao direito de propriedade, mas a um conceito de qualidade de vida, vinculado ao atendimento de condições adequadas, higiene, conforto e preservação da privacidade pessoal e familiar”, explicou Sheila Rolemberg.

Para ela, um modelo desenvolvimentista perverso no Brasil resultou em uma das sociedades mais desiguais do mundo. “O quadro é agravado pela postura conservadora de concentração da terra, que sustenta uma estrutura fundiária patrimonialista e se afasta da ideia de efetivação da função social e da distribuição equitativa e qualitativa da infraestrutura urbana”, indicou.

 

Movimento de moradia

Já o diretor executivo da Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), João Pereira, explanou sobre a trajetória do movimento de moradia, que segundo ele advém do processo de industrialização e urbanização do país. Ele aponta que, entre 1900 e 2001, a população urbana no Brasil saltou de apenas 10% para 80% e que esse processo tardio, mas muito rápido de crescimento das cidades fez com que não houvesse políticas habitacionais pensadas para a população.

João explica, ainda, que o problema de moradia no Brasil surge com a colonização e com o modelo escravocrata, que estabeleceu como padrão a Casa Grande e a Senzala. E que o reflexo disso hoje são as favelas e os grandes condomínios fechados. “Precisamos compreender que não vamos resolver o problema se não discutirmos e reconstruirmos a sociedade em novas bases que não essas, que são plenamente racistas”, destacou.

 

Arquitetura afro-brasileira

Na sequência, o professor da UFBA e coordenador do grupo EtniCidades – grupo de estudos étnico-raciais em arquitetura e urbanismo -, Fábio Velame, abordou a arquitetura afro-brasileira a partir do ponto de vista da psicologia social e da branquitude (termo que se refere à construção da identidade racial branca como padrão, universal, civilizada, histórica). “Nós sempre olhamos o tema do racismo numa perspectiva do oprimido – do negro, do indígena, das populações pobres da periferia -, mas, ao refletir sobre o racismo urbano, temos que também observar o lado do opressor; colocar a questão da branquitude na problematização da racialização do espaço urbano”, considerou Fábio. 

Para ele, o retrato das cidades reflete o desejo da branquitude sobre os corpos negros, que vão trabalhar e viabilizar a existência branca. Segundo Fábio velame, a ideia do GT é “romper a lógica colonial que reproduz, de forma violenta, essa cidade segregada do ponto de vista de classe, de gênero, mas sobretudo de raça, a partir dos desejos de luxúria da branquitude, de servidão”.

“Essa é a nossa realidade urbana, que temos que combater. Nosso GT tem como projeto pautar as diversas possibilidades de ações, seja no planejamento urbano, na discussão dos planos diretores, dos planos setoriais de moradia e de saneamento”, explicou.

 

Serviço Social

O painel foi finalizado com a exposição da assistente social, mestra em Políticas Sociais e Cidadania e professora da UCSAL, Liane Monteiro, que falou sobre o Serviço Social na garantia do direito à cidade para populações negras. 

De acordo com ela, a categoria de assistentes sociais entende que a concepção de seguridade social (assistência social, saúde e previdência social) precisa ser ampliada para abarcar o direito à cidade. Para Liane, que participa da Frente Nacional de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo, é urgente tratar a questão racial como grande expressão da problemática urbana.

“Não podemos pensar o verbo ‘existir’ sem o verbo ‘morar’. E esse morar tem que ser digno”, reforçou a assistente social.