COMUNICAÇÃO
Interioriza Defensoria se consolida como uma ação crucial no atendimento itinerante de acesso à justiça
No mês da Consciência Negra, mutirão atendeu comunidades quilombolas de diferentes regiões da Bahia
O mutirão do Interioriza durou pouco mais de uma manhã, alcançou mais de 15 comunidades quilombolas e proporcionou o acesso à justiça na vida de centenas de pessoas isoladas dos grandes centros. O saldo do projeto de descentralização dos serviços da Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA), contudo, não é capaz de traduzir a importância da instituição na garantia da dignidade e inclusão social. É justamente nas histórias impactadas por um ato tão simples, como a realização de um atendimento itinerante, que isso fica mais evidente.
Uma dessas histórias é a de uma senhora que, mesmo após 50 anos de divórcio, temia que o ex-marido tivesse direito aos bens que constituiu após a separação por ainda usar o nome de casada. “Esse é um caso emblemático porque nos lembra que acesso à justiça não se restringe ao acesso ao judiciário. Com a orientação jurídica adequada, conseguimos acabar com uma angústia de dezenas de anos. Ela temia que os filhos fossem prejudicados na partilha da herança”, conta a servidora Vitória Souza, responsável pelo atendimento que aconteceu no Quilombos do Rodeadouro, em Juazeiro.
Para Vitória, realizar os atendimentos na comunidade quilombola também foi um momento de reconexão com suas raízes. Ela é a primeira de sua família a nascer fora da comunidade quilombola de Cupira, que fica em Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco. Durante o mutirão de atendimentos, ela foi tomada por uma série de lembranças das vivências no território de origem. “É uma felicidade ver a conexão entre uma instituição que promove acesso a direitos e uma comunidade que historicamente tem seu acesso à cidadania negado”, conta.
Se depender do empenho de Vitória, que aos 26 anos já integra a lista de aprovados no VIII Concurso da DPE/BA, a aproximação entre a DPE/BA e as comunidades tradicionais será cada vez maior. “Enquanto mulher negra, periférica e descendente de quilombola, ter rompido a marginalização e futuramente vir a ocupar uma carreira jurídica traz a sensação de que ainda sou exceção e de que, na minha atuação, devo trazer um ponto de vista que não é captado pela norma no Brasil”, garante.
Histórias de vida alimentam a importância do Interioriza em cada canto do estado, principalmente nesta edição crucial em pleno mês de Consciência Negra. Junte isso ao fato da Bahia ter o maior número de quilombos no país, segundo o último censo do IBGE. Atualmente, temos uma população estimada de 397.059 quilombolas. Em Itacaré, o Interioriza Defensoria aportou na comunidade quilombola Porto de Trás, atendendo inclusive outras comunidades vizinhas, como Água Vermelha, Fôjo, João Rodrigues, Porto do Oitizeiro, Santo Amaro, Serra de Água, Formiga, Oitizeiro e Pinheiro.
Entre as dezenas de pessoas atendidas, Darlan de Jesus Santos, líder quilombola, finalmente saiu do atendimento já com a nova certidão de nascimento do filho, após retificação de registro feita pela Defensoria. “Eu tinha que resolver isso há algum tempo e o mutirão foi a oportunidade ideal. Rapidinho, resolvi tudo”, avaliou.
O cozinheiro Elquisson Rocha e a recepcionista Emanuela França aproveitaram a edição do Interioriza Itacaré para requerer o divórcio. Os dois, por meio da conciliação feita pela DPE, também resolveram questões referentes à guarda e pensão do filho, de 10 anos. “Eu ouvi que a Defensoria atenderia aqui gratuitamente, então liguei para meu ex-marido e combinamos de vir oficializar nossa separação. Foi muito bom chegar aqui e já sair com tudo acertadinho”, comentou Emanuela.
A coordenadora da Regional Itabuna, Aline Muller, explicou que a edição de Itacaré foi pensada para ofertar uma gama de serviços às comunidades quilombolas do Município. “Trouxemos não apenas os serviços jurídicos da Defensoria, mas o apoio de diversos parceiros, como o INSS (Instituto Nacional Seguridade Social), a Prefeitura – com o Cras (Centro de Referência da Assistência Social), a Secretaria da Saúde e o Bolsa Família – e o cartório de registro civil”, conta.
Wellington Silva dos Santos, presidente do Conselho de Quilombolas de Itacaré, que inclui sete comunidades, entre urbanas e rurais, avaliou a atividade da Defensoria como uma conquista muito grande para o povo tradicional da localidade. “Estamos aqui nessa luta e a Defensoria veio nos ajudar. O mês da Consciência Negra é uma data muito importante, que precisa ser abraçada por todos”. Ele ainda explicou que o Conselho está lutando para que a Fundação Palmares certifique mais sete comunidades de Itacaré como território quilombola, o que totalizam 14.
Entre os(as) tantos(as) atendidos(as) no mutirão itinerante, chamou a atenção a história de vida de Hermínia Antonia Santos da Silva, apelidada de Nega, de 74 anos. Ela contou que foi expulsa de sua casa ainda jovem, junto com a família, de uma roça que tinham na região do Quilombo João Rodrigues. Eles foram expulsos por um “fazendeiro poderoso daquele tempo”.
Na época, as terras não eram protegidas e valia a lei do mais forte. “A gente teve que sair de Itacaré e depois voltar. Fomos trabalhar em uma fazenda fora, para ter onde morar. Já com meus sete filhos nascidos, retornamos para cá, construímos uma casinha no quilombo, onde vivemos até hoje”, contou.
Com o crescimento do Interioriza, novos parceiros abraçam o projeto. Em Jequié, além da prefeitura municipal, o Interioriza contou com parceria da Ouvidoria Cidadã e do Governo do Estado. O espaço para realização do projeto foi cedido pela Secretaria de Educação e o mutirão contou com a participação da Superintendência de Prevenção à Violência, vinculada à Secretaria de Segurança Pública. “Além dos atendimentos jurídicos, um dos nossos objetivos foi estreitar os laços entre a comunidade e as forças de segurança”, conta a coordenadora da 12ª Regional, Yana de Araújo Melo.