COMUNICAÇÃO

INFÂNCIA – Abordagem da atuação de jovens no tráfico de drogas como trabalho infantil é tema apresentado em palestra para defensores

28/08/2020 15:29 | Por Lucas Cunha - DRT/BA 2944

A defensora pública Eufrásia Maria das Virgens, da DPE-RJ (embaixo, à direita, na imagem ao lado), ministrou explanação sobre o assunto nesta sexta, 28, na programação do III Encontro de Defensores e Defensoras da área

A palestra “O tráfico – uma das piores formas de trabalho infantil (como o defensor público pode aplicar na prática)“, ministrada pela defensora pública do Rio de Janeiro Eufrásia Maria das Virgens, abriu os trabalhos na manhã desta sexta-feira, 28, do segundo e último dia do III Encontro de Defensores Públicos e Defensoras Públicas da Infância Bahia, evento promovido pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, que está ocorrendo por meio de encontros na plataforma Google Meet.

Em sua fala, a defensora Eufrásia Maria das Virgens lembrou que o Brasil ratificou o Decreto 3597, com as recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil, e que neste documento estão listados temas como trabalho forçado e recrutamento obrigatório de crianças e adolescentes para conflito armado, que podem ser enquadrados na questão da entrada desses jovens para o tráfico de drogas.

“É interessante que quando a gente vê as realidades de outros países, ninguém tem dúvida que aquelas crianças em conflitos armados estão inseridas numa situação de trabalho infantil. Mas muita gente fica em dúvida quando abordamos isso sobre as crianças no tráfico no Rio de Janeiro”, alertou Eufrásia Maria das Virgens.

A defensora da DPE-RJ também pontuou que para estes adolescentes envolvidos no tráfico – em sua maioria pobres, moradores da periferia e pretos – não há qualquer medida de proteção e apenas de punição.

“Muitos juízes justificam que a medida de internação serve para retirar o adolescente daquele ambiente. Mas depois que o adolescente cumpre a medida, ele vai pra onde? Vai para outra moradia com acesso à escola e saneamento? Então, este é um argumento falacioso, que nós precisamos enfrentar. Sabemos que esses locais de cumprimentos de medidas socioeducativas são ambientes hostis, com diversas violações de direitos”, disse Eufrásia Maria das Virgens.

Falta de medidas de proteção

A defensora apresentou na palestra um caso no qual mostra como o sistema da garantia de direitos acaba não funcionando para essas crianças em situação de trabalho infantil no tráfico de drogas. Em 2015, um garoto de 11 anos foi morto em uma operação policial em uma favela no Rio de Janeiro, sob justificativa de que estaria envolvido no tráfico.

No entanto, esta criança estava fora da escola já há alguns meses, além de ter sido conduzida a uma delegacia por suposta participação com tráfico de drogas uma semana antes. Segundo Eufrásia Maria das Virgens, o conselho tutelar deveria ter sido acionado em ambas as situações.

“Um dos sinais que uma criança pode estar envolvida em trabalho infantil junto ao tráfico de drogas é a saída dela da escola. Tanto a delegacia quanto a unidade escolar deveriam ter encaminhado para o conselho tutelar. Não existe qualquer medida de proteção para eles”, denuncia a defensora.

Elogios

Mediador do encontro, o defensor público e coordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal da DPE/BA, Maurício Saporito, elogiou a abordagem da colega da Defensoria do Rio de Janeiro, afirmando que ele mesmo nunca tinha encarado que essas crianças estavam em uma situação de trabalho infantil.

“Precisamos parar de vê-los como infratores e sim como vítimas desse sistema. Quando fui estudar para essa palestra e vi as normas da Organização Internacional do Trabalho, o que é listado como trabalho infantil em temas como jornada exaustiva, trabalho noturno, exposição à violência: tudo isso se encaixa como trabalho infantil”, destacou Maurício Saporito.

Ao final do evento, a defensora Gisele Aguiar, coordenadora da Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente da DPE/BA, também fez seus agradecimentos à palestrante da mesa e reforçou que o Sistema Judiciário brasileiro precisa internalizar as convenções que são ratificadas pelo País.

“Nós, defensores públicos, temos que buscar que o Poder Judiciário reconheça essas posições que o Brasil ratificou e não está cumprindo. Ainda mais porque é raro termos advogados envolvidos com os jovens desse sistema socioeducativo. Recentemente, fizemos uma pesquisa aqui na Defensoria, que mostrou que quase todas as crianças e adolescentes que estão nessas Comunidades de Atendimento Socioeducativo (Case) em Salvador são atendidas pela Defensoria, No recorte para a Case feminina, esse percentual é de 100%. Então, a Defensoria Pública precisa realmente se empoderar do tema que foi discutido aqui hoje”, finalizou Gisele Aguiar.