COMUNICAÇÃO
Furto por fome: levantamento da Defensoria da Bahia aponta aumento de prisões por furtos famélicos em cinco anos
Em relação à quantidade de prisões por furtos em geral, o número de pessoas que foram enquadradas pela Justiça porque furtaram para sobreviver subiu de 11% para 20%
Após atender recorrentes casos de pessoas presas em Salvador por furtar itens necessários à sobrevivência, como comida, sabonete, remédios, entre outros, a Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA fez um levantamento que aponta um aumento no número de prisões desse tipo nos últimos cinco anos.
De 2017 a 2021, se comparado ao número de furtos gerais, os flagrantes de crimes famélicos subiram de 11,5% para 20,25%. Nesse período, foram 287 casos de pessoas como a Patrícia, que perdeu o emprego, foi parar na rua, grávida, com três filhos, e viu na desobediência à lei penal a única saída para alimentá-los.
Veja a história de Patrícia nesta matéria da série de reportagens Furto por fome.
Por coincidência (ou não), outro número que quase dobrou, de 2018 para 2020, foi o de pessoas passando fome. Um estudo divulgado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, mostrou que a insegurança alimentar grave afetou 9% da população em 2020 – 19 milhões de brasileiros. Em 2018, eram 10,3 milhões.
Como não conseguem encontrar trabalho, o desespero faz com que muitas dessas pessoas “apostem” a sua liberdade aventurando conseguir os itens de que precisam, normalmente em grandes supermercados. O paradoxo desse comportamento é que, se pegos em flagrante, a estigmatização da prisão acaba fechando ainda mais as portas.
“Se fosse um livro, eu colocaria essa página para desaparecer. Queria que nunca tivesse acontecido isso. Errei, não pensei, me arrependo. Tem erros que as consequências são gravíssimas. Comecei a trabalhar cedo, sempre trabalhei, sempre defendi o meu pão. Infelizmente, aconteceu. Tô pagando um preço por isso, já tive várias portas batidas na minha cara”, comenta um assistido da Defensoria em anonimato.
Segundo o assistido, que responde penalmente por furto a quatro carnes em uma grande rede de varejo, é uma vergonha e um sofrimento ir todo mês ao Fórum assinar o papel que garante que ele não se ausente da comarca – já que responde atualmente ao processo em liberdade. Essa é uma das histórias que será contada com detalhes posteriormente aqui no site da DPE/BA na série Furto por fome.
“A passagem pelo cárcere é um evento crítico, dificulta o acesso ao trabalho, dificulta o acesso a estabelecimentos educacionais, porque existe uma discriminação estrutural com quem ingressa no sistema de justiça criminal. Então, se você acaba entrando num processo criminal por falta de oportunidades, a prisão agrava ainda mais essa realidade”, explica o defensor público que coordena a Especializada Criminal e de Execução Penal da DPE/BA, Pedro Casali.
Dos 287 casos, 25 foram mantidas em cárcere pela Justiça, mas as demais pessoas tiveram as prisões flexibilizadas para responder em liberdade ao processo.
Em 2019, a Defensoria da Bahia conseguiu na Justiça a absolvição de duas jovens que haviam furtado miojo, desodorante e pastilhas invocando o princípio legal da insignificância (ou princípio da bagatela).
Insignificância
Em outubro de 2021, o STJ pôs em liberdade uma mulher em situação de rua que furtou macarrão instantâneo, refrigerantes e refresco em pó em um mercado em São Paulo. O ministro relator considerou a lesão ínfima ao bem jurídico e que isso não justificaria o inquérito policial.
No Direito, o princípio da insignificância põe limites no poder repressivo do Estado, assegurando que pessoas que praticaram infrações penais leves não sejam julgadas de maneira desproporcional – como diria o provérbio chinês, não faz sentido usar um canhão par atirar em mosquito. Não é justo o Estado usar o seu poder de restrição de liberdade colocar atrás das grades quem não traz perigo algum à sociedade, mas apenas é pobre.
Para que um ato seja considerado insignificante, de acordo com o entendimento jurisprudencial do STF, é preciso que haja a mínima ofensividade da conduta da pessoa; nenhuma periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica provocada.