A arte pode, sim, ser um lugar de recomeço. Pelo menos é assim que tem sido para Paula Andrade*, 42 anos, cantora e compositora que venceu, recentemente, a primeira seletiva do Festival Anual da Canção Estudantil (Face), promovido pela secretaria estadual da educação. No entanto, interna do complexo penal de Teixeira de Freitas, ela quase perdeu essa chance. Foi aí que a Defensoria Pública da Bahia entrou em cena.

A inscrição de Andrade foi cancelada sem motivo aparente, o que a impedia de participar. Ela havia sido inscrita pelos professores(as) do colégio onde cursa o 8º ano do ensino fundamental, ali mesmo no presídio. Ao ser informada da situação, o núcleo da Defensoria que atua no complexo penal buscou uma solução extrajudicial para o assunto. 

O defensor público Matheus Bastos assinou um ofício e a servidora da DPE Ayelle Rezende entregou diretamente aos organizadores do Núcleo Regional de Educação (NRE), territorial de Teixeira de Freitas. Durante a conversa, a servidora explicou que não havia problema com a inscrição e que a aluna tinha o direito de participar do evento. “A educação tem um papel primordial na ressocialização e o Estado tem de aproveitar as competências das pessoas em situação de cárcere para tentar recolocá-las na sociedade”, afirmou Rezende.

Após a mediação da Defensoria, o NRE readicionou a interna na lista de inscritos e confirmou sua participação. Paula Andrade se apresentou no último dia 4 de outubro, com a música Africanidade, de sua autoria, vencendo a seletiva do Extremo Sul da Bahia. Ela ganhou de outros 16 participantes, todos estudantes da rede pública estadual. Com essa vitória, segue para a segunda etapa, marcada para 8 de novembro, em Itabuna, que terá transmissão ao vivo. Vencendo, vai para a última fase, em Salvador, no mês de dezembro.

“Foi uma surpresa para mim. Eu nunca imaginei que participaria de um concurso de música na minha vida. Eu já tinha escrito a letra há algum tempo, a professora adorou e me inscreveu. Sinto que é uma competição de alto nível, com muita gente talentosíssima e está sendo maravilhoso e surpreendente para mim”, comentou Paula Andrade, que cumpre o regime semiaberto, passando o dia fora do presídio e só retornando à noite, para dormir.

O coordenador da Regional da Defensoria em Teixeira de Freitas, Caio Cruz, explicou que a DPE segue acompanhando o caso, providenciando, inclusive, autorização judicial para que ela possa viajar a Itabuna. Ele explica que a interna não pode se ausentar da comarca sem a liberação do juiz e sem o acompanhamento de agente penal pré-definido. 

Ele também reforça a importância da arte na socialização dos internos. “Entendo a atividade artística como uma via potente de transformação individual, que promove o desenvolvimento cognitivo, emocional e social dos apenados, contribuindo para a mudança de mentalidade e facilitando sua reinserção na sociedade”, completou.

Para Paula, a Defensoria tem sido essencial no acesso de seus direitos. “A Defensoria foi essencial não só para o festival, mas para minha vida. Então está sendo incrível, eu estou tendo esse apoio, que é muito importante para mim. Eu amo a música. Eu só tenho a agradecer”, completou.

O Festival Anual da Canção Estudantil (Face) envolve estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio e equivalentes (Educação de Jovens e Adultos – EJA, Ensino Normal e Tecnológico). O objetivo é explorar o potencial educativo de alunos, através da música, estimulando a musicalidade no ambiente escolar, bem como a valorização das manifestações culturais regionais.

 

* Nome fictício para preservar a identidade da usuária.