COMUNICAÇÃO
Herança Digital abre o I Encontro Baiano de Defensores Públicos de Família
Surgida a partir de um cenário marcado pela virtualidade cada vez mais recorrente, a dúvida sobre o que fazer com arquivos, senhas de acesso e memórias de alguém já morto gera debates e provoca discussões acerca dos direitos sucessórios. A quem caberá o direito de acesso destas informações?
Para a defensora Carla Alonso, 2ª vice-presidente e membro da Comissão Científica do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, as normas jurídicas precisarão adequar-se a esta nova realidade onde, segundo ela, dois aspectos se colidem: o direito de sucessão, por meio da herança, e o direito à privacidade e intimidade. "A vida privada pertence a cada indivíduo, mesmo àqueles que já morreram. Por isso, o sucessor não pode ter acesso a uma herança digital deixada por determinada pessoa e dispor desse material a seu bel-prazer, sem respeitar aspectos de confidencialidade daqueles que morreram ou que estão ligados, mesmo de forma indireta, àquela herança", sentenciou.
Carla trouxe exemplos de artistas que, ao morrerem, deixaram obras inacabadas ou desconhecidas pelo público, gerando, na maioria das vezes, conflitos sobre a utilização comercial ou indevida desse material. "Será que foi a vontade daquele artista ter sua música ou poema inacabado, ou ainda, aspectos de sua vida privada, como conversas particulares em redes sociais, mostrados a todos? Afinal, ainda que a herança seja digital, o autor da herança e os sucessores são reais", provocou a defensora pública.
Alonso criticou também o Projeto de Lei 4099/12, do deputado Jorge Melo (PR) que, se aprovado, irá alterar o artigo 1.788 da Lei n. º 10.406/2002 do Código Civil Brasileiro, e dispor sobre a sucessão dos bens e contas digitais do autor da herança. Já aprovado na Câmara e em tramitação no Senado, o PL prevê a transmissão da chamada herança digital aos herdeiros - permitindo-se o acesso irrestrito de herdeiros a redes sociais, e-mails, contas ou arquivos digitais do autor da herança. "Cada caso precisa ser analisado em concreto. E se aquele pai ou mãe, em vida, tiver construído uma relação extremamente conflituosa com o filho? Para ela, é de fundamental importância a elaboração de um testamento informando a todos a vontade da pessoa na destinação de seus arquivos, contas de e-mail e redes sociais, obras e acervos privados. "Só morre quem não fica na lembrança do outro", destacou.
Violência Doméstica
Segunda expositora do dia, a defensora pública Firmiane Venâncio, da Especializada de Família, apresentou um panorama da origem dos conflitos domésticos e familiares, os impactos da violência contra a mulher e como as estruturas especializadas de atendimento muitas vezes não são capazes de oferecer respostas efetivas e consistentes às vítimas. Firmiane ainda falou de como se dão as relações de conjugalidade e das dificuldades provocadas por problemas de interlocução entre as varas de violência doméstica e de família, e também dessas áreas no âmbito das Defensorias Públicas de todo o país.
"Já está pacificado no STJ, por meio de decisão proferida em outubro desse ano, sobre a competência híbrida da Vara de Violência Doméstica. Na prática, isso significa que a mulher vítima de violência não precisará passar por um caminho muitas vezes longo e confuso para ter um atendimento integral de todas as suas demandas e não apenas as que dizem respeito às medidas protetivas. Agora, o próprio juiz da vara terá competência para o julgamento e execução de todas as ações decorrentes da prática da violência doméstica, seja alimentos, guarda ou pensão", explicou.
Na decisão do STJ, "negar o julgamento pela Vara especializada, postergando o recebimento dos provisionais arbitrados como urgentes, seria não somente afastar o espírito protetivo da lei, mas também submeter a mulher a nova agressão, ainda que de índole diversa, com o prolongamento de seu sofrimento ao menos no plano psicológico".
Firmiane disse ainda que esse é um procedimento já adotado pelo Núcleo de Defesa da Mulher da DPE - NUDEM. Isso, por que ao repetir para diversos profissionais a situação de violência sofrida, a assistida passa por um processo de revitimização. "Além disso, cria-se uma relação de profunda confiança e pessoalidade com o defensor ou defensora pública que atende aquele caso. Tanto que nas audiências, as mulheres muitas vezes não querem ser atendidas por um defensor público de Família, por achar que aquele profissional não a representa devidamente", pontou.
Sobre os aspectos da violência doméstica, a defensora pública falou ainda de como as relações de conjugalidade são complexas e devem ser analisadas também pelos defensores públicos. "Conversando com muitas das assistidas que procuraram o NUDEM, percebi que muitas delas narravam situações que se repetiam em muitos casos, como por exemplo, da violência iniciada a partir do nascimento do primeiro filho do casal. Precisamos analisar o quanto essa relação de conjugalidade é afetada pelo nascimento de uma criança - a mudança de prioridades do casal, a responsabilidade do homem advinda daquele novo cenário familiar, a divisão do tempo da mulher entre o filho e o marido, a redução da vida sexual daquele casal. Esse olhar, no entanto, precisa vir através de capacitações e formações continuadas".
Firmiane Venâncio chamou atenção ainda para uma cultura machista que age, segundo ela, no plano simbólico. "Precisamos ficar atentos que por detrás das decisões baseadas na Lei Maria da Penha há uma falsa noção de neutralidade do Judiciário brasileiro. Ao consentirmos com um discurso de falta de estrutura das varas especializadas, de juízes, ou com as diversas dificuldades impostas às mulheres no percurso da denúncia, estamos admitindo que a questão da violência contra a mulher é tratada sem qualquer prioridade".
De janeiro até outubro desse ano, o NUDEM realizou 3.664 atendimentos de mulheres vítimas de violência, com o ajuizamento de 386 ações de medidas protetivas e 2.365 outras ações.
PROGRAMAÇÃO
A atividade continua à tarde, quando os temas Usucapião Conjugal e Alimentos: aspectos gerais e pontos controvertidos serão apresentados pelos defensores públicos Analeide Accioly e Clériston Macedo, respectivamente.
Amanhã, será a vez de debater o PL 470/2013, conhecido como Novo Estatuto das Famílias, da senadora Lídice da Mata, Novo procedimento de declaração e arrecadação do ITD, com o procurador de estado, Joaquim Araújo, o Projeto de Lei 117/2013 e o Futuro da guarda compartilhada no país, com a defensora pública Marta Almeida, além da Tutela Jurídica do Poliamorismo, com o advogado e mestre em Direito, Luciano Figueiredo.