COMUNICAÇÃO
ILHÉUS – Júri Simulado da Defensoria absolve o índio Caboclo Marcelino de todas as acusações
Pela primeira vez no interior da Bahia, a série de Júris simulados da DPE/BA permite que personagens históricos sejam julgados de maneira democrática
A população indígena da tribo Tupinambá de Olivença de Ilhéus agora pode ter um pouco de orgulho por ter sido feito justiça, após 82 anos, com um dos seus. No dia seguinte ao 19 de abril – data comemorativa que celebra o dia do índio – o tupinambá Cabloco Marcelino foi julgado e absolvido de todas as acusações, na terceira edição do Júri Popular simulado, promovido pela Defensoria Pública da Bahia – DPE/BA nesta sexta-feira, 20, no Teatro Tenda Popular, em Ilhéus.
De acordo com a diretora da Escola Superior da DPE/BA, Firmiane Venâncio, que representou o defensor público geral da Bahia no evento, a iniciativa ratifica a necessidade de respeito à real história dos personagens do Brasil.
“Esse julgamento foi muito representativo, até porque o Brasil vive um problema, que é a criminalização das lideranças dos povos indígenas, negros, dos movimentos sociais. É importante conhecer esses personagens para sabermos por que que a gente errou nesse ponto da história que vivemos hoje”, pontuou Firmiane.
A defensora pública Júlia Baranski, que dedicou-se ao projeto, mostrou felicidade por tantos índios terem se sentido representados no evento, que para ela teve uma simbologia marcante. “Eu fiquei muito emocionada, senti que a comunidade Tupinambá de Olivença estava em peso aqui, vieram prestigiar o evento, que foi feito especialmente para eles. A grande intenção da Defensoria é a aproximação com a comunidade indígena”, exclamou a defensora.
Treze tribos indígenas, além de autoridades locais, estudantes da UESC, e sociedade civil lotaram o Teatro de Ilhéus. Veja as fotos do evento no FLICKR da Defensoria do Estado da Bahia.
Júri
“Meu nome é Marcelino José Alves, eu tenho a idade da história do meu povo, eu cuido da terra, eu trabalho na terra, a minha profissão é resistir”, respondeu o ator Pedro Albuquerque, do Teatro Popular de Ilhéus, durante a encenação, incorporando o personagem, em resposta ao juiz do Tribunal, interpretado pelo defensor público Leonardo Salles.
Incriminado pela acusação – interpretada pela defensora pública Aline Muller – por tentativa de homicídio de um tenente, roubo à mão armada, incitação ao ódio entre classes sociais, e atentado a pessoas e bens por motivos políticos; e taxado como assassino, subversivo, bandido e comunista pela mídia, Marcelino se defendeu com cabeça erguida e convicção de ideais.
“Nosso povo vive uma vida diferente, desde sempre eu aprendi a dividir de tudo, a terra não tem dono, a terra ancestral é de todos nós. Nós e a terra somos uma coisa só. A dor de um tupinambá é a luta de todos os tupinambás”, exclamou o índio personagem.
A defensora pública Júlia Baranski, que emanou o espírito da defensoria na encenação, ponderou no julgamento os direitos de terra dos povos originários e a legítima defesa frente aos ataques sofridos por conta de interesses de mercado. “As terras não foram doadas aos ancestrais de Marcelino por Dom João VI, mas tomadas pela coroa portuguesa quando aportaram no Brasil em 1500”, interpretou Baranski. A defesa ainda destacou a importância de ouvir o lado indígena da história, além de mostrar as perseguições do Estado com esse povo.
“Julgo improcedente a ação penal movida contra Marcelino José Alves, índio caboclo Marcelino, absolvendo-o de todos os crimes que lhe foram atribuídos na denúncia” – sentenciou o simbólico Egrégio Tribunal do Júri.
Embora simbólica, a absolvição do revolucionário indígena é representativa de uma luta atual: do povo indígena pela demarcação de suas terras. Como disse o índio personagem durante o Júri, “o povo tupinambá é um povo forte, guerreiro, que não foge da luta jamais”.
Caboclo Marcelino – Perseguido no período do Estado Novo pela elite cacaueira e pela imprensa local, Caboclo Marcelino lutava pela recuperação de territórios indígenas invadidos, terras da antiga aldeia de Olivença, no litoral sul de Ilhéus, de acordo com o livro Índio na Visão dos Índios: Memória.
Símbolo da defesa daquelas terras, Marcelino foi preso e até hoje não se sabe o que houve com o índio.
Júri simulado – Promovendo uma releitura do Direito na História, o projeto foi idealizado pelo subdefensor público geral da Bahia, Rafson Ximenes; pela subcoordenadora da Especializada de Proteção aos Direitos Humanos, Eva Rodrigues; e pelo defensor público Raul Palmeira.
O Júri garante o resgate dos direitos de personagens históricos que, à época, não puderam exercer com plenitude a garantia do contraditório e da ampla defesa efetiva. Em edições anteriores a Defensoria baiana realizou o julgamento, com absolvição das acusações passadas, de Luíza Mahin e Zumbi dos Palmares.
Mesa de discussão – Após o evento, aconteceu uma mesa de discussão acerca dos direitos dos povos indígenas, público que a Defensoria tem a missão institucional de amparar, para refletir também a ausência de políticas públicas e motivos de o Estado de Direito não se aproximar do segmento indígena.
A mesa contou com a participação da cacique e idealizadora do primeiro colégio estadual indígena Tupinambá de Olivença, Maria Valdelice Amaral de Jesus; o professor e diretor da Escola Estadual Indígena Tupinambá de Abaeté, Katu Tupinambá; e o professor do curso de graduação e especialização em História da Universidade Estadual de Santa Cruz –UESC, Casé Angatu Xukuru Tupinambá.